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Melancolia, singeleza, falta, saudade e solidão: na voz de Tiê, os sentimentos da pandemia ganham um embalo reconfortante

Seu novo álbum "Encontros" marca esse momento onde um encontro, um abraço, um beijo, um “oi” fazem-se tão necessários em nossas vidas, enclausuradas em muros urbanos de concreto que chamamos de casa, jogando-nos numa profunda solidão
Danilo Nunes
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Dia, tarde, noite, trânsito, tempo, compromissos, pressa, concreto, ruas, buzinas, gritos, contas, dinheiro, dinheiro, dinheiro. Assim é a vida não apenas de um, mas de todas as pessoas na sociedade contemporânea, regida pelo sistema do capital com seus braços neoliberalistas.

O sistema nos torna invisíveis perante o (a) outro (a) e perante a nós mesmos que acabamos por não nos encontrar e muito menos entender mediante o turbilhão de sensações e sentidos que nos arrebatam e nos condicionam ao automatismo e individualismo raso que nos faz parecer robôs, zumbis ambulantes que transitam de um lado para o outro, sempre realizando o mesmo percurso. 

O regime nos rouba, nos furta, nos tira o tempo e o pensamento, jogando-nos num limbo infinito sem vida, e sem direitos, impedindo que nossa consciência esteja desperta, viva e ativa. 

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Faz-se cada vez mais necessário sairmos desse labirinto proposital que somos condicionados a entrar, para que possamos encontrar os nossos verdadeiros gostos, formas e sentimentos, esmagados pela produção e consumo desenfreado.

No início de 2020, fomos surpreendidos (as) por uma pandemia que jamais imaginávamos ser possível e o que ela nos despertaria no decorrer desse processo que vem nos atingindo até hoje e, cada vez mais. 

Sim, o isolamento social a que fomos levados nos obrigou a (re) significar o trabalho e as formas de relacionamento social, mas, acima de tudo, nos colocou num encontro (nem um pouco romântico) com nós mesmos. Um encontro direto, sem preliminares, sem jantar romântico, sem palavras de conquista. Nos despimos em nossa frente e acabamos nos tocando em partes que jamais foram tocadas antes por nós.

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Mais do que personagens de um sistema de desigualdades, tornamo-nos seres humanos enfrentando a mesma tempestade, mas de diferentes lugares e posições sociais, encontrando em nossa frente além da Covid=19, um governo genocida e irresponsável, que levou o Brasil de país do futuro para um grande cemitério de vidas que pararam de respirar e jamais serão esquecidas. 

Não são números, mas pais, mães, irmãs, irmãos, amigos, amigas, gente. Gente que tinha sonhos, vontades, planos, gente que sorria, chorava e tinha espaço e importância na vida de alguém e passaram a ter importância na vida de todos (as) nós. Deixamos de praticar a caridade para praticar a humanidade.

A arte se tornou fundamental nesse momento e conseguiu anestesiar nossos corações em tempos sombrios enquanto denunciava as irresponsabilidades e covardias do governo genocida e do sistema que nos transforma em número. 

Acompanhamos shows, espetáculos à distância, utilizando a internet e apreciamos artistas que criaram e apresentaram suas obras, praticamente autobiográficas, pois falavam de questões das quais todos (as) estão como personagens.

Seu novo álbum "Encontros" marca esse momento onde um encontro, um abraço, um beijo, um “oi” fazem-se tão necessários em nossas vidas, enclausuradas em muros urbanos de concreto que chamamos de casa, jogando-nos numa profunda solidão

Reprodução/ Facebook
Tiê, que já era caseira, tem usado o tempo da pandemia para meditar e compôr

Muitas canções que já embalaram nossas vidas, despertando em nós a identificação com o discurso cantado. Canções que em muitos momentos antes da pandemia, cumpriam esse papel. 

É o caso das composições da cantora e compositora Tiê, que não apenas são autobiográficas, como trazem em suas melodias e poesia a biografia do ser humano atual que vive em sua constante busca por amor e felicidade, buscando entender a vida por meio do diálogo consigo mesmo. 

