A próxima vez que um funcionário ou representante do governo estadunidense se atreva a comentar ou criticar outro país pela prevalência da impunidade, a resposta deveria ser emprestar-lhe um espelho.
No que foi qualificado como uma “traição” do presidente ao seu país, um “delito constitucional”, e uma intentona de golpe de Estado para anular a vontade de seu povo, o culpado foi absolvido.
Não é a primeira vez. Este mesmo acusado também foi exonerado no primeiro julgamento político contra ele há 13 meses. Embora nenhum presidente tenha sido submetido a dois julgamentos políticos (algo sem precedentes) e nunca houve tantos dissidentes do partido desse presidente em declará-lo culpado, não é consolo que quase se conseguiu fazer justiça – ao final, os supostos guardiões da ordem constitucional permitiram que o responsável escapasse.
Ao mesmo tempo, Trump e seus cúmplices são responsáveis de que centenas de milhares de estadunidenses estejam mortos por sua negligência e mentiras. A Lancet, uma das revistas de maior prestígio do mundo médico, publicou uma pesquisa de especialistas em saúde pública concluindo que 40% das mortes por Covid-19 eram evitáveis e desnecessárias provocadas pelo mal manejo político da pandemia.
Ninguém está, por ora, acusado de tal barbaridade e quando se pergunta como pode ser isso, respondem que “assim é” neste país.
Youtube/reprodução
O mesmo acusado também foi exonerado no primeiro julgamento político contra ele há 13 meses
Violação de leis e guerra ao terrorismo
Não é nada novo. Vale recordar que nenhum alto funcionário – incluindo o presidente, o procurador geral da república, o chefe do Pentágono ou das agências de inteligência foram julgados por ordenar e levar a cabo detenções arbitrárias, sequestro de suspeitos e tortura – incluindo técnicas que violam tanto as leis nacionais como as internacionais – na chamada “guerra contra o terrorismo”.
Aí está toda essa evidência, as firmas, os testemunhos, fotos e testemunhas (os que não morreram ou os que continuam em Guantánamo e ao redor do mundo), mas nenhum dos responsáveis fugiu porque não são prófugos da justiça. Alguns são professores de lei, outros regressaram ao mundo da “inteligência”.
Ao mesmo tempo, nenhum banqueiro, executivo financeiro ou suposto regulador oficial foi julgado e encarcerado pelo que se considera a maior fraude financeira de história que detonou a “Grande Recessão” de 2007-2008, deixando milhões desempregados, perdendo suas casas e poupanças.
Isso sem falar nos responsáveis de invasões e intervenções contra outros países, nos milhões de mortos que resultaram dessas decisões de “segurança nacional”, muitas das quais provocaram crimes de guerra. E não há espaço para a lista de atos ilegais incluindo apoio a golpes de Estados, financiamento de forças paramilitares ilegais, assassinatos por controle remoto e até alguns que têm que ser definidos como “terrorismo. Como tampouco por separar e sequestrar crianças de seus pais migrantes (igual aos nazistas)
O historiador Howard Zinn dizia que nos Estados Unidos, “as pessoas equivocadas estão encarceradas e as pessoas equivocadas estão fora do cárcere”, como também no caso do poder.
Na mesma semana em que se procedia o julgamento político, Joe Ligon saiu de uma prisão depois de 68 anos – era menor de idade (15 anos) quando foi condenado à prisão perpétua em um dos poucos países que fazia isso com crianças, prática que décadas depois foi qualificada como “cruel e inusual” pela Suprema Corte. As prisões estão superlotadas de pessoas pobres, minorias e imigrantes, mas muito poucos ricos ou ex-políticos de alto nível.
Estados Unidos, se é que deseja ser líder do mundo “não só com o exemplo de sua força, mas pela força de nosso exemplo”, primeiro deve demonstrar seu compromisso com a luta contra a impunidade em sua casa.
David Brooks correspondente de La Jornada em Nova York
La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
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