NULL
NULL
Marianela Jarroud*
O avanço da investigação no Chile sobre o possível assassinato de Pablo Neruda em mãos da ditadura é visto como um grande passo na busca da verdade e justiça para violações aos direitos humanos que continuam sem castigo 40 anos depois de perpetrados o golpe de estado.
Os restos de Neruda foram exumados no dia 8 de abril na tumba que compartilhava com sua última esposa, a cantora e escritora Matilde Urrutia (1912-1985), onde foi sua residência na Ilha Negra, 110 quilômetros a oeste de Santiago.
Os peritos buscarão nos elementos biológicos, um relacionado com sua enfermidade e outro com supostas substâncias tóxicas que poderiam ter sido introduzidas. As amostras serão analisadas em laboratórios chilenos e possivelmente estrangeiros, já que chegaram ofertas do Canadá, Espanha, Estados Unidos, Suécia e Suíça. O processo poderia durar três meses.
A diligência foi ordenada pelo juiz Mario Carroza, que investiga se existiu participação de terceiros na morte do ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1971, ocorrida em setembro de 1973, apenas doze dias depois do sangrento derrocamento de seu grande amigo, o presidente socialista Salvador Allende, que havia cumprido apenas três anos de mandato.
“É extremamente importante que um juiz diga que se deve esclarecer todos os casos de violações dos direitos humanos, assim como a morte de Allende, do ex-presidente Eduardo Frei Montalva (1964-1970) ou de Neruda, porque é reconhecer que a justiça está em dívida com os crimes que se cometeram na ditadura”, disse o sociólogo Manuel Antonio Garretón, prêmio Nacional de Humanidades 2007.
Neruda morreu na clínica privada Santa Maria, de Santiago, quatro dias depois de ter sido internado para tratar-se de câncer na próstata que não impedia seguir sua vida normal. Amigos próximos do poeta suspeitam que a causa morte foi a aplicação de uma injeção com uma substância tóxica, provavelmente similar a que se presume matou, em 1982, ao líder democrata-cristão Frei Montalva, então um dos principais opositores à ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
Nascido com o nome de Neftalí Reyes, tinha no momento de sua morte 69 anos, 28 como filiado ao Partido Comunista de Chile e se preparava para partir para o exílio no México, de onde se propunha ser a voz da oposição a ditadura.
O advogado querelante, Eduardo Contreras, explicou que existe “uma forte suspeita” de que foi assassinado por agentes da Direção de Inteligência Nacional (DINA), a polícia secreta de Pinhochet. Contreras precisou que nessa época, já estava em operação no Chile o estadunidense Michael Townley, um agente duplo da Agência Central de Inteligência (CIA) e da DINA, autor material de numerosas mortes por envenenamento com substâncias químicas.
Townley trabalhava com Eugenio Berríos, o químico que se dedicou a fabricação de gás sarín e de outras armas químicas letais sob ordens da hoje desaparecida DINA e que foi sequestrado e assassinado no início da década de 1990 no Uruguai por militares a serviço de ambos os países.
Poucos dias antes de sua morte, a profunda sensibilidade de Neruda foi abalada quando suas três casas foram invadidas por agentes da ditadura, que romperam tudo que viram pela frente. Em sua residência mais apreciada, a de Ilha Negra, sofreu a brutalidade militar: a tropa depredou suas coleções de caracóis, conchas e borboletas, suas garrafas e suas máscaras de proa, livros, quadros e até seus versos inconclusos.
Os militares fizeram que fossem despedidos todos os trabalhadores e só ficassem Urrutia e seu motorista e secretario pessoal, Manuel Araya, quem quase 40 anos depois é o protagonista da querela que o Partido Comunista interpôs à Justiça.
“quero que os forenses ponham as mãos no coração e contem a verdade de Neruda”, clamou Araya. “Não fez testamento porque não estava na hora de morrer”, assegurou. Para Garretón, mais do que se Neruda foi ou não assassinado, é importante investigar todas injúrias e vergonhas a que foi submetido com anterioridade a sua morte.
“Suponhamos que se descubra que não há indícios da intervenção de terceiros, de toda maneira, foram cometidos crimes que tem a ver com a invasão de sua casa e ações que aceleraram sua morte”, afirmou.
Acrescentou que, caso se comprove um assassinato, “a repercussãoo pode er muito grande e muitos dos que ainda não acreditam que se cometeram violações aos direitos humanos poderiam certificar-se de que inclusive até a máxima figura da poesia nacional foi assassinada, de forma direta ou indireta”. Além disso, volta-se a colocar no tapete a partir de grandes personalidades, as violações aos direitos humanos que não foram até agora sancionadas, acrescentou.
O atestado de óbito de Neruda indica que morreu de caquexia, uma desnutrição extrema causada por uma rápida baixa de peso que origina tal debilidade que impede desenvolver atividades por mínimas que sejam. Não obstante, pesava mais de 100 quilos, segundo relato de Araya, referendado pela embaixador mexicano no Chile em 1973, Gonzalo Martínez, que o visitou na clínica. Um dia depois de sua morte, o diário conservador El Mercurio publicou que Neruda tinha morrido “devido um ataque ao coração… consequência de um choque sofrido depois de terem aplicado uma injeção de calmante”.
O ex juiz Juan Guzmán, o primeiro em processar a Pinhochet, indicou que a exumação dos restos de Neruda aproxima o caso à tese de homicídio. “Imagino que para ter decido isso, Carroza deve ter fortes presunções de que morreu por causas alheias a enfermidade”, disse.
“Antes era cético, mas depois de todas as investigações que realizei, muitas delas de índole médica, hoje já não sou tanto e penso que há que investigar quando há indícios de que pode ter havido um crime”.
No caso de que se confirme a tese de assassinato, “seria espantoso”, acrescentou Guzmán. “Pablo Neruda era um homem de paz, que entendia a paz através da poesia e suas atuações pessoais, por isso, para mim, mais que um assassinato da pessoas, seria a tudo o que ele representa”, concluiu.
*IPS de Santiago de Chile para Diálogos do Sul