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Mortes desnecessárias na Nicarágua

Revista Diálogos do Sul

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Depois de várias jornadas de protestos e de violentos choques entre manifestantes e a polícia, que deixaram um saldo de dezenas de mortes, entre os dias 26 e 31 de março, dependendo das fontes, 67 feridos, 43 desaparecidos e uns 20 detidos, o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega Saavedra, recuou na recusada decisão de reduzir os valores das aposentadorias e incrementar as contribuições pagas por empregados e patrões ao Instituto Nicaraguense do Seguro Social (INSS), adotada em 16 de abril com o argumento de que era necessário dar estabilidade financeira ao sistema de seguridade social nesse país centro-americano.

Editorial do jornal La Jornada*
A medida provocou irritação em amplos setores populares, mas também na hierarquia eclesiástica católica — tradicional aliada de Ortega — e das cúpulas empresariais do país e fez com que milhares de pessoas saíssem às ruas nas principais cidades. As manifestações — aproveitada por alguns para cometer alguns saques — foram reprimidas cruelmente pelas forças da ordem e por tropas de choque da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) que governa o país.
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No sábado, quando já se contabilizava uma dezena de mortes, Ortega Saavedra desqualificou os manifestantes, comparando-os com os “maras” — bandos que atuam em algumas nações vizinhas —, e se declarou disposto a dialogar unicamente com os empresários, os quais, pouco depois, declinaram do convite a não ser que o governo contivesse a repressão. Já em plena escalada de insensatez, Ortega ordenou censurar a televisão independente que cobria os protesto e o deslocamento do Exército nas localidades mais sacudidas pelo descontentamento e com isso recrudesceu a violência. Na localidade de Bluefields, na costa atlântica, o jornalista Miguel Ángel Gahona, foi abatido por um tiro quando transmitia ao vivo um confronto entre manifestantes e a polícia.
No domingo, o presidente nicaraguense se viu obrigado a dar marcha à ré no decreto de reforma do INSS, reconheceu que não era viável e que tinha gerado uma situação dramática, e reiterou seu chamado ao diálogo aos empresários. Não obstante, em seguida, organizações estudantis e de aposentados manifestaram disposição de continuar a luta até conseguir a saída de Ortega e sua esposa, Rosário Murillo, que ostenta o cargo de vice-presidente e de primeira ministra.
Em suma, a intenção de Ortega de obter uns 250 milhões de dólares com a redução dos valores pagos aos aposentados e aumentar as contribuições ao seguro social, parece ter catalisado inconformidades e crescente exasperações diante da progressiva degradação do exercício do poder público na Nicarágua. Ortega, que foi comandante da guerrilha que em 1979 derrotou a ditadura dinástica dos Somoza, e que na década seguinte encabeçou um governo comprometido com as transformações sociais, hoje governa com um exagerado patrimonialismo e uma visão oligárquica, com formas autoritárias e até autocráticas e uma insensibilidade social da que deu exemplo nesta atual crise. O presidente nicaraguense não avaliou o descontentamento que geraria a reforma da previdência e, durante cinco dias, pensou que era possível reprimir o descontentamento popular que não se circunscreve somente à redução da aposentaria e aumento das contribuições.
Afastados já há muitos anos de seus antigos companheiros da luta sandinista, Ortega formou alianças com empresários e com os setores conservadores da igreja católica. Agora, conseguiu debilitar essas alianças de forma severa e precária, apoiado no aparato político e administrativo do sandinismo desnaturalizado. E, o mais grave, dezenas de vidas perdidas a troco de nada.
*La Jornada, jornal diário publicado na Cidade do México – direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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