Neta do educador Paulo Freire, e filha do professor e economista Ladislau Dowbor e da educadora Fátima Freire demonstra, em carta, sua perplexidade e indignação diante da ofensiva do novo governo contra tudo o que se inovou e avançou em educação em todo o mundo.
Realmente, ao regressar às Cartilhas de Alfabetização do século 19, erradicar o marxismo das escolas e universidades, sem que se saiba o que é para eles o marxismo, é um retrocesso tão grande como o retorno ao Criacionismo Bíblico dos neopentecostais, presente na maioria dos discursos dos que compõem o novo governo presidido pelo capitão Jair Bolsonaro, declaradamente fiel al neopentecostalismo.
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Instituto Paulo Freire
Umas horas depois de haver assumido Jair Bolsonaro, eu sinto raiva. Muita raiva. Me dói ver um presidente que não vai representar nem defender os direitos de um povo, mas que foi eleito democraticamente em uma eleição que se insere em um quadro mais amplo, de uma onda conservadora que está varrendo o país, as Américas e inclusive a Europa.
Bolsonaro propôs entrar com um “lança-chamas” no ministério de Educação para erradicar até o último vestígio do que meu avô nos deixou. Quer anular o pensamento crítico e o trabalho grupal. A crise educativa no Brasil é um projeto político: uma educação de qualidade, consciente e libertadora seria uma grande ameaça para a classe dominante de um dos países mais desiguais do mundo.
O ensino público vem, desde o aprofundamento do neoliberalismo com o golpe do Temer em 2016, passando por um processo de desmontagem, que se aprofundará mais com Bolsonaro no poder: suas propostas não são conexas, claras ou estruturadas. O que se pode entender de suas declarações é que encara esta área tão fundamental para o desenvolvimento da sociedade como mais uma mercadoria em sua lógica privatizadora.
O novo presidente apoia a Base Nacional Curricular Comum, que propõe que só as áreas de língua e matemática sejam obrigatórias nos currículos, desvalorizando as ciências naturais, humanas e sociais. Além disso, promulga a censura aos professores através do Projeto de Lei Escola sem Partido, que fala em erradicar a “doutrinação ideológica”; quer ampliar a educação a distância a partir dos seis anos, devido a que membros de seu ministério são empresários nesse setor; e busca cobrar mensalidades nas universidades públicas.
Mas isso não é tudo; também apoia a lei que congela os gastos em educação e saúde pelos próximos vinte anos! Definitivamente, a educação é o fiel reflexo de um projeto neoliberal que se radicalizará em nosso país.
Me invade a alma tamanha injustiça, quando vejo que desprestigiam o legado de Paulo Freire. Com a ajuda dos meios de comunicação dominantes, e inclusive de fake news, foi construída uma campanha baseada em emoções, e não na racionalidade, mantendo a narrativa falsa de que o Partido dos Trabalhadores (PT) foi o partido mais corrupto. “Uma mentira repetida mil vezes se torna verdade”, assegurava uma máxima da estratégia de comunicação do nazismo.
Com a sua subida ao poder, chegam para ocupar cargos políticos pessoas que apoiam um discurso totalitário e afirmam que “o erro de nossa ditadura militar foi ter torturado em vez de matar mais pessoas”. É temível nosso futuro! Sinto uma imensa angústia, por mim e pelo resto de minhas irmãs e irmãos.
A partir das práticas educativas populares poderemos nos compreender, aumentando nossa capacidade de transformação, ocupando os espaços políticos, reivindicando debates e combatendo os retrocessos institucionais de nossa política; lutando nas escolas, nas periferias, partindo do afeto, construindo caminhos até conseguir a liberdade, essa que tanto incomoda a eles.
Hoje, mais do que nunca, a educação popular é fundamental para gerar um ser coletivo, porque como bem dizia meu avô “se a educação não é libertadora, o sonho do oprimido será se converter em opressor”. Não fiquemos adormecidos, embora nos anestesie a televisão… O povo brasileiro na rua será o nosso motor!