A mídia teve uma papel fundamental na vitória de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, da Frente de Todos, nas eleições realizadas no domingo (27) na Argentina. Apesar da Lei de Meios impulsionada pela ex-presidenta Cristina Kirchner (2003-2015), que tinha como objetivo democratizar os meios de comunicação argentinos, a realidade no país ainda é de concentração, mas ainda assim é bem diferente da brasileira.
De acordo com estudo realizado pelo Monitoramento da Propriedade dos Meios (MOM – Argentina), entre os dez principais diários do país, três pertencem ao Grupo Clarín — o próprio Clarín, La Voz del Interior, de Córdoba, e Los Andes, da província de Mendoza. Juntos, eles detinham 47,8% da audiência e 40% da publicidade estatal em 2018.
Do universo de dez jornais do país — Clarín; Perfil; Diário Popular; La Capital (de Rosário); La Gaceta (de Tucumán); la Nación; La Voz del Interior; Los Andes; Página/12 e Tiempo Argentino – dueños de nuestras palabras — três têm orientação de esquerda/ progressista e assumiram posicionamento marcadamente crítico ao governo de Mauricio Macri (2015-2019), ex-candidato derrotado à reeleição: Página/12; Tiempo Argentino e Perfil.
Comparando o cenário argentino com o brasileiro, com base no mesmo estudo do MOM – Brasil, são listados 17 veículos impressos — Agora São Paulo; Correio Braziliense; Correio do Povo; Daqui; Diário Gaúcho; Época; Extra; Folha de S. Paulo; IstoÉ; O Estado de Minas; O Estado de São Paulo; O Globo; O Tempo; Super Notícia; Valor Econômico; Veja e Zero Hora. Nenhum deles com viés de esquerda ou progressista.
Na Argentina, 73% dos cidadãos se informam por jornais, online ou em papel, ainda segundo o MOM. No Brasil, apenas 21% da população lê jornais e 13% revistas impressas. Do público usuário de internet, 67% dos brasileiros disseram buscar notícias e informações na rede. Os dados são da Secom, de 2015.
Para avaliar este cenário, a ComunicaSul*/ Diálogos do Sul conversou Victor Santa María, que dirige a Fundação Outubro, administradora dos seguintes meios: Jornais: Página/12; Site de notícias: Diario Z; Revistas: Caras e Caretas, Planeta Urbano e PIN (infantil); Rádios: AM 750; Radio Oktubre 89,1 e FM 94,7 Club Octubre.
Joaquin Gomez Sastre
Confira a entrevista:
Vanessa Martina Silva: Como é a relação dos meios alternativos com os grandes meios na Argentina?
Victor Santa María: Eu não considero que o Página/12 seja um meio alternativo. É um meio de comunicação que tem uma posição distinta dos meios hegemônicos.
Nós construímos uma lógica de meios que passa por ter outra visão. Nós hoje nos consideramos o terceiro diário de opinião da república e a Rádio 750, está entre as três mais escutadas. Temos também duas FMs novas. Apesar da forte crise, somos o único grupo que tem crescido. As FMS são uma dedicada ao esporte [94,7 Club Octubre] e outra aos jovens, com faixa etária de menos de 25 anos [Oktubre 89,1].
Nós trabalhamos com um olhar diferente, fomos muito castigados pelo capitalismo. Nós conseguimos sobreviver em quatro anos muito difíceis Mais de 2.500 jornalistas ficaram sem trabalho e muitos meios fecharam nesses quatro anos [de gestão de Mauricio Macri].
O Página/12 é vendido na rua, nas bancas. No Brasil, temos uma crise dos meios de comunicação, inclusive os hegemônicos. Aqui é diferente? Por quê?
Em quantidade de venda, nas bancas, Página/12 cresceu, foi o único. O que as pessoas veem é uma alternativa. Os meios de papel deixaram de ser massivos como foram em outra época, mas dão a tônica política.
Hoje qualquer diário de papel é o que gera a notícia ao longo do dia. A agenda é colocada pelo diário. Os portais web têm futuro importante, mas não geram a agenda política, pelo menos na Argentina.
Há cerca de um ano eu falava com as pessoas de [do jornal] Público, que é um jornal da Espanha. Eles tinham papel há quatro, cinco anos, deixaram de ter e estão querendo voltar porque saíram da agenda política do país. Isso é o que acontece.
A rádio também tem sua dinâmica. Para muitos, vai desaparecer, mas são mudanças pelas quais os meios passam. Hoje eu não vejo o desaparecimento do papel, mas uma mudança e é preciso atualizar o que está acontecendo na sociedade.
A questão da imprensa é diferente no Brasil. Qual o papel que a imprensa deve ter em uma democracia forte? Considera que a imprensa aqui está cumprindo este papel?
A imprensa tem um papel importantíssimo na democracia. Na apresentação do livro [Sinceramente], de Cristina [Kirchner], na Rural [durante a 45ª edição da Feira Internacional do Livro de Buenos Aires], ela nomeou um novo contrato social e chamou a imprensa para sentar-se à mesa e discutir a Argentina do futuro.
Há aí um tema importante para ser desenvolvido e ver qual é esse papel. Na democracia, a imprensa é fundamental.
O Clarín teve um papel fundamental na demonização do governo de Cristina. Os outros meios conseguem fazer um contraponto quando temos um que é tão forte?
Sim, o Globo tem essa mesma característica. Há hegemonia de alguns meios que colocam “em xeque” a democracia. Clarín é mais do que um diário, é um grupo econômico. Essa é a diferença para os outros meios de comunicação.
*Vanessa Martina Silva é editora da Diálogos do Sul
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