“Agora, a única coisa que fiz mal/Foi ficar demasiado tempo perdido no deserto… A única coisa que fizemos bem/ Foi o dia em que começamos a lutar/Mantém teu olhar sobre o prêmio, sustenta-te (versos de Keep your Eyes on the Prize, parte essencial do repertório dos hinos de luta e resistência do movimento de direitos civis dos anos 1950 e 1960).
Entre raios de esperança e o anunciado início do Apocalipse climático e/ou nuclear parece haver pouco espaço. Essas odes à resistência, à perseverança, à fé, às vezes são pouco convincentes, sobretudo em um dos países mais violentos da história, agora sob um regime que está disposto a anular o futuro não apenas do seu povo, mas de todo o planeta.
Depois de ler, ver, escutar as notícias em todos as múltiplas plataformas modernas que nos inundam de material em um assalto incessante a cada manhã, necessita-se um esforço quase super-humano para continuar com o dia. Às vezes um pouco de humor ajuda, como recordar a um amigo húngaro refugiado no México das guerras e da perseguição na Europa que, quando alguém lhe perguntava o que fazia todos os dias, respondia: “pois, me levanto, tomo café da manhã, leio o jornal e se não estou nos obituários, saio e vou para o trabalho”.
“Há esperança infinita, só que não para nós”, escreveu Kafka, recorda o escritor Jonathan Franzen no The New Yorker sugerindo que talvez, na conjuntura atual, haverá que modificar essa frase a algo como: “Não há esperança, exceto para nós”, já que é hora de falar a verdade sobre a mudança climática e o que teríamos que fazer dado os prognósticos científicos de desastres existenciais, e a pouco ou nula ação do mundo diante da atual desestabilização da vida planetária, já tão evidente. Aqui a resposta oficial dada por este regime é maravilhosamente orwelliana: tudo isso é puro fake news.
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Inundações
E então?
Rompe o coração ver jovens mobilizados que perguntam porque todos os adultos permitiram que se chegasse a este ponto em que o próprio futuro está sendo anulado de propósito. Mas também oferecem parte da única resposta possível, na qual existe o renascimento desse futuro hoje, quando estes mesmos jovens indignados declaram: “somos a mudança que estávamos esperando”.
Essa frase não é nova e tem retumbado ao longo dos momentos mais nobres da história neste e em outros países, com diferentes palavras, mas é mais urgente que nunca, agora diante de uma das eras mais escuras neste país. É escutada em vários rincões e expressões – muitas das quais não são tão divulgadas. Está presente, por exemplo, na greve de 20 mil trabalhadores de telecomunicações da AT&T em nove estados que começou no mês passado por práticas abusivas patronais e falta de direitos trabalhistas. Ao longo dos últimos dois anos, assombraram (as cúpulas e outros) greves com dezenas de milhares de professores, milhares de trabalhadores na indústria hoteleira (Marriott) e no setor de saúde, outros milhares em ações para obter direitos trabalhistas básicos no ramo de comida rápida.
De repente, há propostas progressistas que estão ocupando o centro do debate político do país, desde um New Deal Verde, a um seguro de saúde universal, acesso gratuito às universidades públicas e muito mais.
Algumas pessoas dizem que o nível de “ativismo” e o mosaico de resistência contra o assalto da direita neste país nunca foi mais amplo, com surpreendentes expressões de apoio para o “socialismo” por 40 por cento da população, maiorias favorecendo a legalização e o respeito dos direitos dos imigrantes, como a defesa de liberdades civis de todos. Outros indicam que as maiores manifestações de protesto na história estadunidense foram impulsionadas durante os dois anos e meio do regime atual.
De tudo isto, junto com o resgate das histórias e das lutas contra o fim da história, talvez haja a possibilidade, talvez a última, de um renascimento.
Springsteen and the Seeger Sessions band
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*Publicado em La Jornada – México
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