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"Vacina do povo”: Batalha política por democratização dos imunizantes divide os EUA

"É intolerável que em meio a pandemia, empresas farmacêuticas continuem dando prioridade a seus lucros ao proteger seus monopólios", diz Sanders
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

A prioridade do governo de Joe Biden é contar com suficientes vacinas contra a Covid-19 para toda a população – algo que quase todo político de qualquer país deseja.

Mas políticos e centenas de organizações progressistas estadunidenses rechaçam essa “nacionalismo da vacina” e estão se somando a um apelo internacional a favor de suspender as regras de propriedade intelectual das farmacêuticas para permitir a fabricação mundial de uma “vacina do povo”

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Os Estados Unidos já têm uma quantidade mais que suficiente de vacinas, embora ainda não tenha a capacidade para aplicá-las eficientemente a toda sua população.

No entanto, se logrará superar a meta prometida de Biden de mais de 100 milhões de vacinados em seus primeiros 100 dias, e contará com suficientes doses para todo adulto no país até fim de maio – e com excedente de milhões este ano. 

12% da população já está vacinada

Por ora, os Estados Unidos ainda não estão compartilhando o superávit de vacinas com outros países, incluindo o México – o governo mexicano está à espera de uma resposta de Washington sobre uma solicitação para o excedente da vacina AstraZeneca que os Estados Unidos têm armazenada.

Ao ser perguntado sobre o tema de compartilhar vacinas com aliados, Biden só se limitou a comentar que “estamos falando já com vários países. Deixarei que saibam logo”.

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Mas para alguns críticos, a solução não está só em compartilhar reservas de vacinas, mas sim de que todo país com capacidade para fazê-lo, possa fabricar a vacina e com isso resolver o problema compartilhado por todo o planeta.

O que impossibilita isso não é nada mais complicado que o chamado direito de propriedade intelectual, ou seja, a fórmula patenteada de cada empresa farmacêutica, algo aparentemente sagrado e protegido por leis nacionais e as estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMS).

Vários legisladores democratas estadunidenses e centenas de organizações estão instando a Casa Branca a apoiar a suspensão temporária de algumas das regras de comércio sobre direitos de propriedade intelectual para que possam ser produzidas mais vacinas, tratamentos e testes no nível global.

Essa isenção provisória destes produtos para enfrentar a pandemia foi proposta pela Índia e a África do Sul na OMS, mas Washington e vários países continuam bloqueando.

"É intolerável que em meio a pandemia, empresas farmacêuticas continuem dando prioridade a seus lucros ao proteger seus monopólios", diz Sanders

YouTube |Reprodução
Necessitamos uma Vacina do Povo, não uma Vacina de Lucros”.

Não a “Vacina de Lucros”

O senador Bernie Sanders comentou recentemente: “é intolerável que em meio de uma crise de saúde mundial, enormes empresas farmacêuticas multimilionárias continuem dando prioridade a seus lucros ao proteger seus monopólios… em lugar de dar prioridade à vida das pessoas em toda parte, incluindo o sul global… Necessitamos uma Vacina do Povo, não uma Vacina de Lucros”. 

Hoje o deputado Ro Khanna reiterou que “não há nenhuma razão para dar prioridade aos lucros das empresas farmacêuticas sobre a dignidade das pessoas em outros países”.

Outros têm denunciado a existência de um “apartheid em vacinas” para o mundo.

No fim de fevereiro, o secretário geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, denunciou o fato de que 10 países haviam concentrado até 75% das vacinas contra a Covid-19 enquanto pessoas em mais de 130 países esperavam receber uma dose.

Dias depois agregou: “vemos muitos exemplos de nacionalismo da vacina” em países ricos, e afirmou que “a campanha de vacinação global representa a maior prova moral de nossos tempos”

“A campanha de vacinação global representa a maior prova moral de nossos tempos” – António Guterres

Esta campanha para uma “vacina do povo” está apoiada por uma ampla aliança de mais de 400 organizações incluindo sindicatos nacionais, grupos de direitos humanos, de defesa do consumidor e de saúde pública, entre eles Public Citizen, Anistia Internacional e Oxfam e está buscando que a vacina seja designada como um “bem público global”.

Exigem que Biden se some ao apelo global por uma suspensão das regras da OMS que por ora impossibilitam a produção e distribuição das vacinas e outros tratamentos.

“Depois que os governos investiram bilhões no desenvolvimento das vacinas contra o Covid-19, as drogas estão protegidas por direitos de propriedade privada. Temos que conseguir que as vacinas estejam disponíveis em toda parte se vamos derrotar o vírus em qualquer parte”, afirmou Public Citizen.

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O economista Prêmio Nobel, Joseph Stiglitz, afirmou em entrevista a Democracy Now que a carência mundial de vacinas é “artificial” já que “há muitas empresas em países em desenvolvimento que poderiam produzir quantidades de vacinas em massa se tivessem a propriedade intelectual, se lhes derem acesso à tecnologia”. E advertiu: “Os Estados Unidos não estarão livres da pandemia até que o mundo esteja”

Lori Wallach, diretora do projeto Global Trade Watch de Public Citizen e especialista em comércio, comentou que o governo de Biden “deve colocar-se do lado correto da história e se somar aos mais de 100 países que apoiam uma suspensão de emergência das regras da OMS”, e agregou que se a produção mundial não for acelerada massivamente “muita gente nos países em desenvolvimento não serão vacinados até 2024…isto é uma corrida contra o tempo”. 

No interior dos Estados Unidos também há uma marcada desigualdade diante da pandemia e até agora, em seu tratamento. Desde janeiro de 2020. Pelo menos uma de cada 11 pessoas que residem nos Estados Unidos foram contagiadas pelo vírus, e pelo menos uma de cada 620 faleceu. Mas como foi o caso desde o início, nem todos sofrem igualmente a pandemia. Os afro-estadunidenses, latinos e indígenas são muito mais afetados – até duas vezes mais – que os brancos. Segundo alguns cálculos, os latinos têm três vezes mais o número de mortes por capita que os brancos. 

A vacinação também está enfrentando barreiras raciais com populações mais vulneráveis enfrentando problemas para obter e aplicar a dose. Ao mesmo tempo, algumas sondagens registram que até um terço de latinos dizem que não querem se vacinar. Mas os 70 por cento que desejam fazê-lo ainda não têm acesso fácil em um sistema caótico e inconsistente de vacinação que é administrado por cada estado com suas próprias normas e regras.  

E mais, entre comunidades imigrantes e sobretudo entre os indocumentados há receio a angústia em se apresentar em qualquer agência oficial e isso se complica ainda mais se têm que cumprir os requisitos de comprovar identidade e residência.

A taxa de vacinação para afro-estadunidenses está na metade da dos brancos, e para os latinos essa brecha é ainda maior, segundo uma análise do New York Times.

Ou seja, o “mundo em desenvolvimento” ou o “sul global” também vive dentro do mundo “desenvolvido” no “norte global.

David Brooks correspondente de La Jornada em Nova York

La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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