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Marcha da hipocrisia

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Paulo Cannabrava Filho*

França vai à guerra?

Paulo Cannabrava Filho Dialogos do SulDepois da marcha da hipocrisia, protagonizada por mais de cinquenta chefes de estado, François Hollande decidiu enviar uma poderosa frota em direção ao oriente do Mediterrâneo.

Ao mesmo tempo informou que foram mobilizados em toda a França 100 mil homens. Dez mil tropas especiais já estavam ocupando Paris. O que é isso? França vai à guerra? Ou será que a França está em guerra. Contra quem, cara pálida?

Vai invadir o Estado Islâmico? Vai bombardear a Síria como fez com a Líbia? Ou será que vai bombardear a Jordânia e o Líbano? Ou será o Paquistão? Será o Sudão ou a Nigéria?

O Porta-aviões francês R-91 Charles de Gaulle
O Porta-aviões francês R-91 Charles de Gaulle

A frota é poderosa mesmo e capitaneada pelo porta-aviões R-91 Charles de Gaulle, escoltado por uma fragata de defesa com mísseis e canhões, um destróier anti-submarino, um navio de apoio (abastecimento) e um submarino atômico com 16 ogivas nucleares. O porta-aviões, de mais de 200 metros, leva dois esquadrões do caça Rafale num total de uns 40 entre aviões e helicópteros e tripulado por mais de dois mil soldados.

Parece incrível, mas, o próprio Obama, durante entrevista acompanhado do britânico Cameron, disse que a situação com relação ao mundo islâmico é grave, preocupante, mas o uso da violência, só, não resolve o problema.

Deve ter pensado que esse mundo islâmico abarca 1.600.000.000 – um bilhão e 600 milhões – de pessoas em dezenas de países tão importantes como a Índia, a Indonésia, em toda a região do Oriente Médio e Norte da África somam outros 317 milhões, diante de 344 milhões somente no Paquistão e na Índia. Existem 3.4 milhões nos Estados Unidos e 43.3 milhões na Europa. Isso significa que um em cada cem mil muçulmanos pode ser um jihadista, advertiu Roberto Sávio em matéria publicada pela Diálogos do Sul.

A marcha da hipocrisia foi pra que? para dizer que a Europa e Israel estão de acordo com esse tipo de resposta que pretendem dar? Resposta tão errada como a tem sido errada as respostas dos Estados Unidos desde os 11 de setembro. Sim plural, pois não podemos esquecer o 11 de setembro que bombardeou Santiago e ajudou a depor o governo democrático de Salvador Allende e após isso apoiar a ditadura de quase duas décadas de Pinochet. E a farsa em torno do outro 11 de setembro utilizada, com a invasão do Iraque, para iniciar a guerra ao Oriente Médio, guerra sem fim, estendida aos países asiáticos, envolvendo os países europeus.

Obama foi mais longe que essa advertência e aconselhou os europeus a integrar os muçulmanos social e culturalmente como nos Estados Unidos e arrematou dizendo que lá eles se sentem americanos. Eles quem, cara pálida?

Vergonha americana
Derrubarão o muro da vergonha para integrar o México
além da Alca?

Será verdade que os muçulmanos sentem-se cidadãos estadunidenses? e os chicanos, será que se sentem cidadãos estadunidenses? Derrubarão o muro da vergonha para integrar o México além da Alca? E os comunistas, têm sua cidadania respeitada? Os remanescentes dos povos originários, como os cherokee, por exemplos, são respeitados como gente?

A verdade é que boa parte da classe média estadunidense, aquela que Hollywood fez com que o mundo invejasse o way of life deve estar se perguntando: que país é este? Será mesmo necessária tanta guerra?

Onde está a liberdade?
Onde está o crédito fácil?
Onde está a saúde pública? e a escola pública?
O emprego ainda não acabou para quem tem, mas e para aqueles que ainda não ingressaram no mercado de trabalho?

Sobre a marcha da hipocrisia, ha que deixar claro que não são hipócritas os milhões de franceses que foram às ruas externar seu sentimento. Eles realmente prezam a liberdade de expressão. Foram porque são franceses e com razão sentiram-se agredidos. A emoção nessa hora ofusca à razão. Impõe-se o raciocínio fácil, a la Le Pen: fora os estrangeiros!!! Numa situação limite isso leva ao linchamento, a concordância com a violência e até conformismo com a perda da própria liberdade.

