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Marco temporal é "recado" da bancada ruralista ao STF, que analisa mesma pauta em junho

Edson Fachin, relator do caso, é contrário à pauta e reconhece que direito dos povos indígenas sobre suas terras um direito originário, anterior ao Estado
Redação Hora do Povo
Hora do Povo
São Paulo (SP)

Tradução:

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (30) o texto-base do projeto de lei Projeto de Lei (PL) 490/2007, que trata do Marco Temporal dificultando a demarcação de terras indígenas e abrindo a legislação para a degradação dos biomas brasileiros.

Foram 283 votos a favor da proposta, 155 contra e uma abstenção. O texto segue para o Senado. O projeto determina que somente poderão ser demarcadas as terras ocupadas por povos indígenas até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

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A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) sustenta que a adoção do Marco Temporal limita o acesso dos indígenas ao direito originário sobre suas terras e que há casos de povos que foram expulsos dos territórios algumas décadas antes da entrada em vigor da Constituição.

O texto da forma que está é rechaçado por representantes dos povos indígenas, pois o marco temporal ameaça a sobrevivência de muitas comunidades indígenas, de florestas e biomas brasileiros. O projeto permite a revisão de reservas já demarcadas e privilegia ruralistas em terras invadidas.

Edson Fachin, relator do caso, é contrário à pauta e reconhece que direito dos povos indígenas sobre suas terras  um direito originário, anterior ao Estado

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
Aprovação do projeto, em regime de urgência na Câmara, aconteceu em meio a protestos em São Paulo e no Distrito Federal




Projeto contra a vida indígena

Horas antes da votação, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, afirmou que a matéria “representa um genocídio legislado, porque vai afetar diretamente povos isolados”.

“Não é possível que este Congresso Nacional aprove hoje e faça com que este dia fique marcado para aqueles que aprovaram contra a vida dos povos indígenas no Brasil”, completou a ministra.

Parlamentares denunciaram os retrocessos do texto aprovado na Câmara – Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

“Absurdo o que estamos vivendo hoje no Parlamento. Uma sequência de inconstitucionalidades e violências. O PL 490 é um ataque brutal aos povos indígenas. E o PCdoB votou contra o Marco Temporal! Esse direito originário é cláusula pétrea da Constituição”, afirmou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Ministra Sonia Guajajara e a deputada Jandira Feghali – Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

“Hoje a Câmara dos Deputados vota a tese do marco temporal. O PL 490 é uma gravíssima ameaça aos direitos constitucionais dos povos indígenas, visa restringir a demarcação de Terras Indígenas e liberar a exploração de terras já demarcadas. Com o patrocínio dos ruralistas, o marco temporal abre brecha para a devastação ainda maior dos nossos biomas e ameaça a melhor chance do Brasil de contribuir com a contenção da crise climática”, denuncia a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

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“É internacionalmente reconhecido que as terras indígenas são as maiores responsáveis pelo cuidado do meio ambiente. Portanto, o marco temporal é uma ameaça para todo povo brasileiro. O marco temporal nega a nossa história e nosso direito originário. Nega nossa contribuição para a formação do Brasil, mas nossa história e nosso direito às terras, que hoje são chamadas de Brasil, é muito anterior ao ano de 1500″, ressalta a entidade em nota.


Protestos

A aprovação do projeto, em regime de urgência na Câmara, aconteceu em meio a protestos em São Paulo e no Distrito Federal.

Servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) realizaram, no início da tarde de hoje (30), uma vigília, em protesto contra o marco temporal para demarcação de terras indígenas.

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A manifestação foi articulada pelos Indigenistas Associados (INA), Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no Distrito Federal (Sindisep-DF) e outras entidades.

“Mobilizado há um ano, o movimento de servidores da Funai segue em luta por condições de trabalho e segurança para a reconstrução da política indigenista do Estado brasileiro. Enquanto isso, os povos indígenas enfrentam uma ofensiva ruralista no Congresso Nacional para impor uma série de alterações na tramitação da Medida Provisória 1.154/2023, que versa sobre a organização dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios, com o objetivo de enfraquecer as políticas socioambientais, retroceder o impulso à agricultura familiar e alterar competências relacionadas à demarcação das terras indígenas”, afirmaram os trabalhadores da Funai.

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Outra reivindicação dos servidores é a aprovação do plano de carreira do quadro da autarquia.

