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ToggleMesmo sendo o Brasil construído com importante herança afrodescendente negra, afinal entre negros e “pardos” somos cerca de 54% da população; mesmo sabendo-se que os afrodescendentes possuem heranças religiosas próprias, ainda assim, quando se pergunta: “qual é a religiosidade que predomina entre a população brasileira?”, as respostas são praticamente unânimes em considerar que o Brasil é predominantemente católico e evangélico, ou seja, o Brasil é um país onde predomina o cristianismo em sua população.
Mas de que cristianismo se está falando?
Mesmo no seio dessas denominações religiosas, o cristianismo seria o mesmo?
O cristianismo tem como figura referencial Jesus Cristo ou o Jesus de Nazaré? Há duas interpretações diferentes do mesmo personagem histórico? A abordagem será histórica se houver referências a Jesus de Nazaré e sua concepção será pela fé quando identificado como Jesus Cristo. Trata-se da mesma figura, mas abordada sob ângulos diferentes.
Quem foi esse Jesus? Aquele que levou a culpa por todos os nossos pecados? Aquele que expulsou os “vendilhões do templo”? Que confrontou o Poder Romano e o Templo de Jerusalém? Que pregou e construiu o Sermão da Montanha? Que perdoou a prostituta? Aquele que se juntava e falava para multidões de pobres e oprimidos? Que renegava a opulência e o luxo? Afinal, qual é o Jesus que as pessoas glorificam, pelo qual se emocionam e choram?
O Jesus adorado por católicos e evangélicos é o homem que foi acusado de desordeiro e responsável por blasfêmias?
Qual Jesus?
O Jesus adorado por católicos e evangélicos é o homem que foi acusado de desordeiro e responsável por blasfêmias? O personagem levado a Caifás, Pilatos, governador da Judéia, e depois para Herodes, governador da Galiléia que representavam o poder religioso e do Estado? Que foi condenado e punido injustamente? O que foi condenado, torturado, carregando a cruz, espancado, cuspido para depois ser crucificado?
Mas seria esse o Jesus que é divinizado pelos cristãos católicos, evangélicos e de outras denominações religiosas existentes nestes tempos? Certamente, não o mesmo o entendimento que existe no interior das religiões.
Por exemplo, o Jesus entendido pelo Papa Francisco, por Dom Paulo Evaristo Arns, por Leonardo Boff, das Comunidades Eclesiais de Base, pelos que realizaram o Sínodo da Amazônia e pelos que pensam a Economia de Francisco da Igreja Católica não é o mesmo daqueles que comungam com o superconservadorismo dos “cristãos” que desejam dizimar Jorge Mário Bergoglio.
Essa mesma distinção se vê entre as denominações Evangélicas. Veja-se a postura do Pastor Henrique Vieira, do saudoso Rabino Henry Sobel e do Pastor Jaime Wright, que assinaram com Dom Paulo Arns o livro “Brasil, Nunca Mais”. No âmbito local, destaco o saudoso Pastor Nephtali Vieira, que em minhas gestões em Rio Claro-SP tive a iniciativa de homenagear com o nome de uma Escola.
Diz-se que se na época da possível vida de Jesus houvesse um grande jornal, sua morte possivelmente seria noticiada apenas nas páginas policiais. Esse talvez seja o cristianismo sob liderança de Edir Macedo e daqueles que dependem de “bezerros de ouro” para sobreviver na opulência e nos exageros da vida material.
Na concepção do Pastor Henrique Vieira, a visão hegemônica que se tem de Jesus nada tem a ver com o personagem da Bíblia. O Jesus desse evangélico não tem vínculos com os fundamentalismos. Para ele, “o negacionismo científico é contrário ao espírito da fé, e o discurso que desdenha as mortes pela covid-19 tem traços de eugenia”. Nada disso teria relação com o cristianismo.
Fica claro que a possível vida de Jesus, narrada por seus companheiros de jornada histórica, os apóstolos, levaram a “possíveis” e distintas interpretações. Daí se fortalece a indagação: de qual cristianismo se está falando? Qual é o cristianismo que de fato se assimila no Brasil?
Os cristãos socialistas levam consigo muitos sonhos. Colocam suas leituras das realidades e atuam para construir sociedades justas, com equidade. Para estes, enquanto cristãos, o Jesus que os serve é aquele que enfrenta o poder de governos e dos poderes religiosos e que lutam por mudanças sociais e contra aqueles que querem preservar suas posições e privilégios, como disse Florestan Fernandes.
Estes verdadeiros cristãos se comprometem com os quilombolas, com os indígenas, com os assentados rurais, com os habitantes dos bolsões de pobreza, com os moradores de ruas e das favelas. Esses seriam os companheiros visitados por Jesus em suas peregrinações. Com eles, Jesus conversaria e apontaria caminhos, chamaria a atenção para a existência e pediria cuidados para não serem enganados por “falsos profetas”, ensinando a repartir os pães de cada dia.
Talvez esta pandemia possa ajudar muitas pessoas a refletir sobre esses assuntos, construindo práticas que de fato as transformem em verdadeiros cristãos.
Claúdio Di Mauro é geógrafo, professor universitário, ex-prefeito de Rio Claro (SP) e colaborador da Diálogos do Sul
Participação de Jhenifer Gonçalves Duarte discente do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia
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