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Trump é alvo da mesma lei contra espionagem que usou para perseguir Assange

Ex-presidente e apoiadores ultra-direitas têm chamado operação do FBI de caça às bruxas motivada pela “esquerda radical”
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

O ex-presidente Donald Trump, que está sob investigação criminal por violações potenciais da Lei de Espionagem e por obstrução da justiça, revelou a ordem judicial que autorizou a busca em sua residência na Flórida no último dia 8.

Segundo o recibo oficial de materiais confiscados pelo FBI na busca da mansão de Trump – que, assim como a ordem judicial de busca, foi tornado público primeiro em informações de jornais e depois por um juiz federal – foram encontrados documentos marcados como “top secret”, “secreto” e “confidencial”. 

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Os agentes tomaram posse de um total de 11 séries de documentos onde, além de materiais altamente classificados, também havia arquivos relacionados com o presidente francês, Emmanuel Macron, e fotos. Não se ofereceu maiores detalhes sobre os documentos. 

Na última sexta-feira (12), a ordem de busca e seus anexos públicos revelaram que a operação do FBI realizou-se porque o Departamento de Justiça tem evidência do que se chama “causa provável” contra Trump, por delitos potenciais relacionados à Lei de Espionagem de 1917.

Ela proíbe a posse não autorizada de informação oficial que poderia “prejudicar” os Estados Unidos ou ser útil aos seus adversários. Também gira em torno de possíveis violações a outras duas leis federais que qualificam como delito ocultar ou destruir documentos para obstruir uma investigação oficial e retirar de maneira indevida documentos oficiais. 

Ex-presidente e apoiadores ultra-direitas têm chamado operação do FBI de caça às bruxas motivada pela “esquerda radical”

Gage Skidmore – Flickr

Trump havia se oposto à divulgação de detalhes da operação ao público




“Campeão da Transparência”

Na noite de quinta-feira, o ex-presidente declarou que não se oporia à divulgação pública da ordem de busca nem à lista de materiais confiscados, pretendendo ser campeão da transparência.

Na sexta, ele reiterou que estava disposto a cumprir com qualquer solicitação para entregar os documentos às autoridades e que era desnecessária a operação do FBI. No entanto, não mencionou que poderia ter divulgado a ordem e a lista desde segunda-feira passada (8). 

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Em um comunicado na sexta, Trump não só sublinhou que foi desnecessária a busca, mas também que todos os documentos já haviam sido desclassificados. Isto já é outro eixo de debate, já que os presidentes têm a autoridade de desclassificar documentos.

No entanto, alguns assinalam que não se pode fazê-lo com todos, especialmente aqueles com a mais alta classificação, enquanto outros perguntam quando e como Trump desclassificou, caso seja verdade, os documentos que foram confiscados na busca. Mesmo assim, sob a Lei de Espionagem isso poderia ser irrelevante, já que ela não define se os documentos que protege são ou não classificados.


Trump: Mais do mesmo

E como é de seu costume, no mesmo comunicado Trump atacou a outros, neste caso seu antecessor, declarando que “o problema maior é: o que farão com as 33 milhões de páginas de documentos, muitos dos quais são classificados, que o presidente (Barack) Obama levou com ele a Chicago?”.

Como costuma ser o caso de suas declarações, esta acusação é falsa: a administração dos Arquivos Nacionais, depósito de documentos oficiais presidenciais, confirmou ao New York Times que Obama não ficou com nenhum dos documentos, tal como estabelece a lei. 

Trump continuou usando tudo isto para arrecadar fundos, com uma de suas organizações políticas, Save America, enviando uma correspondência que dizia: “lhes advertimos que isto aconteceria… Quando vão contra ele, na verdade, vêm atrás de vocês… O presidente Trump nunca deixará de trabalhar para salvar os Estados Unidos, mas necessita saber se conta com seu apoio”. 

No entanto, desde que se começou a revelar a possibilidade de que Trump tinha em sua posse documentos secretos que poderiam ter graves implicações de segurança nacional, de repente se reduziram – e alguns se silenciaram – os iniciais protestos e denúncias furiosas de legisladores e outros políticos republicanos. 

Por sua vez, o presidente do Comitê de Inteligência da Câmara Baixa, o democrata Adam Schiff, emitiu uma declaração na qual afirmou que “se os reportes são precisos e o conteúdo entre estes documentos incluem algumas das informações mais altamente classificadas de nosso governo… isso explica muito por que o Departamento [de Justiça] e o FBI tomaram a decisão de obter uma ordem de busca para recuperar os documentos”.


Mesma lei

Vale assinalar que a Lei de Espionagem de 1917, que está no centro desta investigação contra o ex-presidente neste caso, é a mesma que o governo de Trump usou para acusar e perseguir o fundador do Wikileaks, Julian Assange, em 2019. 

O governo de Barack Obama a empregou em uma ofensiva sem precedentes contra oficiais de inteligência e funcionários que revelaram informação classificada a jornalistas, incluindo Chelsea Manning e Edward Snowden.  

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E para aumentar ainda mais as ironias, foi Roy Cohn, o grande mentor de Trump e a mão direita do senador anticomunista Joe McCarthy (o do “macartismo’), que participou como um promotor no processo de julgar e executar Julius e Ethel Rosenberg nos anos cinquenta, ao serem acusados de violar essa mesma Lei de Espionagem. 