Indígenas bloquearam trecho da rodovia BR-463, em Ponta Porã, e do Anel Viário de Dourados, na manhã desta terça-feira protestando contra o Marco Temporal e em favor da demarcação de terras indígenas.

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Segundo o líder da Comunidade Indígena Boa Esperança, Edno Terena, “fizeram uma votação de emergência sobre a PL 490 e a gente, é claro, é totalmente contra isso. Vai de encontro a muitas coisas que não servem a população indígena de Mato Grosso do Sul e em nível nacional”.

A comunidade detém cerca de 10 mil indígenas, segundo ele, e está situada no município de Miranda. “O Marco Temporal fere muita coisa em relação aos povos originários do Brasil. A facilitação do desmatamento, a degradação da natureza e dos rios. Com certeza, somos totalmente contrários a esse PL e à tese do que será votada no STF (Supremo Tribunal Federal)”.

Protesto realizado na Rodovia dos Bandeirantes, em São Paulo – Foto: Reprodução

A rodovia dos Bandeirantes, na Zona Norte de São Paulo, foi bloqueada na manhã desta terça-feira (30) em um protesto dos indígenas Guarani Yvyrupa contra o Marco Temporal. O bloqueio ocorreu na altura do km 20 e foi realizado com barricadas de pneus em chamas, que foram montadas antes das 6h e interromperam totalmente o tráfego na rodovia. 

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Por volta das 9 horas, um caminhão da Tropa de Choque e oito viaturas da Polícia Militar de São Paulo foram acionados e com bombas de efeito moral e jatos d’água liberaram a via. Houve um princípio de confronto com os indígenas.

A matéria está em tramitação na Câmara desde 2007, mas teve sua análise acelerada após a aprovação de um requerimento de urgência na semana passada.


Atropelo ao STF

O objetivo de colocar o projeto em urgência agora é uma tentativa de mandar um recado ao Supremo Tribunal Federal e pressioná-lo, pois a Corte voltará a analisar em 7 de junho um caso relacionado ao Marco Temporal. Deputados que apoiaram o projeto alegam que a votação serve como uma “sinalização ao Supremo”.

“Tenho certeza que a sinalização da Câmara, aprovando esse projeto de lei, fará com que Supremo reflita e pelo menos paralise essa querela jurídica que está marcada para ser julgada em junho”, afirmou Arthur Maia (União-BA), autor do texto aprovado. “Estamos mandando a nossa mensagem ao Supremo, a de poder harmônico, mas altivo. Não podemos aceitar que outros Poderes invadam nossa prerrogativa”.

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O recado ao Supremo se tornou urgente para a bancada ruralista e seus aliados, pois o ministro Edson Fachin que é o relator do caso foi contrário ao marco temporal. Para ele, a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que os indígenas tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal e da configuração de renitente esbulho.

O ministro também afirmou que a Constituição reconhece que o direito dos povos indígenas sobre suas terras de ocupação tradicional é um direito originário, ou seja, anterior à própria formação do Estado.

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Fachin salientou que o procedimento demarcatório realizado pelo Estado não cria as terras indígenas – ele apenas as reconhece, já que a demarcação é um ato meramente declaratório.

Na segunda-feira (29), a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (Ministério Público Federal), órgão superior vinculado à PGR (Procuradoria-Geral da República), divulgou nota pública reafirmando a inconstitucionalidade do projeto.

“A Constituição garante aos povos indígenas direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sendo a tradicionalidade um elemento cultural da forma de ocupação do território e não um elemento temporal. Fixar um marco temporal que condicione a demarcação de terras indígenas pelo Estado brasileiro viola frontalmente o caráter originário dos direitos territoriais indígenas”, diz trecho da nota.


Senado rejeita discutir tema em urgência

Agora, o tema será debatido no Senado. O líder do Governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), disse que o marco temporal não tramitará em regime de urgência no Senado.

“De qualquer sorte, a grande conquista desta tarde foi a manifestação do Senado Federal de que essa matéria aqui terá a prudência necessária e o debate necessário, não terá a urgência para a votação. Isso ressoa para tranquilizar sobretudo os povos originários”, afirmou.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que a chegada do texto ao Senado será uma oportunidade para buscar consensos.

“Os personagens envolvidos nesse tema, as presidências das duas casas, o STF, os setores da sociedade civil que discutem, podem sentar-se à mesa para ter diálogo e identificar convergências. A votação na Câmara pode inaugurar essa fase de conciliação no curso do debate aqui no Senado Federal”, disse.

Maíra Campos | Hora do Povo


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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