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Como o desmonte de órgãos ambientais tem relação direta com o fogo nas florestas

Governo sabia que seca seria pior este ano, mas ainda assim cortou recursos
Vinícius Segalla
Brasil de Fato
São Paulo (SP)

Tradução:

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem na ponta da língua a resposta sobre quem são os responsáveis pelos incêndios fora de qualquer controle em variados biomas brasileiros, como a Amazônia e o Pantanal. A culpa, claro, é do PT. É isso mesmo. Foi o que disse o ministro no último final de semana, em conversa divulgada pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em suas redes sociais. Segundo ele, “a ideologização” do tema posta em prática pelo PT fez com não fosse possível realizar “queimadas preventivas” neste ano, o que levou à situação de descalabro atual.

Para além do delírio bolsonarista, a verdade é que as chamas, que já consumiram, entre outros biomas, 25% do Pantanal, têm pai, mãe, nome e sobrenome. E certamente não é o do Partido dos Trabalhadores.

Os motivos claros e identificados por especialistas são o desmonte por que passaram os órgãos federais de defesa ambiental (ICMBio e Ibama), a inação das autoridades diante de uma tragédia anunciada e a falta de capacitação de pessoal treinado para combater o fogo. Veja, abaixo, como cada um desses fatores contribuiu para a situação em que se encontram as maiores reservas naturais do Brasil.

Governo sabia que seca seria pior este ano, mas ainda assim cortou recursos

Reprodução: pxhere
O Brasil arde

1 – O desmonte do Ibama e a militarização do ICMBio

Os dois maiores órgãos de fiscalização ambiental do país, o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), foram alvo de uma reestruturação devastadora já na chegada do ministro Ricardo Salles no governo, no início de 2019. Ele adotou um alinhamento completo a reivindicações e ideias do agronegócio.

Sem antes se importar em conhecer a equipe que assumia, Ricardo Salles exonerou 21, dos 27 superintendentes do Ibama. Dois meses depois, foi exonerado José Olímpio Augusto Morelli, servidor do Ibama que havia cumprido a lei e multado o então deputado Jair Bolsonaro por pescar em uma unidade de conservação de proteção integral em Angra dos Reis (RJ).

Cinco meses após o início da gestão, o próprio governo anunciou, em um misto de orgulho mórbido e cinismo, uma redução de 34% do número de multas aplicadas por desmatamento ilegal no país. As consequências não tardaram: como todos lembram, as chamas que consumiram parte da Amazônia em 2019 tornaram o Brasil alvo de espanto e censura no mundo inteiro.

Em maio deste ano, foi a vez do ICMBio. A reestruturação do órgão que cuida das unidades de conservação e dos centros de pesquisas teve suas 11  coordenações regionais simplesmente fechadas. Agora, existe apenas uma gerência para cada região do país. Na região Norte, por exemplo, sobrou somente uma das quatro coordenações existentes anteriormente, para atender 130 unidades de conservação. Pense.

Os chefes dessas gerências regionais são todos militares, e junto com eles trouxeram equipes prontas e montadas, que substituíram os profissionais de carreira, desalojando-os de suas funções e em alguns casos até mesmo do próprio local de trabalho. É que o decreto de reestruturação da autarquia transformou cargos antes ocupados exclusivamente por servidores de carreira em postos de livre provimento. Só da Polícia Militar de São Paulo, quatro oficiais foram nomeados para cargos de coordenação. Calcule.

Entra a farda, sai a transparência. O Brasil de Fato perguntou à ambientalista francesa Alice Thuault, diretora adjunta do Instituto Centro de Vida (ICV), de Mato grosso, se ela acha que o Brasil está enfrentando como deveria ao desastre ambiental. “É difícil fazer uma avaliação aprofundada das medidas que vêm sendo tomadas porque, na realidade, não se tem medidas sistematizadas e disponibilizadas de forma transparente.” 

“Temos acesso a essas medidas só através de entrevistas esparsas. Não existe um documento, ou uma contagem e publicação dos dados e da situação, para saber o que o Estado está fazendo.”

2 – A  inação das autoridades diante de uma tragédia anunciada

Quando a Floresta Amazônica ardeu na temporada mais seca do ano passado, ambientalistas, universidades e organizações não governamentais avisaram: a previsão para o ano que vem é de uma estação seca ainda mais rigorosa. Se nada for feito, as consequências serão catastróficas. O governo federal achou por bem, então, fazer pior do que nada: o ano terminou com o ministro Salles deixando de executar R$ 3,3 bilhões do orçamento da sua pasta, nada menos do que 39% do total. 

“A situação que estamos vivendo já estava escrita. O Inpe e a Nasa (institutos aeroespaciais de Brasil e EUA) já tinham informado que teríamos uma estação atipicamente mais seca neste ano. Já vínhamos de uma situação similar com os incêndios de 2019 na Amazônia, lamenta a ambientalista.

3 – A falta de preparo, pessoal e equipamento

Assim, com as máquinas e as entidades oficiais de preservação em frangalhos, o Brasil enfrenta a tragédia. No Estado de Mato Grosso, por exemplo, somando os brigadistas que combatem o fogo sob o comando de instituições federais e estaduais, não se ultrapassa os 700 homens. Para o Estado de Mato Grosso. Imagine.

“As pessoas com quem temos conseguido falar no Pantanal estão relatando situação de muito, muito, isolamento, onde elas não veem o poder público. Agora, Mato Grosso é um Estado extenso. Pode ser que tenha realmente 400 brigadistas por parte do governo federal e 160 por parte do governo estadual, mas ação deles está diluída”, relata a ambientalista francesa.

Poucos brigadistas, muito fogo, muita tragédia. Sob a condição de anonimato, a esposa de um analista do ICMBio relatou à reportagem: “Ele está há dois meses na frente do fogo. Já quase morreu três vezes cometendo erros de tanta exaustão. O que está acontecendo é um absurdo inimaginável. Uma monstruosidade”. Que tem nome e sobrenome.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Vinícius Segalla

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