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“Sizofunda Ngekani” (Vamos aprender à força) é a palavra de ordem, o canto dos alunos universitários da África do Sul, desde o anúncio de aumento de 8% nas taxas universitárias, pelo Ministro de Educação Superior, Blade Nizmande.
Por Augusto Juncal *
O ano passado foi marcado por grandes e massivos protestos dos estudantes, o que resultou num vitorioso não aumento das taxas naquele ano. Mas a luta não é somente contra o aumento das taxas, mas por todo um processo de descolonização do ensino superior ainda branco e de ranço apartheidista.
A nova onda de protestos, que está acontecendo em quase todas as universidades do país, desde o anúncio do aumento no último 19 de setembro, está sendo tratada com extrema violência, num pacto, Estado, Universidade, Polícia e Segurança privada. A extremada “mão pesada” da polícia” detonou a raiva dos estudantes, e os protestos escalaram pelos campi do país. De um lado, as pedras dos estudantes, do outro os tiros e as bombas da polícia.
Como sempre acontece, os protestos começam em paz, mas a polícia tem a tarefa de torná-los violentos, sendo ela mesma a iniciar a violência. E justificar as repressões e as prisões. Justificar a militarização da universidade, cujos recursos destinados a gastos com polícia e segurança privada poderiam ser destinados à educação. Sem falar no dinheiro que se vai em corrupções.
Igualzinho ao Brasil. Reforma no ensino pelo governo golpista e cortes sociais e eles nadando na corrupção.
O Governo diz que o aumento de 8% é para quem pode pagar e que isso permitirá que os pobres tenham acesso à educação gratuita. Mas existe aí entre pobres e ricos uma grande massa de estudantes, chamados os “missingmiddle”, mal traduzido por mim como “os desaparecidos do meio”. Ou seja, aqueles alunos cuja família ganha acima do estipulado para o NSFAS (sigla em inglês para Fundo nacional de Ajuda Financeira aos Estudantes), mas que não ganham o suficiente para pagar uma universidade para os filhos.
Mas, como dentro de uma boa tradição estudantil militante e socialista, embora não seja essa a consciência dos estudantes em protesto, eles pedem educação gratuita PARA TODOS. Pautando assim o papel do Estado em garantir a TODOS esse direito universal e inalienável de crianças e jovens. A palavra de ordem é “It’s free education for all or no education at all”, que quer dizer, “ou há educação gratuita para todos ou não haverá pra ninguém” (mantendo a minha liberdade de tradução!).
A postura do CNA (Congresso Nacional Africano) segue vergonhosa. O seu Secretário Geral, Gwede Mantashe disse que se ele fosse o ministro da educação, ele fecharia todas as universidades por um longo período para dar uma lição nos estudantes. E disse que ele isso já foi feito em outro país, que ele não quis mencionar o nome. E dá uma indireta aos pais que querem que os filhos estudem, mas têm pouco dinheiro: que vendam as vacas. E os que não têm, vendem o quê? Essa é a alma da cúpula do Congresso no poder. O cinismo típico das elites dominantes. Vemos o quão bem o CNA aprendeu do Estado anterior o cinismo de suas colocações e ações. Tal qual as elites brancas brasileiras. Cínicas, desavergonhadamente cínicas.
Enquanto isso, a universidade faz seu jogo sujo com os alunos. Eles fecham as universidades, expulsando de lá os alunos que moram nos alojamentos. Sendo que aquele que moram mais longe, e sem dinheiro para retornar para casa, se vêm na rua, sendo acolhido por algumas noites em casa de amigos, acolhidos em igrejas e casas comunitárias. Sendo que houve alunos a quem sequer foram permitidos entrar na universidade para pegar seus pertences.
A mídia por sua vez, tenta desqualificar a mobilização dos estudantes qualificando os alunos de trapaceiros, indisciplinados e militantes (no sentido de guerrilheiros violentos). Então, estudantes protestaram diante do prédio do jornal The Herald, que negou a eles o direito de resposta.
E no meio dos estudantes, as organizações se posicionam em favor da educação gratuita para todos. São elas: EFFSC (Comando Estudantil do EFF
O Secretário Geral do CNA Gwede Mantashe. … coibiu a ANCYL de rejeitar a proposta de aumento da taxa do ministro Nzimande. Mas o ANCYL apoia a luta pela educação gratuita pata todos.
Entre o ENFFSC e o PYA há desentendimento que contribui para o enfraquecimento dos estudantes. Mas estes, ainda que desorganizados e sem lideranças e estratégias claras, estão dando uma lição de luta aos apáticos movimentos populares da África do Sul. Gostaria de ver muitos desse líderes, dessas ditas organizações, serem arrastados, e levando paulada como estão levando os estudantes. Ou ousarem ser massacrados como os mineiros de Marikana. Mas estes ousaram e não moveram um pé da sua resistência. E os estudantes, ainda que, como disse, desorganizados, seguem ousados na luta. Como diz a palavra de ordem: Juventude que ousa lutar constrói o poder popular.
Que os movimentos populares, os sindicatos, as auto- ONGs progressistas, aprendam com os estudantes da África do Sul. Mas com tristeza, o que eu noto é uma falta de apoio concreto à luta legítima e de embrião revolucionário dos estudantes. Ninguém está indo às ruas em apoio a eles. E até agora, sé me chegou uma manifestação de apoio aberto, através de uma carta à sociedade, escrita pelo Abahlali BaseMonjonlo, um movimento de luta por moradia da província de KwaZulu Natal. O mais foi silêncio.
Enfim desde os estudantes de Soweto de 1976 até os estudantes de toda África de 2016, nada mudou. E os protestos continuam. E espero que continuem até a vitória.
Até lá, sempre.
(*) é militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)