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Milionários e política

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Por Esteban Valenti (*)

berlusconi-prisao-sexo-menoresAssistimos nestes dias e à distância a um exemplo terrível de como a política feita por e para milionários pode ser destrutiva para a democracia e para um país. Silvio Berlusconi não apenas está mergulhado até o pescoço em processos e escândalos de todo tipo – acho que perdi a conta – como está confirmado que utilizou seus milhões para comprar senadores. Assim caiu o governo de Romano Prodi em 2008.

Não podemos considerá-lo apenas um exemplo distante, pois o caso merece uma reflexão mais concreta e atual. Os fatos: Berlusconi, entre outras muitas coisas, incluindo prostituição de menores em sua vila de Arcore, é acusado de ter comprado um senador do Partido Itália dos Valores, o que, depois, lhe permitiu alcançar, junto com outros comprados, os votos necessários para fazer cair o governo de centro-esquerda de Romano Prodi.

Tudo começou em 2006, quando o senador Sergio De Gregorio (que confessou e forneceu provas) recebeu três milhões de euros de Berlusconi para passar do Partido Itália dos Valores, para o Partido do Povo da Liberdade (PdL). A promotoria de Nápoles acusou Berlusconi de “comprar” senadores. Há outros casos no processo.

Nestes dias julga-se no tribunal de Milão a causa contra Berlusconi na qual o promotor o acusa  de montar um verdadeiro prostíbulo em sua vila de Arcore, conhecido como o processo “Ruby roubacorações”, envolvendo uma menor de idade nas famosas festas do “bunga-bunga”. Aqui de novo aparecem os milhões: todas as envolvidas nas bacanais recebem atualmente salários e presentes do ex premier. Uma delas, jornalista de um dos jornais de tevê da Mediaset, a empresa de Berlusconi, recebeu presentes no valor de 800 mil euros, além do salário mensal e de um carro esportivo Audi TT. Tudo reconhecido pela beneficiada na audiência.

É difícil encontrar em algum país do planeta o nível de acusações e de ilegalidades de todo tipo cometidos por um governante. E sua sobrevivência a todos estes processos com a cumplicidade de um mundo político bastante mais amplo permite ao Cavaliere continuar livre e dirigindo uma das principais forças políticas da Itália, que obteve 30% dos votos há um mês…

Mas o mais grave é um tríplice processo: por um lado a banalização, pelos meios de comunicação, pela imprensa e pelos próprios políticos, da corrupção que tratam como um fato natural, incurável e encarnado em uma pessoa e seu império empresarial.

Berlusconi é a pessoa mais rica da Itália e uma das mais ricas da Europa. A história de sua riqueza é turva, opaca e recente e coincide sempre dentro ou ao lado do poder com o uso de influências políticas.

Em segundo lugar, uma parte importante da opinião pública engoliu inteiro o trem criado por Berlusconi de que se trata de uma conspiração dos magistrados, as togas vermelhas, como ele as chama, contra sua imaculada pessoa.

Em terceiro lugar, a cumplicidade de boa parte do mundo político, incluindo a centro-esquerda que não reagiu e, em alguns casos facilitou a aprovação de leis que favoreceram diretamente Berlusconi, fizeram prescrever os delitos e outras barbaridades. Na queda do governo Prodi, em 2008, está a mão e estão os milhões do Cavaliere mas também de alguns dirigentes de centro-esquerda, como Máximo D´Alema, que acharam que tinha chegado seu momento. D’Alema é aquele mesmo que agora, com essa linguagem para o palácio e seus corredores mais sombrios, fala de negociar a governabilidade com a direita, afastando Berlusconi. Um suicídio para o centro-esquerda.

Estes três elementos são a doença mais grave que corrói a Itália, sua política, suas instituições, sua moral pública e são a expressão de sua decadência. A economia e as outras coisas vêm depois, são a consequência.

Ler hoje um jornal italiano é receber um impacto constante de más notícias. Eis o que li hoje: além de desemprego crescente, de bancos que perdem milhões de euros mas querem distribuir prêmios a seus diretores, a propriedade imobiliária vale hoje o que valia em 1985, há quase 30 anos. Todos os dias fecham na Itália 167 comércios e pequenas empresas. Todos os dias.

