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ToggleNo território da União Europeia há 260 campos de detenção para menores com uma capacidade de 47 mil camas. Os números são do livro Privatising Punishment in Europe de Michael Flynn e são citados na reportagem (link is external) publicada este fim de semana no Diário de Notícias.
Esta reportagem, realizada no âmbito do consórcio internacional de jornalistas Investigate Europe (link is external), investigou como as crianças migrantes são detidas no espaço europeu, concluindo que a existência de centros de detenção é uma “prática generalizada da União Europeia”.
Com diversos nomes, que vão desde “zonas de trânsito” na Hungria, a “zonas de segurança” na Grécia), “hotspots” na Itália etc., mas também com diferentes tipos de espaço, a situação na Europa não é tão massiva e carcerária como a norte-americana só que é igualmente nociva para a saúde das crianças e viola igualmente regras internacionais.
O Relatório Global das Nações Unidas sobre Crianças Privadas de Liberdade esclarece que “seja qual for o nome ou justificação do Estado ou nome da instalação” em que as crianças ficam detidas, há sempre uma privação da liberdade. E esta “não pode ser considerada como uma medida de último recurso e nunca é do melhor interesse da criança e, portanto, deve ser proibida.”
Wikimedia Commons / Mstyslav Chernov
Na Europa, justifica-se a detenção “para manter as famílias juntas” ou para “proteção, onde faltam cuidados alternativos”. O comissário europeu responsável pela pasta da imigração, Dimitris Avramopoulos, é um dos que justifica a detenção de crianças “apenas como último recurso quando não estão disponíveis medidas menos coercivas para completar o procedimento de regresso”. O relatório de 2019 da ONU é claro. Isto “nunca pode ser uma justificativa.”
Os nomes distintos dados aos locais onde as crianças são privadas da liberdade também não deixam de fazer com que o grupo de trabalho da ONU esclareça que “embora não sejam oficialmente chamados de centros de detenção, muitos destes lugares são de fato instituições fechadas e os indivíduos não têm liberdade para sair, o que os transforma em lugares de detenção, de fato”.
Também a justiça europeia não se deixa levar pelos argumentos invocados pelos responsáveis governamentais europeus. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos concluiu em duas diferentes circunstâncias que “a extrema vulnerabilidade” da criança “é o fator decisivo e prevalece sobre as considerações relacionadas como estatuto de imigrante ilegal”.
Pediatras alertam para problemas das crianças detidas
A reportagem do Diário de Notícias procura ainda explicar as consequências da detenção para vida dos menores migrantes. Citando um artigo de outubro de 2019 de Jack P. Shonkodd pediatra de Harvard e dirigente do Center on the Developing Child, apontam-se como consequências como trauma, “stress tóxico” e a “emergência psicológica”.
A esta fonte acrescenta-se um artigo de março de 2017, publicado no jornal da Academia Americana de Pediatria que revela que “o consenso de especialistas concluiu que mesmo a detenção breve pode causar trauma psicológico e induzir riscos de saúde mental a longo prazo para as crianças.”
É referido ainda um outro documento elaborado pela The Initiative for Children in Migration, e apoiado pela Comissão Europeia no qual se pode ler que “a detenção por imigração é uma medida extrema com impactos negativos de longa duração sobre as crianças. Os profissionais médicos relatam que 85% dos pais e filhos detidos sofrem consequências negativas para a saúde mental. Para as crianças, o impacto na saúde, no desenvolvimento psicossocial e académico é ainda mais profundo. Crianças detidas apresentam sintomas de depressão e ansiedade, problemas de sono, incluindo pesadelos, dificuldades alimentares e queixas somáticas, assim como problemas emocionais e comportamentais. A detenção pode ter impactos negativos duradouros no desenvolvimento e nos resultados da vida, mesmo que seja por períodos curtos e realizada nas chamadas “instalações específicas para crianças”.”
Em Portugal também se detêm menores migrantes
Esta reportagem pega também nas particularidades do caso português que “não é exceção”. Em 2018 foram detidas na fronteira 24 crianças não acompanhadas, tendo ficado detidas em média seis dias. No mesmo ano, o último para o qual há dados disponíveis no relatório AIDA, base de dados de refugiados, foram detidas 51 crianças acompanhadas de familiares. Estas estiveram detidas em média 16 dias mas o caso mais demorado foi de 59 dias.
Ao contrário da França, condenada seis vezes pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por desrespeito à legislação de detenção de menores, Portugal não foi nunca condenado nesta instância. A lei portuguesa prevê a detenção de crianças, fazendo estas parte do grupo de “pessoas vulneráveis” às quais deve ser dada “atenção especial”. O Provedor de Justiça adverte, contudo, que tem faltado atenção à atenção especial que é devida legalmente a estas crianças, escrevendo: “as instalações são inadequadas para acomodar famílias, seja devido à ausência de quartos para famílias que garantam a privacidade e permitam que os memrbos da família ficqwuem juntos, seja devido à falta de equipamento para as crianças.”
O facto dos requerentes de asilo serem sistematicamente detido quando chegam à fronteira foi lembrado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas. No relatório do ACNUR de maio de 2019 revelava-se “preocupação com mudança de prática que resultou no reinício da detenção de crianças na fronteira.”
Inês Carreirinho, coordenadora do gabinete jurídico do Conselho Português para os Refugiados, esclareceu ao jornalista Paulo Pena que “até 2016, habitualmente, crianças, famílias, mulheres grávidas, eram isentas de procedimento especial e davam logo entrada em território nacional.” A partir daí tem havido um “prolongamento dos períodos de detenção.”
O CPR é o local para onde as crianças vão depois de esgotados os sete dias máximos de detenção. Na sua Casa de Acolhimento para Crianças Refugiadas, há atualmente 51 jovens não acompanhados. Apenas quatro são jovens. As crianças mais novas têm 11 e 12 anos. Este espaço já não é detenção: há liberdade de movimentos e acesso à escolas. Mas está sobrelotado: deveria acolher apenas 13 crianças.
Portugal não é dos países com um maior afluxo de migrantes ou com mais pedidos de reconhecimento do estatuto de refugiado. Apesar das consequências negativas de qualquer tipo de detenção, não será também o sítio com piores condições.
O Diário de Notícias cita outros casos. Na Hungria, referem-se em particular dois centros, um em Tompa e outro em Röszke: “são prisões, cercadas por grades de metal altas, mas têm outro nome – “zonas de trânsito”, porque não são completamente fechadas. A saída, para a Sérvia, está aberta. A entrada na Hungria, e na União Europeia, é que não”. Em Röszke há cerca de cem menores a viver em contentores, cercados de arame farpado e guardados por militares armados.
Na ilha de Lesbos, na Grécia, o campo de Moria é uma antiga instalação militar com vedações altas, rolos de arame farpado. A entrada é guardada pela polícia mas aberta. Aí os refugiados vivem em tendas. E contam-se à volta de cinco mil crianças. Sem escola.
França é a campeã das detenções ao nível europeu. Mas devido aos territórios ultramarinos. Em Mayotte, entre África e Madagáscar, há 2500 crianças detidas, a maioria das ilhas Comores. Na França continental são 275, números do ano de 2018.
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