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Toggle* Atualizado em 28/03/2025, às 9h33.
A violência no Haiti, agudizada no último mês de fevereiro, atinge todos os segmentos da sociedade, e, pelo que parece, as crianças e adolescentes não poderão despertar do pesadelo que vivem na nação caribenha: 1,2 milhão de crianças vivem sob a ameaça constante da violência armada no país.
As gangues levam adiante uma ofensiva na capital e zonas próximas, controlando 80% da região já em 2024. Agora, têm sob seu poder 85%, um avanço gradual e muito perigoso que mantém todos sob tensão. Sua ação já é uma rotina conhecida por todos: atacam, roubam, incendiam casas e automóveis e, no final, matam a população civil. Se não for de maneira direta, é com balas perdidas.
Ao fim de fevereiro, os grupos criminosos assaltaram a zona de Delmas 30, e para lá voltaram a levar o luto quando um adolescente foi assassinado a tiros e seu corpo queimado. Para que as aves de rapina não terminassem o trabalho, um membro de sua família levou os restos sem vida do jovem para o cemitério em uma carretinha. Os habitantes denunciaram a inação dos serviços de emergência, inclusive dos paramédicos, que não quiseram intervir temendo por sua segurança.
Bebê atirado ao fogo
A sociedade haitiana também expressou sua consternação ao saber que membros de uma gangue queimaram um bebê diante dos olhos de sua mãe. De tanta tristeza, o coração dela falhou e morreu.
O fato aconteceu durante o cerco à comuna de Kenscoff, quando os bandidos investiram contra Eliana Thélémaque, e lhe ordenaram que lançasse seu filho em uma fogueira previamente acesa por eles mesmos. Como mãe, Thélémaque se negou, pois não tinha coragem para fazê-lo. Suplicou, mas eles não hesitaram em lhe arrebatar a criança dos braços e lançá-la às chamas.
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O choque psicológico foi imediato: a jovem mãe perdeu a cabeça e começou a vagar sem rumo pelas ruas. Enquanto perambulava traumatizada, repetia sem cessar: “Ainda posso ouvir os gritos de meu bebê nas chamas. Teria preferido morrer”.
Thélémaque foi encontrada sem rumo e levada a uma delegacia de Pétion-Ville, onde recebeu atenção psicológica básica, mas a dor era demasiadamente grande, e durante a noite seu coração falhou e morreu.
Crianças, um grande alvo no Haiti
Em Christ-Roi, um bairro de Porto Príncipe, uma adolescente perdeu a vida depois de ser atingida no pescoço por uma bala perdida estando em sua casa. E assim vão se sucedendo os trágicos episódios da infância no Haiti.
Atrás de cada criança ou adolescente assassinada há uma vida destroçada, sonhos interrompidos e famílias mergulhadas no luto.
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Neste contexto, a organização não governamental (ONG) Save The Children informou que os ataques das gangues deixaram 289 crianças mortas ou feridas em 2024.
Os grupos armados foram responsáveis por uma média de 24 menores assassinados a cada mês, uma média superior a cinco por semana, um aumento de 68% em comparação com as 172 vítimas infantis em 2023.
A ONG — citada pelo diário Le Facteur Haiti — explicou que o número real de vítimas infantis é provavelmente muito maior, acrescentando que mais de uma em cada três crianças assassinadas nos últimos três meses de 2024 pertencia a grupos criminosos.
Chantal Sylvie, diretora de Save the Children no Haiti, lamentou que as crianças que vivem em zonas de conflito não possam ir à escola, brincar ao ar livre e caminhar pela rua livremente, pois há uma permanente ameaça a suas vidas.
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Durante a noite — narrou Sylvie — não podem conciliar o sono devido à preocupação de que sua casa seja incendiada e volte a ser um deslocado. Todo este sofrimento afeta a saúde física e mental. A funcionária denunciou que as gangues recrutaram centenas de crianças, obrigando-as a saquear, sequestrar e até matar para poder sobreviver.
O recrutamento forçado por parte de gangues é uma tragédia que afeta as crianças haitianas, e só em 2024 aumentou 70%. Atualmente, a metade dos membros dos grupos armados é composta por crianças, algumas delas com pelo menos oito anos de idade. Muitos são incorporados à força, enquanto outros são servidos em bandeja de prata pela pobreza para que sejam transformados em máquinas de matar. As crianças são captadas por gangues que alimentam o sofrimento.
Outro flagelo que causa estragos no segmento mais vulnerável do Haiti foi denunciado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que qualificou de assombroso o incremento de fatos relacionados com a violência sexual contra as crianças. Elas sofrem horrores inimagináveis na mão das gangues, comentou a entidade, informando que a violência sexual aumentou 10 vezes entre 2023 e 2024.
Por sua vez, a Iniciativa Departamental contra o Tráfico Ilícito de Meninos e Meninas (Idette) revelou que em 2024 a cifra de violações chegou a 186, incluídos 173 menores de idade. A instituição manifestou preocupação com o aumento dos casos em Grand’Anse, onde os menores adetados constituem 93% das estatísticas.
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A Unicef acompanha de perto a situação e faz o necessário para garantir a continuidade dos serviços de prevenção e atenção em todos os níveis.
O Haiti está há muito tempo sob uma instabilidade política somada à pobreza e a uma crise sanitária, social e institucional. Há ainda as crescentes taxas de desnutrição, desastres e a violência armada que deixou mais de três milhões de crianças dependentes de ajuda humanitária, diz o organismo.
Quanto mais tempo persistir esta situação — alerta a Unicef — maior será o risco de que haja danos físicos e mentais irreversíveis para o bem-estar das crianças.
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