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Maioria parlamentar garante a Petro aplicar mudanças que Colômbia precisa, diz professor

"É necessário criar as condições para potencializar as transformações (...) negadas às grandes maiorias", explica o sociólogo Maurício Avilez Alvarez
Leonardo Wexell Severo
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

“Evidentemente ter a maioria no Senado e na Câmara representa governabilidade, significa estabilidade para dirigir o país”, afirmou o professor colombiano Maurício Avilez Alvarez, doutor em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador do Observatório Socioambiental e de Paz.


Confira a entrevista

Leonardo Wexell Severo | Após quase seis décadas de guerra civil na Colômbia, uma frente progressista venceu as eleições presidenciais e construiu uma maioria parlamentar com o compromisso de efetivar um governo de transformações. Nesta queda de braço entre passado e futuro, quais as condições para o país virar a página?
Maurício Avilez Alvarez | Evidentemente, ter a maioria no Senado e na Câmara representa governabilidade para que Gustavo Petro e Francia Márquez, presidente e vice, dirijam a Colômbia. Significa ter estabilidade para dirigir o país, enfrentar a violência histórica sistemática imposta pelas classes dominantes com o apoio estadunidense e frear o terrorismo de Estado.

Atravessamos uma profunda crise humanitária e é necessário criar as condições para potencializar as transformações políticas, sociais e econômicas que foram negadas às grandes maiorias do nosso povo por mais de 200 anos.

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Na quarta-feira passada (20) foi instalado o novo Congresso da República para o período legislativo 2022-2024. O governo do Pacto Histórico conseguiu costurar alianças para efetivar uma bancada majoritária, nas duas Câmaras. São 81 parlamentares no Senado – de um total de 108 – e 113 na Câmara de Representantes (Câmara baixa) – de 188, o que expressa a dimensão desta força.

Fale um pouco mais sobre os desdobramentos do Acordo de Paz entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP) e governo colombiano em 2016
Com o Acordo de Paz assinado pelo governo de Juan Manuel Santos com as FARC-EP, em 2016, foi feita uma regulamentação das bancadas do Congresso, o chamado “Estatuto da Oposição”.

Ele obriga que os partidos, no início da legislatura, se definam como integrantes das bancadas de governo ou de oposição e não possam migrar, mas também possibilita que tenham as garantias para suas dinâmicas políticas. Como a bancada de governo é majoritária. Isto lhes permitiu ter a presidência das duas câmaras, todas as comissões legislativas do Senado e quase todas as da câmara baixa.

Segundo o senador Roy Barreras, do Pacto Histórico, esta é “a maior bancada com que assume um presidente na Colômbia”, e isso diz muita coisa. Barreras será o presidente do Senado no primeiro ano de governo.

"É necessário criar as condições para potencializar as transformações (...) negadas às grandes maiorias", explica o sociólogo Maurício Avilez Alvarez

Vermelho
Há a compreensão entre o povo colombiano, um consenso, de que o governo de Ivan Duque foi um dos piores da história da Colômbia

Como um estudioso da crise colombiana, quais as medidas emergenciais que vês como imprescindíveis a serem implementadas neste momento?
Poderíamos dizer que há muitas medidas que são urgentes a serem implantadas na Colômbia neste momento. Há uma sede, uma expectativa popular por políticas públicas que abram caminho a melhores condições sociais e econômicas, entraves históricos que necessitam ser removidos, o que a oligarquia colombiana nunca permitiu.

Isso significa que há uma enorme busca por demandas, implica que há uma agenda muito reprimida. Porém, como disseste, há medidas que se mostram emergenciais.

Petro terá “queda de braço” com oligarquia para fortalecer mercado interno na Colômbia

A primeira é a reforma tributária, que permitirá fortalecer o orçamento público e o papel do Estado. A Colômbia tem um enorme déficit fiscal e uma desigualdade muito extrema que precisa ser combatida. Mas, ao mesmo tempo, tem um regime tributário injusto que faz com que as famílias mais ricas paguem impostos muito baixos e os setores mais empobrecidos sejam penalizados com uma severa carga tributária. Isso tudo num contexto de crise econômica internacional.

