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Mídia e PSDB: 5 vezes em que “defensores da democracia” agiram como Bolsonaro

Contra o Partido dos Trabalhadores, "democratas" apelaram a práticas similares às que hoje criticam na extrema direita
Cynara Menezes
Socialista Morena
São Paulo (SP)

Tradução:

A mídia comercial e os “democratas” do liberalismo estão alvoroçados com mais um ataque do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro às instituições. Após gerar indignação ao convocar os brasileiros às manifestações contra o Congresso do próximo domingo, 15 de março, Bolsonaro agora levanta suspeitas sobre as urnas eletrônicas, dizendo, sem apresentar provas, que “houve fraude em 2018” e que ele, na verdade, foi eleito no primeiro turno. 

Mas tudo isso surgiu por acaso, porque o presidente é “louco” ou porque é o resultado de um longo processo? Quem pavimentou o caminho para Bolsonaro, estimulando este tipo de pensamento na opinião pública? Neste post, damos alguns exemplos de como, para arrancar o PT do poder, a mídia comercial, o PSDB e seus aliados apelaram a práticas semelhantes às de Bolsonaro antes de se tornarem ferrenhos defensores da democracia e do Estado de direito.

Contra o Partido dos Trabalhadores, "democratas" apelaram a práticas similares às que hoje criticam na extrema direita

PSDB / Divulgação
Aécio Neves, Aloysio Nunes e José Serra questionam eleição de Dilma Roussef em 2014

Confira:

1. Atacaram o STF

Exatamente como faz hoje o bolsonarismo, em 2014 o ministro Gilmar Mendes apontou a metralhadora giratória contra sua própria Casa, “alertando” sobre o “risco” de o Supremo Tribunal Federal “se converter em uma corte bolivariana”, mesmo que não houvesse qualquer sinal disso. Afinal, a Corte havia condenado vários petistas e aliados pelo mensalão apenas dois anos antes. “É importante que não se converta numa corte bolivariana. Isto tem de ser avisado e denunciado”, disse Gilmar, em entrevista repercutida nos sites alinhados ao tucanato, como o de Reinaldo Azevedo, que ecoou diversas vezes a acusação do ministro indicado por FHC a seus colegas de toga. Agora Gilmar cobra respeito de Bolsonaro ao STF.

2. Duvidaram da lisura das urnas eletrônicas

Também em 2014, o então senador Aécio Neves, derrotado nas urnas por Dilma Rousseff, pediu ao TSE uma auditoria para verificar a “lisura” da eleição. Foi a primeira vez desde o restabelecimento da democracia que um candidato derrotado pedia recontagem de votos.

Na solicitação, o PSDB sugeria a criação de uma comissão com representantes do tribunal e de partidos para verificar o sistema que apura e faz a contagem dos votos. Como Bolsonaro fez agora, o texto protocolado pelos tucanos não apresentava nenhuma evidência de fraude e se baseava nos questionamentos “que imperavam na sociedade” sobre a confiabilidade da apuração e a infalibilidade da urna eletrônica, manifestados “nas redes sociais”. Os blogueiros alinhados com o tucanismo celebraram.

Um ano depois, a auditoria feita pelo PSDB concluiu que não houve fraude na reeleição de Dilma, mas a semente da dúvida nas urnas eletrônicas estava plantada. Hoje, Reinaldo Azevedo afirma que, ao colocar sob suspeita as urnas eletrônicas, o presidente “quer golpe”. Bolsonaro “acusa de fraude o sistema eleitoral que elegeu o presidente (ele próprio), vinte e sete governadores, 513 deputados e 54 senadores. Ao fazê-lo, larga uma bomba no Poder Judiciário e se coloca como único fiador da política”, diz o colunista.

3. Minimizaram abusos da ditadura

Em 2009, o jornal Folha de S.Paulo publicou um editorial onde afirmava que a ditadura brasileira não tinha sido tão dura quanto os outros regimes militares na América do Sul. A nossa, que durou 21 anos, foi uma “ditabranda”, não uma ditadura, segundo a Folha, pisando na memória das vítimas da repressão, da tortura, dos desaparecimentos e dos assassinatos, a maior parte delas jovens. “As chamadas ‘ditabrandas’ –caso do Brasil entre 1964 e 1985– partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça”, dizia o texto.

Quando Bolsonaro dá “nota dez” para a ditadura e diz que “o erro da ditadura foi torturar em vez de matar”, corrobora a tese da Folha de que o regime aqui foi “brando”. Aliás, não podemos esquecer que o tucano Aécio Neves, assim como Bolsonaro, chamava o golpe de “revolução”.

