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Sem governança global contra crise climática, COPs seguirão produzindo "blá, blá, blá"

Na COP 26, na Escócia, 40 países assumiram o compromisso de não mais utilizar carvão para gerar eletricidade, inclusive o Brasil. E o que vemos?
Frei Betto
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Eu não espero nada. Desde a Eco-92, no Rio, as promessas e os acordos entre chefes de Estado são primorosos! E nada sai do papel!

Alguém acredita que os países haverão de abandonar os combustíveis fósseis (petróleo e derivados, gás natural e carvão mineral), que causam o aquecimento global, e adotar fontes renováveis de energia (sol, água, vento, biomassa) capazes de manter o aquecimento bem abaixo de 2ºC? 

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Segundo a ONU, a Terra ainda aquecerá cerca de 2,5ºC neste século, superando, portanto, a meta do Acordo de Paris de manter o aquecimento global bem abaixo de 2ºC.

Em pleno Capitaloceno – a era da predominância do capital sobre os direitos humanos –, é ilusão imaginar que o sistema abdicará de seus lucros em favor da qualidade de vida da humanidade. A Agência Internacional de Energia projetou, há poucos dias, que a receita líquida dos produtores de petróleo e gás dobrará em 2022 “para US$ 4 trilhões sem precedentes”, ganho inesperado de US$ 2 trilhões!

Os combustíveis fósseis e o desmatamento dos biomas são as principais causas de emissão de gases de efeito estufa. Dos 193 países associados à ONU, apenas 26 assumiram o compromisso de reduzir tais emissões. E o Brasil do Inominável obviamente não figura entre eles. 

A crise climática, para ser enfrentada, exige governança global, outra quimera. O que há de mais próximo a isso é a ONU, dominada pelos países que têm cadeira cativa e poder de veto em seu Conselho de Segurança: EUA, China, Rússia, França e Reino Unido. Nenhum deles dá a menor importância à questão ambiental, exceto em seus discursos demagógicos. Enquanto não se encontrar uma fórmula viável para uma governança global representativa e dotada de mecanismos de punição, tudo quedará como dantes no quartel de Abrantes.

Na COP 26, na Escócia, 40 países assumiram o compromisso de não mais utilizar carvão para gerar eletricidade, inclusive o Brasil. E o que vemos?

COP27
Comparados aos níveis das eras que precederam a revolução industrial, a Terra aqueceu mais de 1ºC




Compromissos descumpridos

Há décadas se propõe desativar as termelétricas movidas a combustíveis fósseis, principalmente as que queimam carvão mineral, o que resultaria na descarbonização do planeta. Na COP 26, na Escócia, 40 países assumiram o compromisso de não mais utilizar carvão para gerar eletricidade, inclusive o Brasil. E o que vemos?

Com a guerra na Ucrânia e os cortes no gás fornecido pela Rússia, a União Europeia já voltou a utilizar carvão para enfrentar o próximo inverno. E, no Brasil, o governo federal, no início deste ano, sancionou o Programa de Transição Energética Justa que garante a contratação, até 2040, da energia gerada por termelétricas a carvão. Assim, o dinheiro público financia a poluição e a destruição ambiental. Em 2021 foram destinados mais de R$ 750 milhões em subsídios às termelétricas que tanto favorecem o efeito estufa e, portanto, o aquecimento global.

Movimentos negro e indígena debatem racismo ambiental e demarcação de terras na COP27

Comparados aos níveis das eras que precederam a revolução industrial, a Terra aqueceu mais de 1ºC. Segundo a Organização Meteorológica Mundial, as temperaturas na Europa aumentaram mais que o dobro da média global nos últimos 30 anos – as mais altas de qualquer continente do mundo.

As emissões de gases de efeito estufa já provocam o ascenso do nível do mar, a redução do gelo marítimo e o aumento da acidez dos oceanos. O calor excessivo no hemisfério Norte, no último verão, suscitou grandes incêndios florestais. A camada de gelo da Groenlândia entrou em colapso. E a saúde humana é ameaçada, sempre mais, pela poluição do ar que dissemina doenças infecciosas. 

Infelizmente sou obrigado a concordar com a líder ambientalista Greta Thunberg: a COP27 vai apenas produzir “blá, blá, blá”. E vale destacar que o governo do Egito praticamente proibiu os ambientalistas que estão fora do evento oficial de se manifestarem no país. Censura e repressão para quem denuncia a farsa da COP e muitas mordomias para as delegações oficiais que tentarem encobrir, com seus discursos demagógicos, o ecocídio da qual são cúmplices.

Frei Betto | Colaborador da Diálogos do Sul.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Frei Betto Escritor, autor de “Cartas da prisão” (Companhia das Letras); “Batismo de sangue” (Rocco); e “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros 74 livros editados no Brasil, dos quais 42 também no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org. Ali os encontrará a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio.

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