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EUA celebram 200 anos de relações com Chile e Argentina sem mencionar golpes de Estado

Segundo Antony Blinken, história entre Washington e Buenos Aires foi marcada por "compromisso compartilhado à democracia"
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Na semana passada, o governo Joe Biden emitiu declarações festejando o bicentenário de relações com o Chile e a Argentina, tudo feito com excelente retórica e um grande talento diplomático. Enquanto proclamava que tudo era para o bem de todos, logrou omitir o apoio de Washington para golpes de Estado, torturas, desaparecimentos e outras coisas desagradáveis na longa história entre Washington e América Latina. 

Será que os encarregados da política exterior não lembram, ou é porque a amnésia seletiva é necessária para as artes “diplomáticas”?

Anatomia de um golpe I: A história do 11 de setembro no Chile, por Paulo Cannabrava Filho

O secretário de Estado, Antony Blinken, emitiu uma declaração em 27 de janeiro para marcar o bicentenário das relações entre os Estados Unidos e o Chile, afirmando que “valorizo o compromisso do Chile a nossas metas de promover a democracia e o império da lei, salvaguardando e protegendo os direitos humanos, promover a inclusão social e a igualdade…”

Será verdade que Washington esqueceu o primeiro 11 de setembro, o de 1973 no Chile? Quando ganhou Salvador Allende em 1970, Washington contemplou duas propostas para promover o câmbio de regime: uma era, como resumiu o próprio Nixon, “fazer com que a economia gritasse” através de sanções, desinformação e sabotagem.

A outra, preferida pelo então Assessor de Segurança Nacional Henry Kissinger, era preparar um golpe de Estado, o que se logrou em 1973 e que levou à morte de pelo menos 3 mil pessoas e a fuga de milhares mais. 

Não vejo por que necessitamos manter-nos quietos e observar um país tornar-se comunista só pela irresponsabilidade de seu próprio povo”, declarou Kissinger em 27 de junho de 1970 diante do que se chamava Comitê quarenta, o grupo de operações clandestinas que encabeçava, ao justificar a campanha de intervenção que se ordenou para evitar a eleição de Allende nesse ano e três anos depois sua derrocada.

Anatomia de um golpe II: A história do 11 de setembro no Chile, por Paulo Cannabrava Filho

A ameaça, segundo Kissinger, era que “o exemplo de um governo marxista eleito exitoso no Chile seguramente teria um impacto sobre… outras partes do mundo”, incluindo a Europa.  Veja documentos oficiais desclassificados sobre e após o golpe aqui.

Em setembro deste ano se marcará o 50º aniversário do golpe no Chile. O governo Biden se atreverá a reconhecer o papel de Washington?

Segundo Antony Blinken, história entre Washington e Buenos Aires foi marcada por "compromisso compartilhado à democracia"

US.Gov
Amnésia conveniente deixa impune os responsáveis de políticas que tanto minaram a democracia e os direitos humanos no passado




Argentina

No mesmo dia em que festejou o bicentenário de relações com o Chile, Blinken também declarou que se marcavam 200 anos de relações diplomáticas “e amizade” com a Argentina e expressou seu agradecimento “pela associação cálida e produtiva que nossos dois países compartilharam ao longo dos dois últimos séculos”.

Ressaltou que desde 1823 até hoje a relação foi marcada por “nosso compromisso compartilhado à democracia, o império da lei, direitos trabalhistas e direitos humanos”. 

Morreu Videla, o canalha

Mais de dois anos depois do golpe no Chile, a partir de 1976, Kissinger, já então secretário de Estado, deu luz verde à repressão na Argentina sob o governo militar golpista que acabaria assassinando, torturando e sequestrando mais de 30 mil pessoas na “guerra suja”. Documentos oficiais desclassificados comprovam a aprovação por Washington da guerra suja.

Em 2016, no 40º aniversário do golpe na Argentina, o presidente Barack Obama foi a Buenos Aires, prometeu entregar documentos oficiais desclassificados sobre a guerra suja e “lamentou” o “fracasso” de Washington em reconhecer a repressão e a violação de direitos humanos. Os Estados Unidos, disse, “têm que examinar suas próprias políticas também, e seu próprio passado. Temos sido lentos em declarar-nos pelos direitos humanos, como foi o caso aqui”.  

Ainda estamos esperando.

Enquanto isso, esta amnésia conveniente deixa impune os responsáveis de políticas que tanto minaram a democracia e os direitos humanos no passado e, ainda pior, seguem aplicando as mesmas políticas contra outros regimes que desejam mudar (aparentemente a falta de memória condena a mais do mesmo).

Bônus musical, em memória de David Crosby

David Brooks | Correspondente do La Jornada em Nova York.
Tradução: Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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