Tiê nos traz canções que, embora estejam ligadas a situações específicas, podem ser reinterpretadas e readaptadas para o agora, como a canção “A Noite”:

 

Palavras não bastam, não dá pra entender
E esse medo que cresce não para
É uma história que se complicou
Eu sei bem o porquê

Qual é o peso da culpa que eu carrego nos braços
Me entorta as costas e dá um cansaço
A maldade do tempo fez eu me afastar de você

E quando chega a noite e eu não consigo dormir
Meu coração acelera e eu sozinha aqui
Eu mudo o lado da cama, eu ligo a televisão
Olhos nos olhos no espelho e o telefone na mão

Pro tanto que eu te queria o perto nunca bastava
E essa proximidade não dava
Me perdi no que era real e no que eu inventei
Reescrevi as memórias, deixei o cabelo crescer
E te dedico uma linda história confessa
Nem a maldade do tempo consegue me afastar de você 

Te contei tantos segredos que já não eram só meus
Rimas de um velho diário que nunca me pertenceu
Entre palavras não ditas, tantas palavras de amor
Essa paixão é antiga e o tempo nunca passou 

E quando chega a noite e eu não consigo dormir
Meu coração acelera e eu sozinha aqui
Eu mudo o lado da cama, eu ligo a televisão
Olhos nos olhos no espelho e o telefone na minha mão 

E quando chega a noite e eu não consigo dormir
Meu coração acelera e eu sozinha aqui
Eu mudo o lado da cama, eu ligo a televisão
Olhos nos olhos no espelho e o telefone na minha mão
Na minha mão, na minha mão

 

Tiê gravou essa canção em seu terceiro álbum de estúdio chamado Esmeraldas, em 2014. A canção é uma releitura de La Notte, do músico italiano Arisa e foi composta, originalmente por Giuseppe Anastasi. 

A música, permeada de melancolia e singeleza, traz temas como falta, saudade, solidão: exatamente sentimentos que se intensificaram no momento de pandemia que estamos vivendo.

A cantora é uma artista que compõe e escreve sobre sentimentos que estão em todos (as) nós e suas canções, mais do que nunca, passam a ganhar novos significados para cada um (a) que as escuta.

A artista divide sua vida artística com a maternidade e faz isso como se tudo fosse  uma coisa só, mostrando as duas coisas juntas, em total sintonia, como podemos ver na canção Kudra, que dá nome ao seu álbum lançado na quarentena e que conta com a participação de sua filha Amora. 

O álbum Kudra tem grande importância dentro da pandemia e, assim como disse Tiê ao site Terra:

“Kudra nasceu de um reflexo da quarentena, desse momento de reclusão, de rever as coisas, os hábitos, faxinar a casa, a mente e os HD’s. Não é tempo de festejar, mas é importante colocar a música pra fora. Algumas letras têm essa intenção de ser como um acalanto.”

No dia 30 de julho, a cantora anunciou o lançamento de mais um álbum, dessa vez cantando o anseio de todos (as) nós: O encontro.

O nome do álbum é Encontros que será a primeira coletânea da carreira de Tiê e terá distribuição da Warner Music Brasil. Encontros traz duetos da cantora com diversos artistas, entre eles Toquinho, Luan Santana, Filipe Catto e Jorge Drexler.

Encontros marca esse momento onde um encontro, um abraço, um beijo, um “oi”, faz-se tão necessário em nossas vidas, que foram enclausuradas em muros urbanos de concreto que chamamos de casa, jogando-nos numa profunda solidão. 

Em Encontros, nos encontraremos na música de Tiê com seus duetos harmônicos e melódicos regidos pela poesia que nos inspira e representa! 

Que possamos voltar a nos encontrar e, para isso, manteremos a resistência e a luta por um mundo de mais justiça social e humanidade. Nos encontraremos na música de Tiê e nas lutas sempre e sempre!

* Danilo Nunes é músico, ator, historiador e pesquisador de cultura popular brasileira e latinoamericana


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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