De acordo com o European Social Survey — Portugal, 2020, 55% dos portugueses manifestam alguma forma de racismo, considerando que existem raças superiores a outras. Acresce que 71% dos portugueses apresenta um viés pró-branco, isto é, associam mais sentimentos positivos a pessoas brancas de forma mais automática do que a pessoas negras (Racial bias around the world, Coutts, A., 2020).
No entanto, uma sondagem ICS/ISCTE, de 2020, mostra que 52% dos portugueses acredita que, em Portugal, há menos discriminação étnico-racial do que nos outros países da Europa. Não obstante a recomendação da ONU para que o faça, as reivindicações de associações de afrodescendentes, e os apelos do Bloco de Esquerda nesse sentido, não existe recolha de dados étnico-raciais em Portugal. Esta ausência impede-nos de ter informações detalhadas sobre as discriminações de que são alvo as pessoas racializadas em Portugal, bem como delinear políticas que possam, efetivamente, combater este flagelo.
Reprodução/ Twitter @mister_cunha
Manifestação contra o racismo em Lisboa em junho de 2020
Ainda assim, apesar de não existirem estatísticas oficiais sobre a origem étnico-racial em Portugal, várias investigações e relatórios têm vindo a demonstrar que o racismo estrutural e institucional no nosso país se traduz em desigualdades várias.
As pessoas racializadas estão sobre-representadas em trabalhos menos valorizados socialmente, com mais baixos salários e mais expostos a processos de exploração laboral, como o caso do setor da limpeza, construção civil, etc.
Dados do Instituto Nacional de Estatística de 2011 mostram que o dobro das pessoas com nacionalidade dos PALOP estava no desemprego. O relatório do Ser negro na UE: 2º Inquérito sobre minorias e discriminação racial, (link is external) 2019, assinala, por sua vez, que 26% dos afrodescendentes trabalhavam em profissões pouco qualificadas, que normalmente exigem esforço físico. Segundo o Censos 2011, há quatro vezes mais portugueses em lugares de representação do poder, de dirigentes ou de gestores, e cinco vezes mais portugueses em atividades intelectuais ou científicas do que cidadãos dos PALOP. No primeiro caso são 3% contra 0,8% e, no segundo caso, 6,1% contra 1,3%.
O 2º inquérito sobre Minorias e Discriminação na União Europeia – Ciganos (link is external), FRA, 2016, explica que 74% dos ciganos portugueses tinham “grandes dificuldades de subsistência”.
Persistem lógicas coloniais de organização das cidades, que se traduzem ainda na segregação territorial das pessoas racializadas, concentradas nos bairros periféricos onde a presença do Estado Social é parca ou inexistente. Neste espaços, muitas vezes, ocupam habitações insalubres. Os bairros são servidos por transportes que, praticamente, servem apenas para as deslocações de e para o local de trabalho. Por exemplo, é preciso levar, logo pela madrugada, as mulheres negras que vão limpar as cidades. E à noite é necessário garantir que as pessoas racializadas não ocupam os espaços públicos urbanos.
O Estudo nacional sobre as comunidades ciganas, (link is external) de 2014, dava conta de que 27,5% de ciganos portugueses vivem em barracas ou tendas. Mediante consulta aos dados do Instituto Nacional de Estatística de 2011, sete vezes mais pessoas com nacionalidade dos PALOP vivem em alojamentos “rudimentares”.
Num estudo do Observatório das Migrações de 2014 que usa dados do último Censos, mostra-se que a percentagem de portugueses proprietários de casas era de 75%, comparando com os 35% de cidadãos de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Há também “a sobre representação dos imigrantes em alojamentos precários, sobrelotados, sem infraestruturas básicas e localizadas em bairros degradados e estigmatizados”, acrescenta o documento.
Já o relatório do Ser negro na UE: 2º Inquérito sobre minorias e discriminação racial, (link is external) 2019, revela que 29% dos afrodescendentes vivem, em Portugal, em situação de carência habitacional, enquanto a média europeia é de 5%.
No que respeita à educação, a maioria dos alunos africanos de escolas secundárias são orientados apenas para cursos profissionais, impedidos assim de entrarem no ensino superior. Um estudo de 2016 aponta que 80% dos alunos dos PALOP são encaminhados para o ensino profissional no secundário e que cinco vezes menos afro-descendentes de origem cabo-verdiana, guineense e santomense acedem ao ensino superior, comparando com portugueses brancos i.
A presença de negros na academia é praticamente nula (link is external).
Segundo dados da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância do Conselho da Europa (ECRI), 90% das crianças ciganas abandonam a escola antes de concluírem o ensino obrigatório (frequentemente entre os 10 e 12 anos de idade), ao passo que a taxa de abandono é de 14% para a população geral. Já o 2º inquérito sobre Minorias e Discriminação na União Europeia – Ciganos (link is external), FRA, 2016, refere que 91% dos jovens ciganos (18-24) em Portugal abandona o ensino e a formação precocemente e que 69% dos ciganos portugueses com mais de 45 anos não concluiu qualquer nível de ensino formal.
Dez vezes mais cidadãos dos PALOP com mais de 16 anos estão presos em Portugal (link is external), em comparação com o número de portugueses (1/736). “Há cadeias, como o Linhó, onde só há praticamente reclusos negros e muitos são portugueses”, lembra o sociólogo António Pedro Dores, que já fez várias denúncias de violações de direitos humanos nas prisões. “Toda a gente percebe que tanto a polícia, como os tribunais e as prisões, fazem uma distinção entre grupos de pessoas, nomeadamente africanos”.
Acresce que 6,8% dos reclusos africanos tem pena máxima contra 3% dos portugueses. Inversamente, 12,4% têm uma pena de um a três anos, enquanto essa percentagem para os portugueses é de 25,3%.Magistrados e outros agentes do sistema judicial reconhecem que há duas justiças, uma para negros e outra para brancos.
São especialmente gritantes casos como o do jovem de 23 anos Danijoy Pontes, condenado a seis anos de prisão pelo furto de telemóveis no metro. Foi a primeira vez que Danijoy cometeu um crime. Os acontecimentos que levaram à sua condenação tiveram lugar no espaço de apenas 15 dias. Ou o caso de Éder Fortes, que esteve preso dos 18 aos 24 anos no estabelecimento de Caxias, em Oeiras, porque a Justiça o condenou erradamente pelo furto de um telemóvel. O jornal “Expresso” (link is external) classificou o julgamento de “enviesado e racista”. O jovem só foi libertado no Natal de 2010, após um indulto de Aníbal Cavaco Silva.
Não obstante todas estas evidências, 80% das queixas por discriminação na educação, habitação e forças de segurança feitas à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) foram arquivadas entre 2006 e 2016ii.
i Os afro-descendentes no sistema educativo português, Roldão, C., Abrantes, P., 2016
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