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Paulo Cannabrava Filho*
Nos Estados Unidos, neste final de ano estão a ocorrer fatos que merecem uma reflexão que vem sendo eludida pela mídia dos poderosos. Os 99% estão saindo da toca e contestando o modelo, exigindo alternativas. Nestes tempos de TIC, além de aprender a ver, não basta aprender e saber falar. Há que aprender a comunicar.
Nesse país que foi vendido como modelo de democracia, desde 1953 não havia greve. Essa “paz laboral” foi construída a custa de muita repressão, massacres, terrorismo, macarthismo de um lado, e de outro, a custa da ilusão de uma sociedade de consumo sustentada por guerras e saques. Basta lembrar que duas datas importantes como 10 de maio e 8 de março homenageiam trabalhadores e trabalhadoras massacrados por lutarem por seus direitos.
Em setembro os primeiros a paralisar foram os trabalhadores no transporte na Califórnia. Os segundos, no final de novembro, foram os trabalhadores dos Correios, a última das estatais que sobrevive. Outro fato relevante: a população apoiando os grevistas.
Depois de mais de 50 anos de impor à população a imagem, ou o ideal de viver no melhor dos mundos, numa sociedade invejada, paradigma para os demais povos, essa sociedade está sendo sacudida por uma conjunção de gerações que se manifesta contestando o sistema. Não falta na mídia global quem esteja fazendo comparações com a geração de 1968. Vale, portanto, uma reflexão, comparando os dois fatos históricos.
Lá, a geração 68 queria o fim da guerra de agressão contra o Vietnam. Queria também e talvez principalmente, livrar-se das amarras da anacrônica moral fundamentalista. E uma coisa tinha a ver com a outra uma vez que essa moral induzia a obediência a serviço de uma nova cruzada santificadora contra o comunismo pagão.
O lema “fazer o amor e não a guerra” e a rebeldia manifestada na nudez em acampamentos em que se praticava amor livre, maconha e LSD, foi a máxima contestação a uma moral medieval incompatível com o nível de desenvolvimento alcançado pelo país. Tudo pacifica e condescendentemente. Tudo muito diferente do que ocorreu nos trópicos, na mesma época e o que está a ocorrer agora com os movimentos “ocupem” (ocuppy).
O Brasil viveu o revês dessa moeda. As gerações que fizeram 68 – a minha era a do meio – queriam mudar o mundo, queriam ser protagonistas de uma revolução transformadora, revolucionária, cultural, socialista. Basta lembrar o clima em que se forjou uma escola nova, uma história nova, a bossa nova, o teatro e o cinema novo.
Aqui, estudante, operários, camponeses, soldados e intelectuais pareciam dispostos ou prestes a tomar o palácio de inverno. Veio-nos em cima a contrarrevolução financiada e comandada pela direita global.
A ciranda não para de rodar. 2011 com suas “ocupações” soa como prenúncio de que alguma coisa pode acontecer em 2012 na sede imperial com repercussão em todo o mundo.
Nos últimos 50 anos ninguém se preocupou com a massa de excluídos a ocupar as periferias das cidades e continuaram a viver a ilusão de estar em um mundo perfeito. Conquistas sociais centenárias foram pisoteadas em favor de uma minoria cuja ganância não tem limites.
O movimento “ocuppy” – ocupe Wall Street, ocupe Massachusets ou ocupe Califórnia ou Nova Orleans – parte da constatação de que “os 99% somo nós”. Os “indignados” nos EUA ocupam as praças e saem às ruas em apoio aos grevistas portando cartazes contra a repressão e o desemprego e gritando “abaixo o capitalismo”. Capitalismo bem simbolizado em Wall Street, comando do cassino financeiro global. Pela primeira vez, parafraseando Marti, no coração do monstro se estão identificando suas entranhas, e pedem intervenção na ciranda financeira. Rapidamente, na Europa em crise, capitaneada pela juventude, três gerações ocupam as ruas contaminadas de indignação.
Para a mídia global a rua foi ocupada por “transgressores” e trata de apavorar a classe média com o uso e abuso do diversionismo, utilizando as palavras já destituídas de seu significado como extremistas, esquerda, contraventores que querem o fim do tão querido way-of-life, e assim justificam a violência com que estão reprimindo essas manifestações. A repressão começou em setembro, violenta, como a que se viu em Oakland, Los Angeles, Washington, Nova Orleans ou Nova York.
Os manifestantes de 68 queriam gerar uma contracultura. Os atuais também, mesmo porque muitos deles estiveram em Woodstock, e por isso mesmo gritam mais alto e vão fundo na identificação da crise: é o próprio sistema que eles ajudaram a construir. E a eles se juntam os excluídos, aqueles que como os moradores de nossas periferias ou de nossos morros querem um lugar ao sol. Lá e aqui eles querem igualdade, querem trabalho. Lá eles gritam ou acenam cartazes mostrando o que querem:
“Qual a solução? – Revolução!”
“Contra a supremacia branca”
“Contra a polícia e o estado policial”
“Gente antes do dólar”
“Abaixo o capitalismo”
“As pessoas brancas se sentem livres, os negros não”, declarou um rapaz vindo da periferia de Boston receoso de juntar-se aos manifestantes. Tudo isso que está acontecendo pode ser visto no youtube e nos blogues dos indignados. E impressiona ver velhos e moços, bancas e negras, dançando a mesma música. A mídia global, ao ignorar esses fatos ou depreciá-los, já não consegue se impor. Isso é muito importante. Os meios alternativos estão se tornando os únicos meios de informação crível. E isso é mais do que importante.
Isso que se vê na blogosfera por si só não basta. É preciso que haja uma estratégia de poder alternativo e para isso é preciso que haja partidos alternativos com planos nacionais de desenvolvimento que leve a construção de sociedades de outro tipo. Sociedades humanizadas. Para isso é necessários abandonar os velhos e construir novos paradigmas. O grande desafio para se poder trilhar esses novos rumos é o de devolver a humanidade aos habitantes deste planeta.