O fato é que sem esta reforma tributária o governo de Petro e Francia não terá como desenvolver seu programa de governo e ficará refém das receitas recessivas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.

A segunda medida é a construção de toda uma série de leis e decretos, de mecanismos legais para normatizar o processo de paz com as guerrilhas que ainda estão em armas, como o Exército de Libertação Nacional (ELN) e o Exército Popular de Libertação (EPL), a Segunda Marquetalia (grupo formado por ex-guerrilheiros das FARC) e com as estruturas mercenárias paramilitares.

É necessário garantir que ao mesmo tempo em que as guerrilhas, que têm projetos político-ideológicos, possam tornar-se organizações políticas legais. Da mesma forma, é preciso que as estruturas paramilitares, que dão continuidade às políticas contra-insurgentes e têm relação com o narcotráfico, façam a entrega de armas com medidas punitivas mais ‘benevolentes’ e possam ser submetidas à Justiça.

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Há outras medidas necessárias, mas que ainda não contam com o consenso necessário na bancada governista para efetivar-se. Entre elas está a reforma do sistema de saúde, uma proposta que se assemelha ao Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil. Temos também a chamada “reforma rural integral”, que na verdade não é uma reforma integral. Ela possibilitaria a legalização das terras que estão em posse das comunidades camponesas, viabilizando a devolução de milhões de hectares a famílias retiradas pelos paramilitares.

Muitas destas famílias foram deslocadas por estruturas mercenárias para transformar estas áreas em fazendas de políticos de direita e empresários. Aliás, essa reforma agrária foi proposta no Acordo de Paz entre o Estado da Colômbia e as FARC-EP. O que também põe na agenda a implementação do Acordo de Paz que se fez com essa extinta guerrilha. Outra medida que deve ser tomada é a regulamentação do Ministério da Igualdade, que virá a ser presidido por Francia Márquez.

A que atribuir este fim melancólico do governo de Iván Duque, com inúmeros parlamentares levantando cartazes denunciando sua postura agressiva e contrária ao povo colombiano?
Há vários fatores que levaram a isso. Duque foi um governo nefasto, que teve como bandeira acabar com o Acordo de Paz assinado com as FARC-EP. Isto significou a adoção de muitas medidas antipopulares e que foram altamente lesivas a muitos setores sociais. Iván Duque foi um governo (2018-2022) que roubou de forma galopante, no maior descaramento.

Ao mesmo tempo em que tentou vender, de forma muito cínica para a comunidade internacional, a ideia que estava cumprindo o Acordo de Paz, e simulava a sua aplicação, de fato reeditou a mesma política sanguinária de “segurança” do Plano Colômbia, adotada nos tempos de Álvaro Uribe.

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Esse cenário veio acompanhado do quadro da pandemia, da ausência de políticas públicas para atender essa emergência e do agravamento da crise econômica. Isto tudo se misturou com uma incompetência, com a incapacidade de gerenciamento fiscal, de subordinação aos setores oligárquicos mais retardatários – representados no seu partido, o Centro Democrático – e na burguesia financeira internacional. Isso se deu com a execução e aprofundamento de pacotes neoliberais, que só agravaram ainda mais a crise.  

Diante disso, há a compreensão entre o povo colombiano, um consenso, de que o governo de Ivan Duque foi um dos piores da história da Colômbia. É considerado cínico e mentiroso. A contrapartida da sua gestão se refletiu no estallido social [levante popular] de 2021, na perda da capacidade eleitoral do seu partido. Isso ecoou com força no Congresso enquanto ele discursava, com os parlamentares abafando com o cântico de “mentiroso…”. Há a afirmação de que uma nova Colômbia está nascendo.

Leonardo Wexell Severo, jornalista e colaborador da Diálogos do Sul.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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