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Manifestações vão dominar Argentina para impedir "Brasil-2018" contra Cristina Kirchner

No Brasil de então, carente de resistência popular, Lula pagou com 580 dias de prisão em Curitiba, e o povo brasileiro com 4 anos de privações
Helena Iono
Diálogos do Sul
Buenos Aires

Tradução:

“Sem provas, mas com convicções”, juízes do TOF-2 na Argentina, condenam a 6 anos de prisão a vice-presidenta, Cristina Kirchner, com inabilitação perpétua a qualquer função pública. Uma aberração jurídica, mas um tiro político, do poder econômico concentrado, aninhado no Partido Judicial-Midiático, para perpetrar o tal do “golpe suave” e impedir a candidatura presidencial da líder peronista e popular mais elegível em 2023. Insistem, após a gravíssima e falida tentativa de um magnicídio, cuja investigação é suspeitosamente desviada e demorada por eles mesmos, juízes cúmplices dos mandantes políticos.

“Sem provas, e sem dúvidas”. Nada estranho diante de uma Corte Suprema de Justiça que está no banco dos réus de uma Comissão Política de Investigação na Câmara de Deputados. Nada estranho para quem, como no Brasil, viu a farsa do incompetente juiz Moro e do procurador Dallagnol, visibilizada pela TV Globo, com “power-points” e shows midiáticos, cegando o povo e dando o golpe fatal contra a candidatura de Lula em 2018, abrindo alas à indescritível gang nazi-mafiosa dos Bolsonaro no governo. Num Brasil de então, carente de resistência popular, Lula pagou com 580 dias de prisão em Curitiba, e o povo brasileiro com 4 anos de privações econômicas e retrocessos culturais e morais jamais vistos.

Argentina contra “in-Justiça”: Peronismo luta para impedir inabilitação de Cristina Kirchner

Mas, o Peronismo-Kirchnerista está disposto a lutar e impedir um Brasil-2018 na Argentina

Sob o emblema “Lute e Volte”, no dia 11 de março, realizou-se um encontro das alas kirchneristas mais representativas da Frente de Todos (Província de Buenos Aires) em Avellaneda, coincidindo com 40 anos dessa data em 1972, em que se elegeu o presidente peronista Héctor Câmpora, finalizando 18 anos do “Lute e Volte”, levado a cabo pelo movimento popular contra a proscrição e o exílio de Perón. Cerca de 20 mil manifestantes, organizados em 15 tendas brancas, sob um clima escaldante de 40 graus, militantes da La Cámpora (kirchnerista), do Peronismo Militante, Novo Encontro, do Pátria é o Outro, da Bancária (sindicatos), da CTA, prefeitos (FdT), funcionários, sobretudo do Governo da Província de Buenos Aires, se reuniram na Universidade Tecnológica Nacional de Avellaneda. Debateram-se vários temas políticos relacionados com a última sentença judicial contra Cristina Kirchner e o seu discurso na Universidade Viedma em Rio Negro.

A agenda foi organizar as lutas contra a condenação e proscrição da vice-presidenta Cristina Kirchner, e impulsionar a sua candidatura presidencial: Cristina 2023! “Não há peronismo sem Cristina”, disse o governador Axel Kicillof. “Se o povo quer Cristina, será Cristina.”

Máximo Kirchner, deputado nacional (FdT) e presidente do PJ (Partido Justicialista) da Província de Buenos Aires disse: “Há 50 anos houve alguns vivos que pensavam que se podia construir peronismo sem Perón e não se podia. Da mesma forma, hoje não se pode construir peronismo sem Cristina!”… “O nosso país não pode estar de joelhos, é preciso cuidá-lo. Não é possível que os dirigentes argentinos pensem que é preciso cuidar os sapatos andando de joelhos. É preciso colocar-se de pé e animar-se a brigar”. 

No Brasil de então, carente de resistência popular, Lula pagou com 580 dias de prisão em Curitiba, e o povo brasileiro com 4 anos de privações

Reprodução/Twitter
Agenda de mobilizações denominadas “clamor popular” em todo país contra a proscrição já adquire conotação eleitoral por iniciativa militante




A aula magistral de Cristina na Universidade Viedma no Rio Negro

Cristina Kirchner recebeu o título de doutora Honoris Causa da Universidade de Viedma na 5ª. Feira, 9 de março. Deu um discurso magistral onde rechaçou a sentença condenatória e a sua proscrição, como ápice de uma série de ameaças prévias: em março de 2022, o violento ataque de pedradas contra o seu escritório no Senado, com sua presença, quando se debatia na Câmara de Deputados o acordo com o FMI.

