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Movimento antirracista em defesa das vidas negras está democratizando os Estados Unidos

Todos sabem que este tipo de mobilização tem que evoluir para outras expressões políticas – algo que já está ocorrendo - inclusive no aspecto eleitoral
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Uma banda de jazz estilo Nueva Orleans tocava “St. James Infirmary”, um blues sobre a morte da noiva do cantor, no centro de Washington Square pouco antes que centenas caminhassem atrás desse grupo musical umas 30 ou mais quadras para serem recebidos em Ocupa Prefeitura, um plantão de manifestantes sob o lema das Vidas Negras Valem, parte de um movimento nacional sem precedentes em meio século que, pela quinta semana, continua sacudindo as cúpulas do país. 

O acampamento de centenas de pessoas que se estabeleceu em uma pracinha ao lado da prefeitura tem um “armazém comunitário” (“pegue o que necessitar, ofereça o que puder”), uma “biblioteca popular” que solicita livros “radicais” para compartilhar, uma tenda de atendimento médico e mesas para alimentar a todos.

De repente há fóruns sobre história e “raça e gênero” e sobre a violência oficial. Uma mulher lê um livro sobre Angela Davis, enquanto a alguns metros, um DJ põe música de hip hop e alguns dançam enquanto outros tecem. Não há policiais – sua passagem está proibida (por enquanto). Há linhas pintadas com giz que decoram “não polícia além desse ponto”. Pede-se que todos usem máscaras.

O plantão tem uma série de demandas, mas a central para esta ação é a da transferência de 1 bilhão dos 6 bilhões de dólares anuais do orçamento da polícia de Nova York para programas sociais, e por ora se conseguiu um triunfo parcial – algo quase impensável há apenas um mês. Isto e cenas parecidas se repetem por centenas de cidades ao longo do país.

Todos sabem que este tipo de mobilização tem que evoluir para outras expressões políticas – algo que já está ocorrendo - inclusive no aspecto eleitoral

Occupy.com
Este movimento que explodiu dentro do silêncio da pandemia tem obrigado as cúpulas políticas a focalizar-se e responder às demandas

Pela quinta semana consecutiva, estas expressões – marchas, acampamentos, plantões, comícios, brigadas de ciclistas e outras de muralistas, concertos, comemorações sobre as vítimas. que foram detonadas com o assassinato de George Floyd pela polícia em Minneapolis em 25 de maio, seguem sem cessar. São menos numerosas, e os enfrentamentos com a polícia são menos dramáticos (embora a repressão continue), mas persiste a cada dia em múltiplas cidades. 

Este movimento que explodiu dentro do silêncio da pandemia tem obrigado as cúpulas políticas a focalizar-se e responder às demandas, conseguindo que sejam promovidas dezenas de iniciativas de reforma da polícia, e tem obrigado políticos nacionais e locais a proclamar de que lado estão sobre o racismo sistêmico e sua história desde os inícios deste país.

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Enquanto um presidente assustado tem optado por responder com ameaças de repressão militar, denúncias de que tudo é um complô da “esquerda radical”, qualificando o que viu em frente à “sua” Casa Branca como “um movimento de ódio”. Um de seus legisladores favoritos, Matt Gaetz da Flórida, declarou por tuíte que “Black Lives Matter é um movimento Marxista”.

O movimento multirracial e inter geracional inclui desde os jovens, sobretudo mulheres, que o encabeçam, a veteranos do movimento de direitos civis dos anos sessenta, a sindicalistas, religiosos, acadêmicos, músicos e outros artistas, como também indígenas e imigrantes.

O lendário comediante Carl Reiner que acaba de falecer com seus 98 anos, tirou uma foto com sua filha e seu grande amigo Mel Brooks, todos com camisetas de Black Lives Matter.

De pronto, políticos e diretores de instituições oferecem retirar monumentos e símbolos da história racista, desde alguns ex-presidentes como Woodrow Wilson à quase incrível decisão do governo estadual do Mississippi de retirar o símbolo da Confederação de sua bandeira oficial depois de 126 anos, entre outras. 

Em Nova York, a famosa estátua de Teddy Roosevelt montado sobre seu cavalo e ao seu lado duas figuras caminhando, um indígenas e um afro-estadunidense que dá as boas-vindas à entrada do Museu de História Natural será retirada por decisão da instituição. Este movimento tem obrigado a uma prestação de contas histórica.  

Todos sabem que este tipo de mobilização tem que evoluir para outras expressões políticas – algo que já está ocorrendo em passo rápido inclusive no aspecto eleitoral. Ainda é muito cedo para saber o caminho que isto tomará, mas ninguém está confundindo – o próprio Trump deixou claro – sobre quem representa as forças inimigas em Washington.

“Toda vez que você vê seres humanos endireitar as costas e dispostos a caminhar juntos, lutar juntos, cantar juntos – independentemente da cor -, há majestade moral e beleza espiritual que não podem ser negadas

Mas temos que nos preparar para a resposta neo-fascista repressiva… que está no horizonte… especialmente quando o império é fraco e desesperado”, diz o filósofo e professor de Harvard e Princeton, Cornel West, em entrevista recente ao Salon. Ele afirmou que ‘temos que democratizar completamente os Estados Unidos para resgatá-lo’ sem medo ou metade. 

David Brooks, correspondente de La Jornada em Nova York

La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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