Quando, em alguns países da América Latina,  em um país tão próximo como o Paraguai, esboça-se um desenlace eleitoral em que pode governar um magnata como Horacio Cartes, candidato do Partido Colorado, o de Stroessner, o da mais desenfreada corrupção, um candidato acusado de traficante e de contrabandista em grande escala, não deveríamos nos alarmar pelo Paraguai e pelos países da região? Trata-se de uma possibilidade muito concreta, dentro de seis semanas.

Essa mistura de delinquência organizada, gangues internacionais e política, é destrutiva, porque mina as bases democráticas de uma nação. Assim aconteceu na Itália.Comprar senadores, legisladores, governantes, financiar todo tipo de operações, meios de comunicação, não é o pior veneno para uma república democrática?

Faz tempo que todos os organismos internacionais lançam um alerta contra a corrupção como aliada predileta da criminalidade organizada e da lavagem de dinheiro sujo. A isso se soma o conflito de interesses, diplomático nome utilizado para denominar o uso abusivo delituoso as escâncaras de posições de governo para enriquecer ainda mais, para favorecer seus negócios. O grão mestre e doutorado cum laude é Berlusconi, ainda que não seja o único.

Falar de um simples conflito de interesses é ridículo,  o dele é um conflito complexo e intolerável em qualquer país democrático: um conflito político, empresarial e jurídico. Indro Montanelli, jornalista histórico e conservador, escrevia no Corriere della Sera, em 20 de julho de 1998 que, ao menos sobre uma coisa, por ser tão evidente, estão de acordo os italianos: que enquanto não se desbloqueie o caso Berlusconi não haverá debate político, isto é, não haverá política. E Sergio Romano, outro colunista de opinião, de centro-direita, é ainda mais severo quando escreve: O caso do Cavaliere é o mais colossal conflito de interesses que figura nas crônicas do Estado unitário italiano.

Por sua parte, a centro-esquerda optou em seu momento pelo pragmatismo, pelo caminho do apaziguamento, nas duas Câmaras, nas televisões e nos tribunais de justiça. Não podemos esquecer que Il Cavaliere foi declarado elegível, pela Junta Eleitoral, para a Câmara de Deputados, sendo a maioria de centro-esquerda, embora uma lei de 1957 previsse a inelegibilidade daqueles que possuem concessões de serviços públicos. Que durante quase dois anos Berlusconi se tenha erigido em constituinte, ainda que sendo o político mais processado de toda a Europa. Que os bancos lhe tenham dado créditos quando suas empresas tinham 2.500 milhões de euros de dívidas e que, em nome de uma política de garantias tenha-se aprovado a legislação sobre a justiça desejada pelo Polo berlusconiano e ainda que se tenha adiado a análise de todas as leis anticorrupção.

Também por este motivo Beppe Grillo obteve 25% dos votos e a centro-esquerda perdeu 9% dos seus.

Documentos contundentes e muito claros foram sistematicamente censurados. Falemos por exemplo das declarações de Paolo Borsellino, o juiz assassinado pela Máfia, um conservador notório. Borsellino, um herói da luta contra a Máfia, deu uma entrevista a dois jornalistas franceses dois dias antes do atentado de Capaci (onde morreu o juiz Giovanni Falcone, em 23 de maio de 1992)  e dois meses antes do de Via D’Amelio (em que morreu Borsellino). É uma entrevista inédita, que desapareceu durante anos, e que sua família reencontrou recentemente, quase por milagre. Um documento impressionante pela gravidade das acusações que o magistrado mártir, normalmente prudente e silencioso, lança contra Berlusconi em função da relação  com Vittorio Mangano, o estafeta de Arcore (a vila de Berlusconi em Milão). Mangano era um dos maiores traficantes de droga da Cosa Nostra.

Teríamos que refletir um pouco mais sobre esta mixórdia e sobre como agem em países muito próximos. Os milhões sujos podem ser a pior droga da política e da democracia.

(*) Jornalista e escritor uruguaio, diretor de Bitácora e UYPRESS. Ex coordenador geral de IPS, especial para Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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