A hipocrisia estava estampada na cara e no gesto daqueles governantes que foram lá para posar para os fotógrafos e cinegrafistas de todo o mundo, ofensivamente, sob fortíssimo esquema de segurança, buscar justificativas para novas medidas de força contra a imigração, buscar apoio à nova cruzada contra os muçulmanos.

Governantes como por exemplo o terrorista israelense Binyamin Netanyahu. Que liberdade de expressão ele foi defender? Certamente não a dos palestinos. Nem dos Israelitas que se opõem à sua política expansionista belicista. Netanyahu se fez acompanhar do ministro da Economia, Natali Bennet, do partido Bait, aquele que em 2013 declarou “matei muitos árabes em minha vida. E não existe problema nenhum nisso”. E o jornal Walla.com, dos judeus ortodoxos que não admitem protagonismo de mulheres, simplesmente apagou da foto da marcha da hipocrisia as imagens da premier Angela Merkel e da francesa Anne Hidalgo, presidente da Câmara. Truques do Photoshop para mais hipocrisia.

O jornal walla.com, dos judeus ortodoxos que não admitem protagonismo de mulheres, simplesmente apagou da foto da marcha da hipocrisia as imagens da premier Angela Merkel e da francesa Anne Hidalgo, presidente da Câmara
O jornal walla.com, dos judeus ortodoxos que não admitem protagonismo de mulheres, simplesmente apagou da foto da marcha da hipocrisia as imagens da premier Angela Merkel e da francesa Anne Hidalgo, presidente da Câmara

Também marchou Mahamadou Issoufou, do Níger. A população de seu país respondeu dizendo que ele “insultou o profeta” e na raiva atacou umas tantas igrejas. O presidente do Gabão, Ali Bongo; o rei e a rainha da Jordânia, Abdullah e Rania, o premier húngaro Viktor Orban, o espanhol Mariano Rajoi, o egípcio Sameh Choukryou, o presidente turco Erdogan e o sírio Bashar al Assad, todos campeões mundiais de respeito à liberdade de expressão e de políticas inclusivas…. Obama não foi e mandou seu porta-voz, Josh Ernest afirmar que “crê ser justo dizer que deveríamos ter enviado a alguém com um perfil mais alto para estar ali”.

Inexplicavel a presença do palestino Mahmoud Abbas. Inexplicável.
Entre os países do Golfo dirigentes do Emiratos Árabes Unidos, Ramtane Lamamra y Cheikh Abdallah ben Zayed Al-Nahyane. E os sauditas? Nenhum jornal mencionou a presença de algum representante da monarquia da Arábia Saudita. O rei Abdullah deveria ter ocupado lugar de honra, ao lado de Netanyahu, os verdadeiros campões mundiais da repressão ao livre pensar, principalmente na discriminação das mulheres.

A monarquia saudita seguramente ficou para comemorar, escondidos do mundo, a onda de atentados desencadeada pelos radicais do islamismo. Afinal, o extremismo islâmico começou na Arábia Saudita, financiado e treinado pela monarquia e seus serviços de inteligência em associação com os serviços de inteligência dos Estados Unidos e da Inglaterra.

Realmente, tudo começou com a expansão do wahabismo e sua ofensiva contra os xiitas. Algo muito maior que uma mera disputa por hegemonia entre os grupos islâmicos. Tratava-se de combater a teocracia xiita do Irã. A revolução islâmica iraniana nacionalizou os poços de petróleo e desenvolve tecnologia nuclear.

Os talebans de Osama Bin Laden foram criação dos sauditas para combater a Rússia (hoje aliada do Irã e ameaçada de cerco estratégico pelo ocidente) no Afeganistão. Hizbollah, Hammas e Al Qaeda, são todas seitas radicais financiadas e treinadas pelos sauditas ou seus vizinhos do Golfo. O radicalismo islâmico desestabiliza governos e Estados por toda essa estratégica área dos poços e das rotas do combustível.

Antes dos sauditas, a grande escola de formação muçulmana era o Egito. Formavam teólogos e ímans de todo o mundo islâmico. A expressão mais concreta da escola egípcia ainda sobrevive na Irmandade Muçulmana, fundada por Hassan el Banna no início da década de 1930, com intenção de libertar a terra da dominação estrangeira. Hoje também o Egito está desestabilizado. A quem serve?

*Jornalista editor de Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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