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ToggleGazal em Louvor de Hafiz
(…) Falaste: “Amarei constante
Aquela que não me quis.”
E as filhas de Samarcanda,
Cameleiros e sufis
Ainda repetem os cantos
Em que choras e sorris.
As bem amadas ingratas,
São pó; tu vives, Hafiz!
(Manuel Bandeira, Petrópolis, 1943)
A reunião do Conselho Ministerial da Organização de Cooperação de Xangai, OCX em Tashkent, na última sexta-feira (29), envolveu alguns assuntos realmente muito sérios. Foi a reunião preparatória chave para a reunião da OCX a se realizar em meados de setembro na mitológica Samarcanda, onde a OCX distribuirá uma muito esperada “Declaração de Samarcanda”,
O que aconteceu em Tashkent foi – como previsto – subnoticiado em todo o Ocidente coletivo; e continua não completamente digerido em vastas áreas do Oriente.
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Assim sendo, coube mais uma vez ao Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, ir direto ao coração da matéria. O mais importante diplomata do planeta – em pleno drama trágico da Era da Não Diplomacia, com Ameaças e Sanções, invenção dos EUA – identificou logo os dois principais temas superpostos que empurram a OCX para a lista das organizações chaves na trilha rumo à integração da Eurásia.
1. Interconectividade e a “criação de corredores de transporte eficientes”. A Guerra dos Corredores Econômicos é um dos traços chaves do século 21.
2. Traçar “o mapa do caminho, para aumentar gradualmente a parte correspondente a cada moeda nacional na compensação bancária dos respectivos pagamentos.”
Na sessão de Perguntas & Respostas, afinal, Lavrov detalhou para todas as finalidades práticas as principais tendências no atual estado incandescente das relações internacionais. Aqui, os principais pontos
Dois Níveis
Reunião do Conselho Ministerial da Organização de Cooperação de Xangai, OCX em Tashkent
O EUA-dólar parece-lhe… confortável?
África: “Definimos que submeteremos à consideração dos líderes propostas de ações específicas para que se concluam os acordos de compensação de pagamentos em moedas nacionais. Creio que agora todos pensarão sobre isso.
A África já tem experiência similar: moedas comuns em algumas estruturas sub-regionais, as quais, mesmo assim, continuam muito amplamente ligadas a estruturas ocidentais.
A partir de 2023, funcionará uma zona de livre comércio para o continente africano. O passo lógico será reforçá-la com acordos monetários.”
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Belarus – e muitos outros países ansiosos para serem admitidos à Organização de Cooperação de Xangai: “Há amplo consenso quanto à candidatura de Belarus (…). Senti hoje.
Há vários candidatos ao status de observador, parceiro de diálogo. Alguns países árabes mostram interesse, como também Armênia, Azerbaijão e vários estados asiáticos.”
Diplomacia dos grãos: “Quanto aos grãos russos, foram as sanções impostas pelos EUA que impediram, dadas as restrições criadas, que se implementassem os contratos já assinados: navios russos foram impedidos de entrar em vários portos, navios estrangeiros estão proibidos de entrar em portos russos para carregar, e os preços dos seguros subiram muito. (…)
Cadeias financeiras também estão interrompidas por sanções ilegítimas impostas por EUA e União Europeia (UE). Em particular, o banco Rosselkhozbank, que faz a compensação dos principais contratos de pagamento relacionados a alimentos, foi um dos primeiros incluídos na lista de sanções.
O secretário-geral da ONU A. Guterres comprometeu-se a remover essas barreiras, para superar a crise dos alimentos. Vamos esperar.”
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Taiwan: “Não discutimos essa questão com nosso colega chinês. A posição da Rússia, de que a China é só uma, permanece inalterada. Os EUA periodicamente confirmam verbalmente essa mesma linha, mas o que fazem, sua prática, não coincide com as palavras. Não temos qualquer problema em afirmar o princípio da soberania da China.”
