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Stephen Leahy*
Em dezembro, 195 nações mais a União Europeia participarão da crucial 20ª Conferência das Partes (COP 20) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que acontecerá em Lima e onde deve ser apresentado o primeiro rascunho completo de um novo acordo mundial sobre o clima. Porém, isto é como escrever um livro com 196 autores. Após cinco anos de negociações, existe apenas um esboço do acordo e o primeiro desenho de um par de “capítulos”.
Falta muito pouco para vencer o prazo: segundo o estipulado, a assinatura do novo convênio para manter o aumento do aquecimento global abaixo de dois graus deve ser concretizada em dezembro de 2015, na reunião de Paris, precedida do encontro na capital peruana nos 12 primeiros dias de dezembro. “Em Lima será necessária uma grande quantidade de trabalho”, apontou Erika Rosenthal, advogada da organização Earthjustice, dedicada ao direito ambiental, e também assessora da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis).
“Restará pouco tempo depois de Lima, e Paris não poderá fracassar”, ressaltou Rosenthal ao Terramérica. A conferência “na capital francesa será um momento político crucial, em que o mundo poderá agir de modo decisivo para colher todos os benefícios de uma economia limpa, livre de carbono”, acrescentou.
O sucesso de Lima dependerá em parte do ministro de Ambiente do Peru, Manuel Pulgar-Vidal. Como presidente da COP 20, sua determinação e energia serão cruciais, acredita a maioria dos analistas ouvidos pelo Terramérica. A mudança climática é um assunto importante no Peru, pois Lima e muitas outras partes do país dependem da água doce das geleiras dos Andes. Estudos mostram que, nos últimos 30 anos, esta cordilheira perdeu entre 30% e 50% de sua cobertura gelada, e que outro tanto desaparecerá em breve.
Pulgar-Vidal declarou ao The Latin American Herald Tribune que espera que em Lima se chegue a um rascunho de acordo, embora este não inclua todos os capítulos. O projeto completo tem de estar pronto em maio de 2015, para haver tempo para as negociações finais. O futuro acordo climático, que deverá suceder ao Protocolo de Kyoto, facilmente poderá ter a extensão de um livro e contará com três pilares fundamentais: mitigação, adaptação, perdas e danos.
Mitigação
O pilar da mitigação, ou redução de emissões de gases-estufa, se dividirá em duas seções, dedicadas às reduções anteriores e às posteriores a 2020. Ambas são controversas, já que versarão sobre quanto e para quando cada país deve concretizar suas reduções de gases contaminantes.
A ciência climática tem claro que as emissões mundiais de dióxido de carbono (CO2) devem começar a diminuir antes de 2020. Do contrário, impedir que o aquecimento planetário supere os dois graus será extremamente difícil e caro. Mas a previsão é que as emissões em 2014 serão as maiores da história: 40 bilhões de toneladas, contra 32 bilhões em 2010. Também se espera que este ano seja o mais quente já registrado.
Na COP 15, realizada em 2009 em Copenhague, os países industrializados concordaram em concretizar suas reduções de emissões antes de 2020, isto dentro do Acordo de Copenhague. Porém, esses compromissos são insuficientes, e desde então nenhum país aumentou sua “ambição”, como se chama esse aumento de metas. Alguns, como Japão, Austrália e Canadá, inclusive recuaram de seus compromissos.
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, realizou, no dia 23 de setembro, a Cúpula do Clima, com 125 chefes de Estado, com a frustrada esperança de que usassem a ocasião para anunciar maiores reduções. Que a “ambição” está em ponto morto ficou patente durante a conferência climática realizada em outubro em Bonn, na Alemanha, onde as nações do Sul em desenvolvimento pressionaram as industrializadas para que fizessem reduções maiores antes de 2020.
Entretanto, a Aosis propôs um enfoque complementar para reduzir as emissões, pelo qual os países deveriam compartilhar conhecimentos, tecnologia e mecanismos políticos. Prático, útil e necessário, isso pode se converter em parte formal de um novo acordo, pontuou Rosenthal.
