UOL - O melhor conteúdo
Pesquisar
Pesquisar
Mãe conforta filho doente em centro de tratamento de cólera em Porto Príncipe, Haiti, em 2010 (Imagem ilustrativa: Logan Abassi - ONU / Flickr)

Mais de 5 crianças são mortas por semana sob violência de grupos armados no Haiti

Entidades afirmam que número pode ser maior; assassinato de menores interrompem sonhos e mergulham famílias no luto
Joel Michel Varona
Prensa Latina
Porto Príncipe

Tradução:

Ana Corbisier

* Atualizado em 28/03/2025, às 9h33.

A violência no Haiti, agudizada no último mês de fevereiro, atinge todos os segmentos da sociedade, e, pelo que parece, as crianças e adolescentes não poderão despertar do pesadelo que vivem na nação caribenha: 1,2 milhão de crianças vivem sob a ameaça constante da violência armada no país.

Continua após o anúncio

As gangues levam adiante uma ofensiva na capital e zonas próximas, controlando 80% da região já em 2024. Agora, têm sob seu poder 85%, um avanço gradual e muito perigoso que mantém todos sob tensão. Sua ação já é uma rotina conhecida por todos: atacam, roubam, incendiam casas e automóveis e, no final, matam a população civil. Se não for de maneira direta, é com balas perdidas.

Ao fim de fevereiro, os grupos criminosos assaltaram a zona de Delmas 30, e para lá voltaram a levar o luto quando um adolescente foi assassinado a tiros e seu corpo queimado. Para que as aves de rapina não terminassem o trabalho, um membro de sua família levou os restos sem vida do jovem para o cemitério em uma carretinha. Os habitantes denunciaram a inação dos serviços de emergência, inclusive dos paramédicos, que não quiseram intervir temendo por sua segurança.

Continua após o anúncio

Bebê atirado ao fogo

A sociedade haitiana também expressou sua consternação ao saber que membros de uma gangue queimaram um bebê diante dos olhos de sua mãe. De tanta tristeza, o coração dela falhou e morreu.

O fato aconteceu durante o cerco à comuna de Kenscoff, quando os bandidos investiram contra Eliana Thélémaque, e lhe ordenaram que lançasse seu filho em uma fogueira previamente acesa por eles mesmos. Como mãe, Thélémaque se negou, pois não tinha coragem para fazê-lo. Suplicou, mas eles não hesitaram em lhe arrebatar a criança dos braços e lançá-la às chamas.

Abuso sexual e recrutamento forçado: violência rouba infâncias no Haiti

O choque psicológico foi imediato: a jovem mãe perdeu a cabeça e começou a vagar sem rumo pelas ruas. Enquanto perambulava traumatizada, repetia sem cessar: “Ainda posso ouvir os gritos de meu bebê nas chamas. Teria preferido morrer”.

Thélémaque foi encontrada sem rumo e levada a uma delegacia de Pétion-Ville, onde recebeu atenção psicológica básica, mas a dor era demasiadamente grande, e durante a noite seu coração falhou e morreu.

Continua após o anúncio

Crianças, um grande alvo no Haiti

Em Christ-Roi, um bairro de Porto Príncipe, uma adolescente perdeu a vida depois de ser atingida no pescoço por uma bala perdida estando em sua casa. E assim vão se sucedendo os trágicos episódios da infância no Haiti.

Atrás de cada criança ou adolescente assassinada há uma vida destroçada, sonhos interrompidos e famílias mergulhadas no luto.

Assine nossa newsletter e receba este e outros conteúdos direto no seu e-mail.

Neste contexto, a organização não governamental (ONG) Save The Children informou que os ataques das gangues deixaram 289 crianças mortas ou feridas em 2024.

Continua após o anúncio

Os grupos armados foram responsáveis por uma média de 24 menores assassinados a cada mês, uma média superior a cinco por semana, um aumento de 68% em comparação com as 172 vítimas infantis em 2023.

A ONG — citada pelo diário Le Facteur Haiti — explicou que o número real de vítimas infantis é provavelmente muito maior, acrescentando que mais de uma em cada três crianças assassinadas nos últimos três meses de 2024 pertencia a grupos criminosos.

Chantal Sylvie, diretora de Save the Children no Haiti, lamentou que as crianças que vivem em zonas de conflito não possam ir à escola, brincar ao ar livre e caminhar pela rua livremente, pois há uma permanente ameaça a suas vidas.

Novo presidente temporário no Haiti: entenda os desafios de Fritz Alphonse Jean

Durante a noite — narrou Sylvie — não podem conciliar o sono devido à preocupação de que sua casa seja incendiada e volte a ser um deslocado. Todo este sofrimento afeta a saúde física e mental. A funcionária denunciou que as gangues recrutaram centenas de crianças, obrigando-as a saquear, sequestrar e até matar para poder sobreviver.

O recrutamento forçado por parte de gangues é uma tragédia que afeta as crianças haitianas, e só em 2024 aumentou 70%. Atualmente, a metade dos membros dos grupos armados é composta por crianças, algumas delas com pelo menos oito anos de idade. Muitos são incorporados à força, enquanto outros são servidos em bandeja de prata pela pobreza para que sejam transformados em máquinas de matar. As crianças são captadas por gangues que alimentam o sofrimento.

Outro flagelo que causa estragos no segmento mais vulnerável do Haiti foi denunciado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que qualificou de assombroso o incremento de fatos relacionados com a violência sexual contra as crianças. Elas sofrem horrores inimagináveis na mão das gangues, comentou a entidade, informando que a violência sexual aumentou 10 vezes entre 2023 e 2024.

Por sua vez, a Iniciativa Departamental contra o Tráfico Ilícito de Meninos e Meninas (Idette) revelou que em 2024 a cifra de violações chegou a 186, incluídos 173 menores de idade. A instituição manifestou preocupação com o aumento dos casos em Grand’Anse, onde os menores adetados constituem 93% das estatísticas.

Plano de ajuda ao Haiti recebe apenas 42% da ajuda financeira necessária

A Unicef acompanha de perto a situação e faz o necessário para garantir a continuidade dos serviços de prevenção e atenção em todos os níveis.

O Haiti está há muito tempo sob uma instabilidade política somada à pobreza e a uma crise sanitária, social e institucional. Há ainda as crescentes taxas de desnutrição, desastres e a violência armada que deixou mais de três milhões de crianças dependentes de ajuda humanitária, diz o organismo.

Quanto mais tempo persistir esta situação — alerta a Unicef — maior será o risco de que haja danos físicos e mentais irreversíveis para o bem-estar das crianças.

Prensa Latina, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Joel Michel Varona

LEIA tAMBÉM

Eleições Chile conheça nomes para sucessão de Boric e o que dizem as pesquisas (3)
Eleições no Chile: os nomes para sucessão de Boric e o que dizem as pesquisas
Combater narcotráfico Equador exige fim da pobreza e integração latino-americana
Fim da pobreza e integração regional: chaves contra o narcotráfico no Equador e na América Latina
Protestos no Peru revigoram força popular e desmontam manipulação da grande mídia
Protestos no Peru reafirmam unidade popular e desmontam farsa da grande mídia
Equador perda de direitos políticos não retira vice-presidência de Abad, afirma jurista
Equador: perda de direitos políticos não retira vice-presidência de Abad, afirma jurista