A OCX deve abandonar o EUA-dólar? “Cada país da OCX deve decidir por si o quanto se sente confortável em confiar no EUA-dólar, levando-se em conta a absoluta inconfiabilidade dessa moeda. Abusos são sempre possíveis. Os norte-americanos já se serviram deles mais de uma vez, em suas relações com vários estados.”
Por que a OCX é importante: “Na OCX não há líderes e seguidores ou subalternos. Não há na OCX situações como as que são corriqueiras na Otan, quando EUA e aliados mais próximos impõem uma ou outra linha de ação a todos os membros da aliança. Na UE, temos hoje uma situação que não acontece na Organização de Cooperação de Xangai: países soberanos estão sendo literalmente nocauteados, e exigem deles que ou parem de comprar gás ou reduzam o consumo, mesmo que assim violem-se planos e interesses nacionais.”
Lavrov também empenhou-se para explicar como “outras estruturas no espaço da Eurásia – por exemplo, a União Econômica Eurasiana, UEE, e o Brics – baseiam-se nos mesmos princípios” que a OCX, e operam a partir deles. E fez referência à cooperação crucialmente importante com os dez estados membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático, ANSA (ing. ASEAN).
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Assim, estava pronto o cenário para o grande momento: “Todos esses processos, em interconexão, ajudam a formar a Parceria da Eurásia Expandida, da qual o presidente Vladimir Putin tem falado repetidas vezes. Vemos nesses processos benefício para toda a população do continente eurasiano.”
Aquelas vidas afegãs e árabes
A grande verdadeira história dos Raging Twenties [lit. Furiosos Anos Vinte] é o modo como a Operação Militar Especial, OME, na Ucrânia, foi o ‘tiro de partida’ para “todos esses processos”, na expressão de Lavrov, levando simultaneamente à inexorável integração da Eurásia.
Mais uma vez, Lavrov teve de relembrar dois fatos básicos que continuam a escapar até às análises mais sérias, em todo o Ocidente coletivo:
Fato 1: “Todas as propostas que fizemos para que fossem removidos [todos os ativos relacionados à expansão da Otan], a partir do princípio do mútuo respeito a interesses de segurança, foram ignorados pelos EUA, pela UE e pela Otan.”
Fato 2: “Quando o idioma russo foi banido na Ucrânia, e o governo ucraniano promoveu teorias e práticas neonazistas, o Ocidente não se opôs e, ao contrário, estimulou as ações do regime de Kiev e elogiou a Ucrânia como ‘fortaleza da democracia’. Países ocidentais forneceram armas ao regime de Kiev e planejaram construir bases navais em território ucraniano. Todas essas ações visavam abertamente a conter a Federação Russa. Durante dez anos repetimos que esses movimentos são inaceitáveis.”
Importante e eloquente que Lavrov tenha, mais uma vez, posto Afeganistão, Iraque e Líbia em contexto: “Relembremos o exemplo do Afeganistão, onde até cerimônias de casamento foram alvo de ataques aéreos. Ou Iraque e Líbia, onde as estruturas do próprio estado foram completamente destruídas, e muitas vidas humanas foram sacrificadas.
Quando estados que facilmente executam políticas daquele tipo fazem hoje tanto barulho sobre a Ucrânia, só posso concluir que vidas de afegãos e árabes não signifiquem nada para governos ocidentais. É de se lastimar muito. Duplos padrões, esses instintos racistas e coloniais têm de ser eliminados.”
Putin, Lavrov, Patrushev, Medvedev têm chamado a atenção ultimamente para o caráter racista, neocolonial da matriz do Otanistão.
A OCX e outras organizações paneurasianas jogam jogo completamente diferente: jogam jogo respeitoso, consensual. E aí está a razão pela qual todo o Sul Global mantém-se concentradamente atento. Próxima parada: Samarcanda.
Pepe Escobar | Jornalista e analista de geopolítica.
Tradução: Vila Mandinga.
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