O efeito imediato das super concorridas manifestações protagonizadas nas sexta-feira, 25 por milhões de chilenos em todo o país – um milhão e 200 mil pessoas só em Santiago – foi forçar a queda do gabinete ministerial do presidente Sebastián Piñera.
“Pedi a todos os ministros que ponham seus cargos à disposição para poder estruturar um novo gabinete para poder enfrentar estas novas demandas e encarregar-nos dos novos tempos”, disse ao meio-dia de sábado (26).
Esse “pequeno detalhe” é outra mostra da gravidade da situação que se vive. No Chile, as mudanças de ministério, além de indicar que um governo está com problemas, não são anunciadas antecipadamente, mas são comunicadas quando se realizam. Os ministros são chamados ao Palácio, são informados de qual é a sua situação e como continuação, em uma liturgia encabeçada pelo presidente, comunica-se ao país quem caiu e quais são as novas caras, que prestam juramento.
Em maio de 2015, a ex-presidenta Michelle Bachelet disse em uma entrevista por televisão que faria um ajuste, que concretizou no dia seguinte.
Cristian Campos, cientista político da Universidade Central, opinou que o adiamento é um esforço de controle da agenda midiática – poderiam passar três dias antes que se conheçam os nomes – para tratar de recuperar a iniciativa política. Com relação ao que se pode esperar, indicou que “algumas mudanças na agenda, mas não as de fundo que são demandadas por uma parte importante da cidadania”.
“Creio que vai procurar incorporar políticos que compreendam o que pedem as pessoas, embora não necessariamente porque estejam de acordo em todas as mudanças. Há alguns políticos da direita que estão falando de uma nova Constituição e dentro do setor devem estar negociando. O presidente se dá conta de que há coisas em que deverá ceder, em outras não, então o gabinete deve ter rostos que signifiquem algo para as pessoas”, agrega.
Em síntese, a mudança de gabinete, embora seja muito simbólica do fracasso do governo, em si mesma não significa em absoluto a resolução da crise, apenas uma possibilidade. A demanda e expectativas cidadãs de curto e médio prazo são enormes: aposentadorias e pensões dignas, redução do preço dos medicamentos, diminuir o endividamento de chilenos, salários decentes, custo de vida, transporte público, etc. E mudanças estruturais no modelo mercantilista ultra neoliberal.
As manifestações continuaram hoje e já foi convocada para a terça-feira (29) a nova grande marcha pelo centro da capital.
Piñera anunciou ademais o término do toque de recolher a partir desta noite nas cidades onde estava sendo aplicado e adiantou que planeja terminar com o estado de emergência neste domingo.
cntti.org.br
Calcula-se que um milhão e 200 mil pessoas foram às ruas apenas em Santiago
Ministros desconectados com a realidade
A exigência política de recompor o gabinete vem sendo executada desde o primeiro dia da crise, conforme se constatava que a explosão social gigantesca e transversal em toda a sociedade se fortalecia e aumentava. Além disso, a prepotência verbal e a ausência de sensibilidade de vários ministros só alimentou a fúria popular. Por exemplo, quando se produziu o aumento de 0,04 centavos de dólar no preço do transporte que produziu a explosão cidadã, o ministro de Economia, Juan Andrés Fontaine, mandou que os trabalhadores levantasse mais cedo para não viajar em horário de pico e assim economizar o pagamento extra; ou o ministro da Fazenda, Felipe Larraín, que sugeriu comprar flores já que estas estavam mais baratas com a chegada a primavera; ou a ministra de Educação, Marcela Cubillos, que na segunda-feira com o metrô colapsado e com estações ainda em chamas, tentou forçar o funcionamento de escolas e colégios públicos. Ou a própria ministra de Transportes, Glória Hutt, que descartou qualquer possibilidade de retroceder no aumento, finalmente derrogado em meio ao incêndio social.
Mas a “peça de caça maior” é o ministro do Interior, Andrés Chadwick, chefe do gabinete e primo irmãos do presidente. Descrito pela mídia e por políticos como “homem morto caminhando”, afundou-se politicamente em novembro de 2018, quando a polícia (Carabineiros) matou com uma bala na cabeça Marcelo Catrillanca (24 anos), um jovem mapuche, que foi acusado de participar em atos delitivos na Região da La Araucanía e de enfrentar-se com os fardados quando fugia. Chadwick confirmou a versão inicial da polícia, mas rapidamente ficou evidente que foi uma montagem policial e que Catrillanca recebeu o tiro pelas costas enquanto regressava para casa a bordo de um trator agrícola. Desde então, o ministro do Interior tem sido ferreamente protegido por Piñera, apesar de que para a oposição não constitui em interlocutor válido.
A hora final de Chadwick chegou na sexta-feira 18, quando o chamado a evadir o pagamento da passagem do metrô feito por estudantes secundaristas tornou-se uma maré imparável que saltava as catracas de acesso às estações. Os carabineiros responderam com pancadas indiscriminadas no interior das estações, cheias de passageiros, e o metrô dispôs o fechamento dos acessos no horário de pico do fim da jornada de trabalho. Todo o transporte público entrou em colapso, milhões de pessoas tiveram que caminhar durante horas de regresso às suas casas enquanto caia a noite e o vandalismo, a violência, os incêndios e a destruição tomavam conta de cidade. O resto é história conhecida e ainda em desenvolvimento imprevisível.
Hoje foi confirmada uma nova vítima fatal, a vigésima, um corpo calcinado encontrado no interior de um supermercado saqueado e queimado na Comuna de Maipú, em Santiago. Além disso, o Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH) confirmou a apresentação da décima sexta denúncia criminal por tortura e violência sexual, agora contra um jovem homossexual, cometida por carabineiros dentro de uma Delegacia.
*Tradução: Beatriz Cannabrava
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