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Verdadeiro golpe nos EUA vem da aliança das “big techs” com o sistema financeiro

Debate não deve se limitar ao tema da "liberdade de expressão", embora o trumpismo não seja o melhor exemplo de comportamento democrático nas redes sociais
Fernando Rosa
Brasil 247
São Paulo (SP)

Tradução:

Se alguém – verdadeiramente – deu golpe nos Estados Unidos, foi a aliança das Big Techs com o sistema financeiro, sejamos honestos com a realidade dos fatos, além da espuma da grande mídia. Não por acaso, Mike Pyle, da BlackRock Inc, será o principal conselheiro econômico de Kamala Harris. A vice-presidenta tem vínculos históricos com as grandes empresas de tecnologia – muitas delas financiaram suas campanhas. A BlackRock, a maior administradora de ativos do mundo, até setembro do ano passado supervisionava cerca de US$ 7,8 trilhões em todo o mundo. Juntos, as Big Techs – destacando Twitter, Google, Facebook, Apple e Amazon – e Wall Street apostam impor a hegemonia digital-financeira dos Estados Unidos sobre a economia mundial.  

O debate, portanto, não deve se limitar ao tema da “liberdade de expressão”, embora o trumpismo não seja o melhor exemplo de comportamento democrático nas redes sociais. Aliás, é bom considerar que, em pouco, ou nada, se difere das ações patrocinadas pelos mesmos que agora promoveram seu banimento do mundo digital. 

“Quando vejo a violenta invasão do Capitólio, não consigo deixar de lembrar de Maidan. As mesmas forças atuaram nos mesmos cenários. Por ironia do destino, Biden que as arregimentou para derrubar violentamente o governo de Yanukovitch, agora, é por elas assediado. Está experimentando o próprio veneno, servido a si pelos mesmos fascistas que atuaram a seu mando na Ucrânia”, escreveu o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, em artigo no portal Brasil 247.

O que está em jogo, então, não é a invocada “liberdade de expressão”, mas sim a disputa de um imenso mercado da nova economia, por meio do controle do comércio digital, e a monetização de dados (meus, seus, de todos) como seu principal produto. Assim como antes o poder sobre as terras e, depois, sobre as máquinas, determinava a hegemonia política e econômica das Nações, agora a disputa chegou ao “ciberespaço”. Transformado em “bode”, ou “bisão” expiatório, na imagem vendida para o mundo, Trump unificou os interesses da “nova economia” tecnológica e financeira contra o “velho” Estados Unidos industrial. São as mesmas forças, repetimos, que promoveram, e deverão seguir agindo da mesma forma, “invasões” não apenas de parlamentos, mas de países. Agora, se insurgiram contra Trump, mas o que os impedirá de fazer o mesmo com quem contrariar seus interesses, questionam lideranças em todo o mundo.

As Big Techs querem ficar acima dos governos nacionais para ter a “liberdade” de exercer seu monopólio mundial, cada vez mais articulado com os interesses comerciais e financeiros. O Facebook, por exemplo, está elaborando uma moeda digital, o Whats App obteve autorização do Banco Central do Brasil para realizar transações financeiras. A Amazon, por sua vez, deletou de seu serviço de hospedagem a plataforma da Parler, sob acusação política, de olho em seus usuários. Em todos os movimentos está evidente o avanço das empresas de “comunicação” digital nos mercados comerciais e financeiros do mundo.

Debate não deve se limitar ao tema da "liberdade de expressão", embora o trumpismo não seja o melhor exemplo de comportamento democrático nas redes sociais

Arise News
As Big Techs querem ficar acima dos governos nacionais para ter a "liberdade" de exercer seu monopólio mundial.

A nova “guerra” mundial está instalada, com resistências organizadas em alguns países que tratam o tema em sua verdadeira dimensão. A China aprofundou a regulação dos serviços financeiros no país, cancelando o IPO (Oferta Pública Inicial) na Bolsa de Valores da maior empresa de e-commerce local, a Ali Baba. A acertada medida contou com o apoio dos insuspeitos mega investidores norte-americanos Ray Dalio, fundador e gestor do fundo Bridgewater Associates, o mais lucrativo do mundo, e de Elon Musk, da Tesla. Na Turquia, o presidente Erdogan acusa o “fascismo digital”, enquanto estimula a população a abandonar as redes globais e aderir às plataformas locais de internet. Na Suécia, a sueca Ericsson ameaçou deixar o seu próprio país caso o governo não reverta a decisão de banir a chinesa Huawei e o 5G.  

A “execução digital” de Trump, voltando ao estrito papel das redes sociais, se é que isso ainda é possível, não respeitou qualquer regra ou processo legal da legislação norte-americana. O inédito e festejado banimento do ex-presidente dos Estados Unidos foi decisão privada, executada por empresas privadas, para atender interesses privados, como já falamos. Mais grave ainda, expressou a decisão das grandes corporações digitais de não se submeterem a qualquer regulação do Estado. Ou seja, apresentaram ao mundo uma nova forma, ou nem tão nova assim, de impor seus interesses políticos e econômicos. Uma espécie de substituição dos velhos métodos de guerra convencional por manipulação e controle digital. As guerras saem do terreno puramente físico, territorial, e passam para outra esfera da vida humana. 

“Nem todo país pode ou tem condições de exercer soberania no ciberespaço”, advertiu o articulista Yang Sheng, no site Global Times. A chanceler alemã, Angela Merkel, por exemplo, mesmo discordando de Trump em muitas questões, considerou “problemático” seu despejo do Twitter pela empresa, segundo seu porta-voz Steffen Seibert, em matéria da AP, no dia 11. No futuro, as corporações digitais-comerciais-financeiras podem usar a mesma forma de punição para afastar outros líderes em qualquer parte do mundo, o que já fizeram, ainda que de forma marginal, com as “revoluções coloridas”. Em resumo, para finalizar, os países, e o Brasil em particular, precisam construir suas próprias redes sociais, com controle do Estado e social. É isso, ou viveremos novos tempos de assaltos econômicos e políticos ao poder da noite para o dia. Sem intermediários.



As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Fernando Rosa

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