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Matrimônio Gay contradiz as aparências

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

matrimonio_gay_homosexual_uruguay_Mario Queiroz*

O matrimônio entre pessoas do mesmo sexo tem contrariado a crença generalizada de uma França berço do conceito republicano moderno e promotor dos direitos cidadãos igualitários desde a Revolução de 1789, enquanto o pacato Portugal se está revelando muito mais aberto e transigente.

A violência da reação de vastos setores da sociedade francesa diante da aprovação pelo parlamento dia 23 de abril e a promulgação em 18 de maio da lei que autoriza o matrimônio homossexual deixou perplexo a muitos, habituados a considerar esse país como uma espécie de porto seguro de tolerância.

Até avançadas horas da noite do domingo 25 de maio se registraram atos de violência e enfrentamentos entre policiais e manifestantes, muitos deles membros de diversas organizações católicas tradicionalistas que vêm nestas uniões um atentado contra a natureza das famílias.

Não obstante, a temperatura baixou e na quarta-feira, dia 29, na meridional cidade de Montpelllier, foi realizado sem incidentes o primeiro matrimônio francês entre dois homens, cerimônia rodeada por umas 500 pessoas festejando, 140 jornalistas e cinco manifestantes opositores de extrema direita, facilmente neutralizados por uma centena de policiais.

No primeiro plano dos debates em oposição ao matrimônio gay apareceram figuras proeminentes da igreja católica, tais como o arcebispo de Paris, cardeal André Vingt-Trois, e o bispo da diocese de Bayona, Lescar y Oloron, Marc Aillet.

Por outro lado, o também católico Portugal, ao ser votada a lei de casamento gay em 2010, o patriarca de Lisboa, cardeal José da Cruz Policarpo, manteve um cauto silêncio em respeito a condição de estado laico estipulada na constituição.

E Portugal deu um passo a mais. Por proposta da esquerda, mas com o apoio de vários deputados de direita, o parlamento português aprovou, em 17 de maio, uma norma que autoriza os casais do mesmo sexo a adotar meninas ou meninos conjuntamente.

Consultado sobre esta aparente contradição, Rui Tavares, deputado português dod Partido Verde no Parlamento Europeu, explicou que “França é um país conservador, porém a maioria dos estrangeiros não creem nisso porque conhecem somente momentos tais como a Revolução de 1789, a Liberation (resistência à ocupação alemã 1940-1945) e (o movimento estudantil de) maio de 1968”.

Tavares acrescentou que estes fatos históricos foram exceções à regra e que, desde 1945, “França só elegeu dois presidentes de esquerda, Franóis Mitterrand (no período 1981-1995) e François Hollande (na atualidade)”.

“Os demais foram todos mandatários conservadores: Charles De Gaulle, Georges Pompidou, Valery Giscard d’Estaign, Jacques Chirac, Nicolas Sarkozy e até conseguiu levar para o segundo turno (o líder da extrema direita, Jean-Marie) Le Pen nas eleições presidenciais de 2002”.

“Que grande primeira república europeia, uma França que mantém paradoxalmente muitos aspectos aristocráticos e monárquicos, um país com estruturas muito mais hierárquicas e autoritárias que Portugal e que conservou enormes bolsões de catolicismo reacionário e retrógrado, que estava escondido durante a Liberation, reapareceu com a guerra da Argélia e estão muito organizados!”, descreveu ironicamente.

Entretanto, em Portugal “não há extrema direita nem salazaristas organizados”, en alusão a Antônio de Oliveira Salazar (1889-1970), fundados e líder do “Estado Novo”, a ditadura corporativista fundada em 1933 e derrubada em 1974 pela Revolução dos Cravos dos capitães esquerdistas do exército.

“Este país tem se liberalizado, urbanizado e modernizado muito nos últimos 30 anos e a maioria da população se identifica com essas mudanças que melhoraram suas vidas e agora é mais aberta e plural”, assinalou.

Apesar disso, “a homofobia é um fenômeno que em Portugal continua presente e se manifesta através da linguagem ou atitude, ainda que é mais extenso que intenso, e muitos optam por uma atitude de não ingerência na vida dos demais, inclusive nos aspectos que possam se considerados objetáveis”.

“Em geral, os portugueses não têm atitudes absolutistas sobre qualquer coisa” asseverou Tavares.

Em Portugal, “os laços familiares são fortes e se converteram em um argumento a favor do casamento gay”, afirmou para logo relatar uma vivencia pessoal: “minha mãe de 80 anos me telefonou para dizer-se que a partir de agora tinha passado a ser favorável ao casamento gay, depois de ter escutado de um homossexual o quanto agradaria sua mãe se ele se casasse”.

Na França, “as distâncias são maiores, até entre parentes diretos, de maneira que a oposição a este tipo de união parece ser um assunto mais racional e justificado com um discurso de valores e não pela experiência do afeto familiar”, concluiu o parlamentar europeu

O escritor e jornalista Fernando Fernández, por sua vez, declarou que “o espetacular das manifestações nesse país contra a lei que legaliza o matrimônio entre pessoas de um mesmo sexo é que pode parecer um contrassenso numa sociedade que tem diante do mundo uma imagem de tolerância, aberta e liberal”.

“É verdade que a sociedade farancesa pode parecer liberar quando se olha desde a perspectiva de outras que tem em sua essência uma profunda marca da igreja católica, como pode ser a espanhola ou a polaca”, explicou Fernández.

“Porém, ocorre que, além desta característica, a sociedade francesa está seguramente muito mais determinada pelo que considera seus valores e não aceita o fato de que existam homossexuais iguais em deveres e direitos” aos heterossexuais, concluiu.

Emília, uma lésbica portuguesa de 29 anos, aceitou falar sob a condição de não revelar seu sobrenome, “porque sou das poucas afortunadas que tenho trabalho, num país onde há muitos chefes homofóbicos e o desemprego entre os jovens esta em torno de 50 por cento”.

“Claro que há diferenças substanciais entre Portugal e França, onde uma boda entre pessoas do mesmo sexo tem que ser celebrada sob forte proteção policial, o que denota o grau de estupidez e primitivismo a que chegaram alguns franceses”, disse.

Não obstante opinou que não se deve idealizar Portugal.

“É certo que as leis sobre matrimônio homossexual e a adoção são das mais avançadas do mundo, porém também é verdade que não temos a vida fácil, especialmente com relação a igualdade de oportunidades, pois existe um rechaço por parte de pessoas com uma moral muito conservadora e que ocupam altos cargos em empresas e instituições”, concluiu.

*IPS de Lisboa para Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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