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Benedito Tadeu César*
Como já se poderia antever, a campanha de Marina Silva começou a sofrer perdas. Não entre o seu eleitorado, que ainda está em êxtase com sua ascensão à cabeça de chapa e consequente candidatura à Presidência da República, mas entre seus apoiadores e nos partidos que a acolhem.
Messiânica, Marina Silva parece julgar-se escolhida por deus para ser candidata à Presidência da República e, quem sabe, se eleger. Ela parece acreditar que deus a teria escolhido, em prejuízo de Eduardo Campos. É o que se pode concluir de sua afirmação de que foi por “providência divina” que ela não embarcou no jato com Eduardo Campos na manhã fatídica que o vitimou. Mais do que ser presidenta da República, no entanto, posto ao qual será alçada ou não pela escolha dos eleitores, talvez Marina Silva devesse pensar na possibilidade de ter sido “predestinada” a se desentender e a provocar cisões nos partidos aos quais se filia.
Convicta de seu destino de condutora de pessoas mais puras politicamente, Marina Silva saiu do PT, depois de cerca de 30 anos de permanência, alegando que o partido se conspurcara no exercício do poder e que deixara de defender as bandeiras ecológicas pelas quais lutara. Para defender sua concepção política, filou-se ao PV, partido pelo qual concorreu à Presidência da República em 2010 e pelo qual obteve quase 20 milhões de votos. Passada a eleição, vendo-se preterida na disputa pela presidência da sigla, Marina Silva desligou-se do PV e dedicou-se à fundação da Rede Sustentabilidade, um anti-partido, que atuaria(ará) como rede e que, portanto, não teria(rá) direções ou lideranças fixas.
Era pela Rede Sustentabilidade que Marina Silva acreditava ser possível realizar seu destino político em 2014. Como o TSE inviabilizou este projeto, pois a Rede não conseguiu angariar o número necessário de assinaturas de apoio para assegurar seu registro, Marina Silva filiou-se ao PSB no último dia do prazo legal para se candidatar à Presidência da República, provocando desconforto em parcela considerável dos “sonháticos”, que vinham se dedicando à fundação do novo partido.
Com a morte de Eduardo Campos, Marina Silva voltou a ocupar o posto de candidata à Presidência da República, herdando o reconhecimento público que seu aliado possuía, conhecido pela capacidade de articular em torno de si posições bem diversas, como eram as suas próprias e as de Marina. Antes que os eleitores a se manifestem, confirmando ou não, pelo voto, a sina pela qual Marina Silva se julga ungida, torna-se importante analisar a trajetória partidária de Marina, na qual, ao contrário de seu antecessor, o que se destaca é mais a cizânia do que a tolerância e a capacidade de negociação.
No PV, a passagem de Marina Silva provocou rachas que não se fecharam até hoje, em virtude das imposições programáticas e de campanha que o partido e sua direção tiveram que aceitar durante sua estada. No PSB, a permanência de Marina Silva começa a provocar cisões que dificilmente serão superadas, em virtude das alterações programáticas e de campanha que ela começa a impor ao partido e sua direção. Carlos Siqueira, secretário-geral e militante histórico do PSB e homem de confiança de Eduardo Campos, desligou-se da função de coordenador geral da campanha alegando ter sido ofendido pela candidata. Saiu atirando, afirmando que Marina Silva “não representa o legado de Campos”.
Beto Albuquerque, que assumiu a candidatura de vice-presidente para exercer o papel de representante do PSB na chapa e também o de garantidor dos acordos partidários e programáticos já assumidos pela candidatura de Eduardo Campos, tentou apaziguar os ânimos, afirmando que “tudo não passou de um mal entendido”. Papel que, parece, ele terá que desempenhar com denodo e muita frequência, já que Marina Silva não deu sinais, até aqui, de ter desistido de se transferir para a Rede tão logo ela tenha sido fundada, nem de desistir dos vetos e restrições que já exercera na campanha e nos acordos firmados por seu antecessor.
Hóspede do PSB, Marina Silva não se considera obrigada aos acordos firmados por Eduardo Campos, já que sua condição de candidata à Presidência da República teria sido resultado de uma conjuntura muito especial, quase divina, da qual não pretende abrir mão. No papel de escudeiro de Marina Silva, Beto Albuquerque será exposto aos leões. De bom moço, como sempre foi tratado pela mídia, já passou a ser acusado de vilão: teria recebido doações de empresas de armamento para financiar suas campanhas à Câmara Federal e, depois de eleito, teria se tornado defensor no Congresso Nacional da Monsanto e de suas sementes transgênicas, em frontal contradição com as posições assumidas até aqui por Marina Silva, o que o colocaria na alça de mira de sua própria companheira de chapa.
Convicta de sua missão, Marina Silva não se incomoda, ao que parece, de se indispor com seus pares. A certeza de seus objetivos a absolve de antemão em quaisquer confrontos e reveste de uma áurea de superioridade seu afastamento dos “impuros”. Esta postura lhe garantiu votos em 2010 e, com certeza, garantirá a adesão de parcela significativa do eleitorado em 2014. Seus eleitores, desiludidos da política e dos políticos, pelos vícios oriundos do sistema eleitoral e partidário brasileiro e pela ação contínua da grande mídia de desprezar a política durante anos, tenderão a vê-la como a emissária da “boa política”, aquela cuja missão será a de resgatar a moral pública e de promover o ingresso do país no caminho “do bem”.
O isolamento de Marina Silva, que se considera diferente e acima das demais forças políticas, sua estrutura partidária fraca, a exiguidade dos partidos que integram sua coligação, a dubiedade de suas propostas, a escassez de quadros técnicos em sua equipe e até mesmo o reduzido tempo de que ela dispõe para a propaganda de rádio e TV talvez não sejam empecilhos para sua arrancada rumo à Presidência da República. Os problemas surgirão, realmente com força, caso ela consiga vencer Aécio Neves e Dilma Rousseff e cumprir o desígnio ao qual ela se julga predestinada. Se não fizer acordos e se não flexibilizar posições, talvez acabe como Collor de Mello ou até como João Goulart, se os fizer, talvez tenha que governar como um arremedo de Lula da Silva e Dilma Rousseff, tendo que desistir de se tornar a “grande renovadora” da política brasileira.
*Cientista político e colaborador da Diálogos do Sul
Original publicado no Sul21.