Enrique Maurtua Konstantinidis, assessor de políticas internacionais no capítulo latino-americano da não governamental Climate Action Network, acrescentou que “em Bonn houve muitos bons debates em torno da energia renovável e das políticas para reduzir as emissões”. Ao Terramérica, observou que “os países industrializados têm de estabelecer novos compromissos de reduções em Lima”. Isso inclui compromissos para reduções posteriores a 2020. O objetivo da Europa, de chegar a pelo menos 40% de reduções até 2030, não é suficiente.
Países emergentes, como China, Brasil, Índia e outros, também devem baixar suas emissões de modo substancial, pois a meta de longo prazo deveria ser uma paulatina eliminação mundial do uso de combustíveis fósseis até 2050, para que a elevação da temperatura fique abaixo de 1,5 grau, disse Konstantinidis. Essa meta mais ambiciosa é a que muitos pequenos Estados insulares e africanos afirmam ser necessária para sua sobrevivência no longo prazo.
O pilar da mitigação ainda requer um acordo sobre como medir e verificar as reduções de cada país. Também será necessário um mecanismo para impedir que os países descumpram suas metas, destacou Konstantinidis.
Ironicamente, o capítulo mais avançado em matéria de mitigação, que é o da iniciativa de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação de Florestas (REDD), também é o mais controvertido fora da COP. A REDD busca compensar os países que não explorarem suas florestas com dinheiro pago pelas empresas e pelos Estados que não reduzem suas emissões contaminantes.
O governo do Peru quer que este capítulo se complete em Lima, mas muitas organizações da sociedade civil e indígenas se opõem. É muito provável que em Lima ocorram grandes manifestações contra a REDD e contra a ideia de colocar um preço na natureza, opinou Konstantinidis.
Nnimmo Bassey, da No REDD in Africa Network e ex-presidente da Amigos da Terra Internacional, afirmou que “os atores políticos parecem totalmente desligados das soluções reais para abordar o aquecimento global”. A iniciativa REDD é uma “conspiração financeira entre as nações ricas e as corporações”, felizes de pagar em dinheiro em troca de fazer pouco para reduzirem suas emissões de carbono, indicou ao Terramérica. Para frear essa “falsa solução”, propôs que uma ampla aliança de movimentos sociais deve tomar as ruas de Lima durante a COP 20.
Adaptação
O pilar da adaptação trata principalmente da transferência de tecnologia e das finanças para ajudar os países mais pobres a se adaptarem aos impactos da mudança climática. O Fundo Verde para o Clima foi criado este ano para canalizar o dinheiro nesse sentido, mas ainda não está operacional. Na COP 15, os países industrializados se comprometeram a entregar fundos que chegariam a US$ 100 bilhões anuais até 2020, em troca de menores reduções nas emissões. Mas, em 2013, as contribuições foram de apenas US$ 110 milhões.
As promessas assumidas por Alemanha e Suécia este ano equivalem a quase US$ 2 bilhões. Porém, a contribuição será feita em vários anos. Tampouco está claro qual parte desse valor será dinheiro novo e não ajuda externa previamente comprometida. “Os países terão que assumir novos compromissos financeiros em Lima. E isso inclui economias emergentes como Brasil e China”, enfatizou Konstantinidis.
Perdas e danos
Com relação ao terceiro pilar, sobre perdas e danos, nada foi acordado até o final da COP 19, que aconteceu no ano passado em Varsóvia. Esse pilar busca ajudar os países pobres a enfrentar as atuais e futuras perdas, econômicas e não econômicas, causadas pelos impactos da mudança climática. É o menos elaborado e estará completo depois do prazo de Paris. Envolverde/Terramérica
* *IPS de Uxbridge, Canadá – Este artigo foi publicado originalmente pela rede de diarios latino-americanos de Tierramérica. Editado por Kitty Stapp