Depois, o atentado à porta da sua residência, com a pistola apontada na sua cabeça, no dia 1 de setembro. Cristina qualificou isso como um ato de “ruptura do pacto democrático”. Se referia ao pacto que Nestor Kirchner resgatou em 2003 e que foi constituído em 13 de outubro de 1983, consagrando o final da ditadura cívico-militar.

Ponto a ponto, Cristina Kirchner e defesa desmontam acusações em processo de lawfare

Agregou: “Na época de Nestor Kirchner, as decisões eram tomadas pelo presidente e no Congresso o oficialismo era orgulhosamente oficialista. Quando assumi, Argentina era um Estado democrático constitucional, onde cada um cumpria os papéis que devia cumprir. Enviou-se tudo ao parlamento: Recuperação das AFJP, Lei dos Meios de Comunicação, Recuperação da YPF e a soberania estratégica dos recursos naturais e hidrocarburos.

O Debate congressual, era sempre nos marcos da constituição e das leis”… “Tivemos 12,5 anos na Argentina e bons salários. Satélites, o programa “Raízes” para os cientistas, distribuição de 5 milhões de computadores para as crianças, construção do Subsídio Universal por Filhos”. (CFK)


Cristina prioriza a economia na pauta do debate eleitoral

“A pandemia foi terrível, e a guerra também, mas não há catástrofe mais grave para a Argentina que o endividamento produzido no governo (Macri) entre 2015/2019.”… “Nestor Kirchner além de reconstruir um Estado Democrático e Constitucional fez a restruturação da Dívida Soberana mais formidável da história, com quita de capital e juros, pagou ao FMI para que não pudesse interferir no desenvolvimento de políticas públicas nacionais.” (CFK) 


A revisão dos acordos com o FMI

“É parte também da responsabilidade institucional, a assinatura de acordos que terminam sendo inflacionários…Se numa economia bi-monetária tenho que ir rumo à desvalorização acima da inflação, com taxas de juros acima de tudo isso, eliminando todo tipo de subsídios às tarifas de serviços públicos” é um problema. … “Vai ser necessário também revisar as condições em que se firmou o acordo”. “Nós, os dirigentes políticos temos que estar unidos frente ao nosso principal desafio que é revisar o acordo com o FMI. Não para não pagar, mas para que nos deixem crescer.” (CFK)

A propósito de subsídios estatais às tarifas de energia, as ruas de Buenos Aires (capital) estão repletas de protestos de milhares de moradores vitimados pelo apagão contínuo de luz como produto da desídia de distribuidoras privadas como Edesur (de capital italiano).

Deixaram por dias, mais de 70 mil sem luz, lucraram com 3000% de aumento de tarifas na era Macri, não investiram na modernização das instalações, asseguraram seu capital no exterior, e se vão. A cidadania exige do governo a retirada urgente da concessão e a “estatização já!”. As distribuidoras de luz e gás passaram às mãos de empresas privadas por 100 anos no governo neo-liberal de Menen na década dos 90.


As travas de uma economia bi-monetária 

“Hoje, passados 40 anos de democracia, não somente estamos sem Estado democrático e constitucional, mas estamos também sem moeda. Isto é o que se denomina uma economia bi-monetária”… “Esta economia bi-monetária nos leva a esta Argentina com inflação. Diziam que quando se aumenta muito os salários, isso gera inflação. …Os salários não são causa de inflação, pois com o salário mais alto da América Latina (cerca de 500 dólares no governo de Cristina em 2015), tínhamos a inflação de 24%.”…. “Os que falam em déficit fiscal (para gastar menos) são os que têm ativos no exterior para evadir impostos” (CFK). 

Cristina mostra o engodo dos que falam que a inflação é devida ao déficit fiscal, ou seja, que déficit fiscal zero significa o fim da inflação. O FMI insiste nessa cláusula de que há que reduzir o déficit fiscal cortando gastos sociais do Estado. Rediscutir os termos do acordo com o FMI está na ordem do dia. Agrava-se a possibilidade de acumulação de Reservas pela gravidade da inesperada sequia no campo argentino, guerra e crise bancária mundial. Há que definir sem demoras a economia para quê e para quem. É só olhar a França em pé de guerra.

