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Maurice Bishop: o revolucionário de Granada traído por aliados e alvo da fúria dos EUA

Granadino liderou a Revolução do Povo, definida por seus combatentes como democrática, anti-oligárquica e anti-imperialista
Zeus Naya
Prensa Latina
Havana

Tradução:

O assassinato em 1983 do então primeiro-ministro de Granada, Maurice Bishop, e a destruição de sua Revolução Popular, foram um duro golpe para os projetos emancipadores da região da América Latina e do Caribe.

O jovem político e advogado, junto a dirigentes desta ilha caribenha, encabeçaram primeiro um processo de oposição à ditadura militar de Eric Gairy (1967-1979) por meio do chamado Movimento da Nova Joia (NJM, na sigla em inglês).

“Esta força surgiu em 1973 da fusão de duas organizações”, explicou em entrevista exclusiva para Escáner Otto Marrero, durante 10 anos chefe da seção América do Departamento de Relações Internacionais do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba.

Integraram o Movimento de Assembleias do Povo (MAP), liderado pelo próprio Bishop, e o Esforço Conjunto pelo Bem estar, a Educação e a Libertação (Jewel, palavra inglesa que significa “joia”), de Unison Whiteman, lembrou.

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Operários e camponeses, uma pequena burguesia de professores, bancários e trabalhadores da saúde formaram a base do agrupamento que em pouco tempo obteve influência sindical, assim como três cadeiras de 15, no Parlamento, explicou.

Granada era um lugar praticamente desconhecido; pediram-me uma análise e concluimos que ali se gestava um movimento contra a continuidade de Gairy, contou o membro da Cátedra de Estudos do Caribe “Norman Girvan” da Universidade de Havana.

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Gairy buscava adiantar as eleições gerais e mudar a constituição, enquanto lhe atribuíam 27 mortes, algo grande no Caribe, entre elas a do pai de Bishop durante uma manifestação antigovernamental, explicou.

“Mas dias antes de 13 de março de 1979, soube-se que Gairy viajaria ao exterior para uma sessão das Nações Unidas tendo deixado instruções, não duvido, para que fosse eliminada fisicamente a principal figura opositora”, acrescentou o advogado.

Bishop e militantes do NJM formaram um grupo de aproximadamente 50 homens com armas e fuzis de baixa qualidade para atacar o quartel True Blue, sede da polícia e das forças armadas, relatou Marrero.

A ação teve êxito, com uma única morte e um ferido do lado dos soldados; tomaram também a estação de rádio, a chefatura do Estado, algo que o Comandante em Chefe da Revolução cubana, Fidel Castro, denominou um Moncada Vitorioso, observou Marrero.


Esperança de justiça para a região

A chamada Revolução do Povo definiu-se em suas tarefas imediatas como democrática, anti-oligárquica e anti-imperialista, mas logo (e sobretudo a partir de 1981) começou a desenvolver uma política nacionalista e socializante, expôs o sociólogo argentino Lautaro Rivera.

Entre a série de ações do Executivo – continuou – destacam-se a reforma agrária, a reconstrução do sistema educativo, bolsas para famílias pobres, gratuidade do atendimento à saúde, licença maternidade, o primeiro seguro social da história e aumento do salário.

Granadino liderou a Revolução do Povo, definida por seus combatentes como democrática, anti-oligárquica e anti-imperialista

Reprodução
Bishop foi um homem extraordinário, muito hábil, grande comunicador e, orador estelar, falava às massas

Desde o início, Bishop pediu ajuda a Cuba em todos os sentidos, afirmou Marrero, que viajou várias vezes a Granada e dialogou tanto em Havana como em Saint George com os mais altos cargos da Nova Joia.

Colaboramos em muitas coisas, mandamos 15 médicos imediatamente, três estomatólogos, alfabetizadores, compramos cinco mil toneladas de noz moscada, relatou.

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Construíram estradas e iniciaram um novo aeroporto internacional para fomentar o turismo, acrescentou para esta seção de Prensa Latina, o então jornalista do diário Granma, Antonio Paneque.

O governo estadunidense promoveu a matriz de opinião (hoje fake news) de que o aeródromo serviria de ponto de apoio para os aviões militares soviéticos no contexto da Guerra Fria, lembrou o repórter, cujo trabalho foi realizado em Granada no princípio de 1983.

“A Revolução propiciou mudanças interessantes” quanto aos vínculos históricos do país anglosaxão e sua política exterior, declarou o jurista Peter Davis, atual ministro da pasta de relações internacionais.

Rapidamente estendeu os vínculos, que antes de 1979 eram limitados pelas demandas de vários territórios, principalmente Reino Unido, Canadá e os Estados Unidos, afirmou.


Um problema de hegemonia

Aparte as aproximações com Cuba, Bishop estreitou laços com a desaparecida União de Repúblicas Socialistas Soviéticas, com a Nicarágua, com as Repúblicas Popular Democrática da Coreia e Cooperativa da Guiana, entre outras, disse Marrero.

A nova direita estadunidense, apoiada em um discurso belicista, considerou a revolução granadina como um problema de hegemonia na região e um avanço do comunismo internacional, acrescentou o pesquisador espanhol José Pérez.

Para ela era necessário abortar o projeto, razão pela qual negou empréstimos e pressionou organismos internacionais a fim de estrangular a frágil economia, ao mesmo tempo em que empreendia uma campanha de desprestígio de seus dirigentes, afirmou o doutor em Ciência Política.