Enquanto isso, há acusações de que o site digital ultradireitista Breitbart publicou os nomes dos agentes do FBI que realizaram a busca na residência de Trump em Palm Beach, Flórida, e que foi o próprio Trump ou seus cúmplices divulgaram a ordem de busca sem tachar os nomes dos agentes.


Antecedente

Isto, depois de que nesta mesma semana um homem armado vinculado a forças ultradireitistas tentou ingressar nos escritórios do FBI em em Cincinnati, Ohio, onde o órgão emitiu alertas sobre um incremento de ameaças de violência contra seus agentes nesta semana.

Depois de fugir do edifício e ser perseguido por horas em estradas, o homem foi baleado por policiais e morreu na zona rural. Segundo informação extraoficial reportada pela AP, o suspeito identificado como Ricky Shiffer, de 42 anos, pode ter participado do assalto ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, e é investigado por possível vínculo com ultradireitistas.  

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Em outra frente, Trump sofreu mais um golpe no âmbito legal quando um juiz estadual de Nova York negou descartar o caso criminal contra a empresa da família Trump, a Organização Trump, e seu chefe financeiro, Allen Weissenberg, mantendo assim um julgamento para o outono.

O ex-diretor financeiro da Organização Trump, Allen Weisselberg, ao chegar ontem à corte onde foi notificado do início do julgamento (La Jornada)

As empresas e o chefe de finanças foram formalmente acusados no ano passado por manobras para obter maior compensação e evadir impostos. Os acusados solicitaram que o caso fosse descartado, argumentando que era um assunto politicamente motivado. O juiz recusou esse argumento na sexta-feira (12).


Passo atrás sobre a divulgação pública

No que se tornou um enfrentamento inusitado entre Trump e as máximas autoridades federais de justiça dos Estados Unidos, o procurador-geral Merrick Garland anunciou que pessoalmente autorizou a decisão de solicitar a ordem de busca na mansão de Donald Trump.

Além disso, em essência um desafio direto ao ex-presidente, Garland afirmou que solicitou ao juiz federal que aprovou a operação que a tornasse pública.

Na quinta (11), o Washington Post publicou que, entre os materiais que se buscavam, haviam documentos oficiais relacionados com armas nucleares que seriam segredos do mais alto nível, embora não se saiba se estavam entre os materiais localizados e retirados da residência do ex-presidente.

Trump e seus aliados condenaram a busca como um ato politicamente motivado e uma perseguição da “esquerda radical democrata” – em referência às múltiplas investigações criminais e civis contra o presidente no nível federal e estadual – cujo propósito é evitar que se candidate de novo à presidência em 2024.


O que diz o procurador-geral

Ainda na quinta, o procurador-geral e chefe do Departamento de Justiça, Merrick Garland, revelou em uma entrevista coletiva – nas primeiras declarações oficiais sobre a operação – que ele pessoalmente autorizou a decisão de apresentar uma solicitação a um juiz federal para uma ordem de busca.

Reconhecendo que o silêncio oficial das autoridades, desde que se realizou a busca, abriu um vazio no qual Trump e outros políticos fizeram uma série de ataques, Garland explicou que “grande parte do nosso trabalho, por necessidade, é levado a cabo longe do olho público. Fazemos isso para proteger os direitos constitucionais de todos os estadunidenses e para proteger a integridade de nossas investigações”.

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Em sua concisa e muito breve declaração, que só durou alguns minutos, Garland explicou que, sob a lei e as regras do departamento, por ora não se poderia divulgar maiores detalhes sobre as razões da busca.  Ele sublinhou, no entanto, que “defender o império da lei significa aplicar a lei de forma igualitária, sem temor nem favor”.

Ao mesmo tempo, seu departamento decidiu jogar uma carta que obrigava Trump a decidir publicamente se desejava ou não que conhecessem mais detalhes da busca e da investigação.

O Departamento de Justiça, segundo Garland, registrou uma solicitação formal ao juiz federal Bruce Reinhart para tornar pública essa ordem de busca junto com o inventário dos materiais que foram encontrados e retirados pelo FBI da mansão de Trump, na Flórida. A solicitação foi confirmada pelo chefe de contrainteligência do Departamento de Justiça, Jay Bratt.

Com isso, de fato desafiaram Trump a decidir se desejava que fossem divulgados maiores detalhes sobre a investigação que enfrenta. No entanto, a solicitação ao juiz não incluiu tornar pública a evidência que foi arrecadada pelas autoridades.


Compartilhamento

O juiz, em resposta à solicitação, emitiu uma ordem obrigando o Departamento de Justiça a compartilhar uma cópia de sua solicitação aos advogados de Trump, os quais teriam até a tarde de sexta (12) para informar ao juiz se o ex-presidente se oporia ou não a divulgar ao público a ordem de busca.

Agora, a controvérsia política sobre a operação sem precedentes de uma busca em uma residência do ex-presidente gira em torno do quão importantes e secretos são os documentos – por exemplo, se incluem informações sobre armas nucleares e outra questão delicada de segurança nacional.

David Brooks | Correspondente do La Jornada.
Tradução: Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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