Atentado a Cristina Kirchner: ódio contra vice-presidenta e peronismo atinge nível extremo

Cristina alerta que por mais que a Argentina avance no desenvolvimento da produção e nos gasodutos em Vaca Muerta, e na extração das 80 mil toneladas de lítio no país, os dólares vão faltar e voar com esta economia bi-monetária. A possível moeda comum entre a Argentina e o Brasil, debatida na última CELAC, no encontro entre os respectivos ministros da Economia, Sérgio Massa e Fernando Haddad, pode ser uma boa saída econômica, através de acordos comerciais bilaterais independente do dólar. Diga-se de passagem, do dólar furado agravado pela quebra do Silicon Valley Bank nos EUA e a corrida de salvação em dominó iniciada por vários Bancos Centrais do mundo capitalista.

“O valor de uma moeda é dado pelo tamanho da economia do país que emite essa moeda”. … “O dólar é moeda padrão porque os EUA têm um par de porta-aviões.” … “Há que administrar o comércio exterior. Evitar festival de importações. Profunda reforma do Banco Central (BCRA) para que cumpra o seu papel de cuidar a moeda. O que é cuidar a moeda. O BCRA tem que cuidar da moeda; do tamanho da economia. O valor da moeda não é o nominal. É quando se converte em padrão de outras economias.” (CFK)


Hegemonia democrática ou consenso

“Durante 2003-2015 havia HEGEMONIA DEMOCRÁTICA: Um modelo de país, desendividamento, produção, industrialização. O parlamento funcionava plenamente. Não saiu nenhuma lei subornando a ninguém. Ninguém foi obrigado a votar. Depois veio outro partido que não pôde construir sua hegemonia democrática: com tarifaço, reforma previdenciária, FMI e um endividamento feroz. Então, quem veio depois, não pôde construir a hegemonia democrática. Porque há 2 formas de governar: ou por hegemonia democrática (num estado constitucional) ou por consenso, concordando as forças políticas, o modelo de país e onde vamos. Se não há hegemonia democrática, nem consenso, então, nada feito.” (CFK)

Até o momento, Cristina não sinalizou nenhuma decisão diferente da sua renúncia à candidatura presidencial, proferido em agosto de 2022, após a primeira sentença da causa Vialidad proferida pelo “pelotão de fuzilamento midiático-judicial”. Não obstante tantas ameaças, Cristina Kirchner, com coragem e altivez política, tem convocado os dirigentes da FdT e o próprio governo a aprofundar o debate e as ações econômicas no arco do prometido projeto de emancipação e soberania popular, relevando a gravidade do momento histórico. Faz um chamado a evitar a fragmentação política e se dispõe a viajar pelo país, ouvir, discutir, explanar como fez na Universidade em Rio Negro. Será oradora final no encontro do Grupo de Puebla no âmbito do próximo Fórum Internacional dos Direitos Humanos em Buenos Aires. Com a participação de Rafael Correa, Evo Morales, Zapatero, Ernesto Samper e outros, será dada a solidariedade à vice-presidenta diante do atentado de magnicídio. 

Enquanto isso, no documento final da militância da FdT em Avellaneda, Cristina é considerada “uma indiscutível garantia para a construção de um país com justiça social, independência econômica e soberania política”. “Este chamado deve ser um ponto de virada que dê início a um conjunto de ações por todo o país, em cada província, em cada distrito, em cada bairro, em cada casa, para conseguir, com a liderança do nosso povo, quebrar a proscrição”… “com a nova estratégia de guerra midiático-judicial-política, o neoliberalismo espreita mais uma vez sobre nossa América”. 

A agenda de mobilizações, denominadas “clamor popular” em todo o país contra a proscrição já adquire conotação eleitoral por iniciativa militante: “Volte e Lute! Cristina 2023!” Discursos como o de Hugo Yaski, deputado nacional (FdT) e dirigente da CTA nesse ato e na Comissão de Julgamento Político à Corte Suprema na Câmara de Deputados dão o tom qualitativo para as grandes futuras mobilizações de massas. A bandeira para derrubar a sua proscrição deverá flamar no próximo 24 de março, dia histórico da luta do povo argentino, das mães e avós de Praça de Maio, pela “Memória, Verdade e Justiça” em honra aos mais de 30 mil desaparecidos na ditadura cívico-militar. 

Helena Iono | Colaboradora da Diálogos do Sul em Buenos Aires.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Helena Iono Jornalista e produtora de TV, correspondente em Buenos Aires

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