4. Criaram fake news

A mesma Folha acusada de ser “comunista” pelos bolsonaristas, que a apelidaram “Foice de S.Paulo”, e que tem suas repórteres atacadas por fake news foi incapaz de pedir desculpas a Dilma Rousseff por ter publicado na primeira página uma ficha criminal dela, no DOPS comprovadamente falsa, numa reportagem onde o grupo que ela integrou na luta armada, a VAR-Palmares, era acusado de ter planejado sequestrar o ministro Delfim Netto durante o governo Médici, o que a então presidenciável petista também negou.

Em vez do tradicional “erramos”, o jornal apenas publicou um texto admitindo não haver conseguido provar que a ficha é autêntica, onde reconhece que, ao contrário do que afirmava, não havia sido o arquivo do DOPS a fonte da ficha e sim um e-mail enviado à autora da reportagem.

Imaginem se hoje alguém recebesse uma ficha criminal de Bolsonaro e publicasse na primeira página, sem checar… O ombudsman Carlos Eduardo Lins da Silva, após receber da própria Dilma laudos de especialistas da Unicamp que apontavam para a falsificação do documento, considerou as explicações da redação insuficientes, em um texto onde afirmava ser fácil para o jornal checar. “Se a Folha quer mesmo esclarecer o assunto, é simples: deve identificar a fonte que lhe enviou eletronicamente a ficha (assim, o público avaliará sua credibilidade) e instá-la a fornecer o documento original para exame de peritos isentos e pagos pelo jornal”, disse Lins da Silva. O jornal não o fez. Até hoje a ficha circula na internet como sendo verdadeira.

Em 2017, para defender Michel Temer das acusações de Joesley Batista, o grupo Globo acusou Dilma e Lula de possuir contas no exterior, mas acabou desmentindo o erro como uma “imprecisão” no dia seguinte.

“Na reportagem que foi ao ar o Jornal Nacional cometeu uma imprecisão. Dissemos que Joesley Batista tinha contado na delação premiada detalhes de duas contas correntes no exterior em nome dos ex-presidentes Lula e Dilma. Na verdade, Joesley Batista disse no depoimento que mantinha no nome dele duas contas com dinheiro destinado à Lula e Dilma, a ser usado em campanhas eleitorais”, corrigiu a emissora. As matérias sobre o caso, no entanto, continuam circulando normalmente.

5. Flertaram com o Clube Militar

O Clube Militar divulgou uma carta em apoio às manifestações contra o Congresso em dia 15 de março. “Não podemos permitir que se estabeleça um indevido ‘parlamentarismo branco’ se nosso sistema de governo é presidencialista”, diz o texto, concluído com o slogan de Bolsonaro: “Brasil acima de tudo!”

As movimentações na caserna estão causando furor em toda a mídia comercial não-governista. “Tem gente querendo fazer agitação em quartel”, denunciou Reinaldo Azevedo em seu programa. Houve uma época, porém, que o jornalista e seu colega do Globo, Merval Pereira, iam ao Clube Militar incitar os fardados contra Dilma Rousseff, candidata à sucessão de Lula.

Em setembro de 2010, um mês antes da eleição, os dois colunistas foram ao Clube Militar pedir  “vigilância” no caso de Dilma chegar à presidência, em virtude do que consideravam  ameaças à democracia e à liberdade de expressão. Na palestra A Democracia Ameaçada – Restrições à Liberdade de Expressão, organizada com o apoio do Instituto Millenium, a dupla pronunciou frases bem semelhantes às do guru de Bolsonaro, Olavo de Carvalho, para atacar o PT.

“Todos os passos na tentativa de controlar a imprensa não foram arroubos de grupos isolados. O controle da produção cultural do país é um objeto de estudo e de trabalho do governo federal. Existe uma tese, não é uma coisa por acaso. Desde o primeiro momento eles tentaram e tentam controlar a produção de notícias e a produção cultural no país”, disse Merval, repetindo a tese de “marxismo cultural” do bolsonarismo.

“É evidente que se tem hoje no Brasil a contaminação do processo democrático por teses autoritárias. Se o PNDH for aprovado no governo Dilma, estará instaurada a ditadura no Brasil, é simples”, afirmou Reinaldo, em referência ao Plano Nacional de Direitos Humanos. Damares, és tu?

Cynara Menezes é jornalista


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Cynara Menezes

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