Mais de duas mil mulheres indígenas de mais de 100 etnias ocuparam, na manhã de ontem (12), o prédio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), em Brasília, em protesto contra o desmonte da Política Nacional de Atendimento à Saúde Indígena.
Com cânticos e rituais tradicionais dos povos originários do Brasil, as manifestantes se mantiveram no prédio até que o Ministro da Saúde aceitasse receber representantes da população para a apresentação da pauta política.
O ato iniciou por volta das 8h com uma caminhada do acampamento à sede da Sesai, seguida por depoimentos de mulheres que denunciaram a atual situação da saúde indígena em seus territórios. Elas estão ressignificando uma trajetória histórica com o protagonismo e o empoderamento necessário à 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, que segue até o próximo dia 14.
De acordo com Célia Xakriabá (MG), o prédio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), estava esvaziado de funcionários quando as manifestantes chegaram ao local. “Pensamos que eles não queriam nos receber, mas depois percebemos que este esvaziamento é fruto da própria política de desmonte do Governo Federal”, afirma.
Foto: Carú Dionísio
“Manifesto da 1ª marcha das mulheres indígenas: em defesa do direito ao atendimento diferenciado à saúde” é lançado dia 12 de agosto
No “Manifesto da 1ª marcha das mulheres indígenas: em defesa do direito ao atendimento diferenciado à saúde”, os grupos protestam contra a Medida Provisória 890, publicada neste mês, que instituiu o Programa Médicos pelo Brasil, em substituição do Programa Mais Médicos. De acordo com o manifesto, a medida do governo é uma maneira de privatizar e municipalizar os serviços oferecidos pelo Sistema Unificado de Saúde (SUS), incluindo a Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena.
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“Há uma semana o presidente lançou medida provisória 890 que vem reafirmar a questão que vem sendo imposta desde o início de janeiro quando existia a proposta de municipalização da saúde indígena. Estamos aqui ocupando esse espaço. A ocupação foi linda, quase 2 mil mulheres indígenas para dar recado de que não aceitamos mais esse retrocesso. Essa secretaria de saúde só existe porque os povos indígenas a criaram. A gente está ocupando um espaço que é nosso”, afirma Kerexu Yxapyry Eunice Antunes, da Terra Mbyá-Guarani do Morro dos Cavalos, Palhoça (SC) .
Em Santa Catarina há muitos desafios no atendimento à saúde indígena como afirma Kerexu. “Nossas crianças, nossas mulheres, nossos mais velhos estão morrendo dia após dia, então o governo tenta jogar a responsabilidade da saúde indígena para os municípios, e muitos no caso de Santa Catarina não aceitam a questão indígena. Se a saúde já é precária, imagine atender especificamente a população indígena”, comenta.
No documento, elas manifestam uma “profunda indignação e veemente repúdio aos propósitos do Governo Bolsonaro de desmontar todas as instituições e políticas sociais que nos dizem respeito, e neste momento, especialmente, a Política Nacional de Atendimento à Saúde Indígena”.
Dacilene Apurinã da Terra Indígena Água Preta/Inari no Sul do Amazonas conta que este dia é muito importante para ela, principalmente por conta da precarização da saúde indígena em seu município, Pauini (AM). “Eu quero passar um recado para o seu Jair Bolsonaro: nós desistimos para resistir e nós vamos resistir. E nós não queremos ReBio (Reserva Biológica). Nós queremos terra demarcada, e já. E fora Bolsonaro se não fizer isso”, enfatiza a indígena Apurinã.
Na Medida Provisória, o Governo Bolsonaro também propõe instituir o serviço social autônomo denominado Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (ADAPS), o que afirmam ser “uma absurda justificativa para abrir a atenção primária como mercado para o setor privado”.
Um grupo de dez mulheres indígenas conversou com o Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, mas sem obter uma resposta definitiva de análise das reivindicações dos grupos indígenas. A baixa representatividade indígena no gabinete do ministro, apenas 10 enquanto o grupo reivindicou o corresponde a 100 etnias, foi uma condição imposta pelo governo às mulheres indígenas.
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Impactos da Medida Provisória 890 na Saúde Indígena
O documento aponta que “na MP 890 existe uma total ausência das instâncias de controle social do SUS, na composição e fiscalização da ADAPS, sem representação do Conselho Nacional de Saúde (CNS), muito menos dos povos indígenas. No entanto, é garantida a participação de entidades privadas.” Outro ponto de denúncia é que a “proposta terá um impacto estruturante na organização e implementação das ações de saúde nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), pois a atuação da SESAI se foca na atenção primária, de modo que todo o subsistema pode passar a ser gerido pela dita ADAPS”.
A proposta do governo não foi discutida e apresentada nas instâncias de consulta dos povos originários. “A proposição de utilização de um serviço social autônomo para execução da saúde indígena já foi debatida exaustivamente pelos nossos representante e rejeitada em 2014, quando o governo da época propôs a criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI). Rejeitamos na ocasião a privatização do subsistema de saúde indígena”.
As mulheres indígenas repudiam ainda as tentativas de mercantilização dos conhecimentos e saberes tradicionais. “Somos contra toda e qualquer ameaça e negociação de todas as formas de vida”, ressalta o manifesto.
Elas reafirmam o compromisso de continuar a luta em defesa dos territórios, de conhecimentos e saberes tradicionais, das políticas específicas e diferenciadas, especialmente nas áreas da saúde e da educação. Reafirmam, ainda, o pacto entre as mulheres indígenas de todo o Brasil, “não vamos nos calar, não vamos recuar e não vamos desistir de lutar pela vida e o nosso futuro”.
Assina o manifesto a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
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