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O próprio Bishop denunciou que, entre outras ações, Washington preparava uma agressão, pois a ensaiou secretamente na ilha portorriquenha de Vieques com o nome de ‘Plano Pirâmide’, escreveu o jornalista desta agência Jorge Luna.

O chefe do Executivo granadino criticou em incisivas mensagens o então presidente estadunidense (1981-1989), Ronald Reagan, e a hostilidade da Casa Branca.

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Um informe confidencial do Departamento de Estado da nação norte-americana qualificou a incipiente revolução como ainda mais ameaçadora que a cubana ou a sandinista, dado que seus líderes falavam inglês.

Isso porque, segundo o texto, podiam relacionar-se diretamente com o povo estadunidense, já que eram negros e podiam identificar-se e ser identificados pela comunidade afrodescendente.


Divisão e magnicídio

Bishop foi um homem extraordinário, muito hábil, grande comunicador, orador estelar, falava às massas, caia bem, sempre dado ao consenso, amigo de seus amigos, adorava Fidel Castro, como todos os dirigentes que o conheceram, acentuou Marrero.

Seu amigo desde os 12 anos Bernard Coard, vice-primeiro-ministro no governo revolucionário, em troca, era de extrema esquerda, pouco dado a concessões, tudo isso matizado por sua ambição pessoal, informou o analista.

Em junho de 1983 reuniu-se o Comitê Central do NJM, integrado por 17 membros, e este último com seu grupo repreendeu o líder pela lentidão em suas medidas, acusando-o de pequeno burguês e de desorganização em seu trabalho, evocou.

Apesar das conquistas sociais, esta microfacção de uma forma ou outra começou a conspirar para eliminar Bishop, disse Marrero, que descartou que naquele momento esta informação tivesse vindo a público.

Os desentendimentos em uma direção compartilhada alcançaram sua máxima expressão quando em 13 de outubro de 1983 realizou-se um golpe de Estado promovido pelo chefe do Exército, general Hudson Austin, com a anuência de Coard, lembrou Marrero.

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Depois de seis dias de confusão, Bishop, de 39 años, e 15 companheiros seus, cinco de seu próprio gabinete, inclusive sua esposa, ministra da Educação, Jacqueline Creft, foram executados, relatou.

A Agência Central de Inteligência (CIA) já estava infiltrada no executivo, no partido, nas forças armadas e nas organizações populares, asseguraram depois George Louison (titular da Agricultura), Don Rojas (secretário de imprensa) e Kenrick Radix (procurador geral).

O fator fundamental foi a divisão interna, “houve elementos revolucionários que assumiram posições de extrema esquerda e danificaram o processo”, avaliou Marrero.


Intervenção ilegal depois do crime

Desde 15 de outubro de 1983, Washington planejava uma ação militar chamada “Fúria Urgente”, que concretizou com o apoio simbólico de tropas da Jamaica, Barbados e outros membros da Organização dos Estados do Caribe Oriental.

Em 25 de outubro de 1983, com aviões e helicópteros, 7.300 marines e paraquedistas invadiram a cidade pelo aeroporto em construção na capital, segundo revelaram estudos.

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O pretexto deles era proteger as vidas dos cidadãos do país do norte que estudavam medicina na ilha, confirmou Marrero.

De 784 cooperantes, os combates provocaram a morte de 71 granadinos, 18 estadunidenses e 24 cubanos, além de 538 feridos de ambos os lados, de acordo com documentos oficiais.

Foi uma invasão cínica, infame, um abuso contra um país pequeno e pobre, opinou o ex-funcionário cubano.

Em um discurso em 14 de novembro de 1983, disse Fidel Castro: “O governo imperialista dos Estados Unidos quiz matar o símbolo que significava a revolução granadina, mas o símbolo já estava morto”.


Legado

Durante a cerimônia de inauguração do aeroporto internacional de Saint George em 2009, o primeiro-ministro da República Dominicana, Roosevelt Skerrit, contou que ainda estava na escola primária quando Bishop chegou ao poder.

No entanto, disse, ainda se lembrava do papel fundamental desempenhado pelo carismático líder em favor de ajuda para Roseau depois da devastação causada pelo furacão David, em agosto de 1979.

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Skerrit admitiu que leu muitos de seus discursos e instou os jovens de toda a região a fazer o mesmo.

O chefe de governo de São Vicente e Granadinas, Ralph Gonsalves, interveio no ato e chamou Bishop de um dos melhores filhos do Caribe, encarnação da luta contra o colonialismo.

Creio nos países pequenos, em suas possibilidades de ocupar um lugar neste mundo de gigantismos, de grandes magnitudes em luta, confessou em outra ocasião o intelectual martiniquês Édouard Glissant.

Em outubro de 1984 o então presidente de Burkina Faso , Thomas Sankara, durante sua visita ao bairro novaiorquino do Harlem previa uma intervenção nas Nações Unidas, e antecipou uma recomendação para o futuro.

Ao lamentar o horrível crime cometido em Granada, o mandatário africano, que curiosamente foi assassinado depois, afirmou: “No ano passado estive com ele e trocamos conselhos; se não quisermos que sejam assassinados outros Maurice Bishop, temos que lutar contra o imperialismo”.

Amelia Roque | Editora Especiales Prensa Latina, Deisy Francis Mexidor Jefa Redacción Norteamérica, Richard RuizPeriodista Prensa Latina e Laura EsquivelEditora Web Prensa Latina.
Tradução: Ana Corbisier


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