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Trump “tem sangue em suas mãos”: fracasso dos EUA já é sentido em Nova York

A cidade de todos no mundo não tinha que estar ajoelhada, gravemente ferida, com lágrimas e pranto em seus mais de 200 idiomas
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Já sabemos que não tinha que ser assim, que este desastre não tinha que ter estas dimensões, que a cidade de todos no mundo, Nova York, não tinha que estar ajoelhada gravemente ferida, com lágrimas e pranto em seus mais de 200 idiomas, que todo o país não tinha que estar em estado de sítio, com os mais pobres e desprotegidos sofrendo as piores consequências, como sempre. Não tinha que ser assim.

Trump “tem sangue em suas mãos”, concluiu o Boston Globe em seu editorial da semana passada, argumentando – da mesma forma que um coro cada vez mais amplo de especialistas, pesquisadores, médicos e líderes sociais – que grande parte do impacto da pandemia neste país “era prevenível” e que vale recordar que “o alcance do vírus aqui não é atribuível a um ato de Deus ou a uma invasão estrangeira, mas sim um fracasso colossal de liderança”.

Mas a culpa não é só do Trump. Há anos se sabia nas altas esferas que este e outros países estavam em risco de exatamente algo assim (as agências de saúde pública desde a prévia ameaça de um coronavírus em 2004, o Pentágono havia prognosticado precisamente algo assim desde 2017, entre outros) e não se fez o necessário. O fracasso é dos dois partidos – não são só dos Reagan e dos Bush, mas dos Clinton e dos Obama, que prepararam o caminho para chegar a isto hoje.

E embora se contasse há anos com o conhecimento e os prognósticos científicos sobre o que agora está acontecendo, “a patologia da ordem socioeconômica contemporânea” impediu que se fizesse algo, pela simples razão de que “não há lucro em prevenir uma catástrofe no futuro”, comentou Noam Chomsky há alguns dias. Em entrevista a Truthout sublinhou que para superar esta crise primeiro se tem que entender que “Trump chegou ao poder em uma sociedade doente, afligida por 40 anos de neoliberalismo”, o que inclui um sistema de saúde privatizado. 

A cidade de todos no mundo não tinha que estar ajoelhada, gravemente ferida, com lágrimas e pranto em seus mais de 200 idiomas

Reprodução/ Twitter
Placa em Nova York indica distanciamento mínimo entre pessoas para evitar contágio por coronavírus

Agora todos estamos ameaçados, com amigos e familiares enfermos ou que faleceram, com colegas no setor de saúde esgotados e devastados pelo que estão vivendo sob condições injustificáveis no país mais rico do mundo, resultado do desmantelamento do sistema de saúde e sua subordinação ao chamado livre mercado. E sem falar do fechamento da maior economia do mundo com milhões de desempregados e a anulação da vida cotidiana incluindo escolas e centros de trabalho, toda a cultura e o esporte. E não tinha que ser assim.

Com as consequências do Covid-19, fica claro que o que existe não é sustentável, quase da mesma maneira como com a mudança climática. Gostemos ou não, como resultado desta pandemia começou uma mudança, talvez estrutural. Que tipo de mudança será, depende, como sempre, de uma luta entre os que desejam “regressar” a outra versão de mais do mesmo e os que argumentam que já não se deve restabelecer o que antes se definia como “normal” porque esse “normal” era justamente o problema. 

“Os habitantes, finalmente liberados, nunca esqueceram o período difícil que os fez enfrentar o absurdo de sua existência e a precariedade da condição humana… O que é verdade de todos os males do mundo é também verdade da peste. Ajuda os homens a se elevarem sobre si mesmos”, escreveu Albert Camus. Em sua obra A Peste, o protagonista, Dr. Rieux, comenta que “poderia parecer uma ideia ridícula, mas a única maneira de lutar contra a peste é com a decência”.  

É um vírus, mas ao mesmo tempo é uma doença que se poderia chamar de pandemia neoliberal. Além de sua feroz e temível expressão física de saúde, talvez esta crise social, econômica e política também esteja produzindo os anticorpos requeridos para salvar-nos da infecção neoliberal.  

David Brooks, correspondente de La Jornada em Nova York

La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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