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Como sindicalismo transformou a Califórnia no bastião progressista mais importante dos EUA

Republicanos hoje só contam com 24% do eleitorado do estado, enquanto Los Angeles é considerada “cidade santuário” para migrantes
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Ao longo das três últimas décadas, o poder combinado dos imigrantes do México e da América Central e seus filhos e filhas com os sindicatos foram a chave para derrocar as forças conservadoras e transformar Los Angeles e a Califórnia no bastião progressista mais importante nos Estados Unidos.

“Se alguém olha a nova classe trabalhadora de Los Angeles, é predominantemente uma classe de trabalhadores imigrantes latinos”, afirma Kent Wong, vice-presidente da Federação de Professoras da Califórnia (o grêmio estadual) e diretor do Centro Laboral da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). “isso revitalizou o movimento laboral de Los Angeles e da Califórnia e levou a uma mudança sem precedentes”.

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Gaspar Rivera Salgado, diretor do Centro de Estudos sobre o México da UCLA, está de acordo. “Eu creio que passaram coisas na Califórnia e em Los Angeles que valeria a pena entender para entender os Estados Unidos”. O sociólogo explica que quando se analisa este país hoje, sobretudo fenômenos como o clima anti-imigrantes no Texas e na Flórida, se costuma focar em variáveis como mudanças demográficas, identidade racial, guerras culturais e a retórica de alguns políticos. “A parte que falta… é a história e o papel do movimento sindicalista”, sublinha. 

Em entrevista por separado ao La Jornada, Wong e Rivera Salgado recordam que há 30 anos a Califórnia era a ponta de lança para políticos anti-imigrantes e conservadores, primeiro com o governador Ronald Reagan, e depois Pete Wilson e seu Partido Republicano no controle da entidade. Wilson, que anunciou sua corrida para reeleição com vídeos de mexicanos cruzando a fronteira, colocou no centro de sua campanha para governador a medida conhecida como Proposição 187, que ordenava expulsar 400 mil crianças imigrantes das escolas públicas e negar a elas serviços públicos, inclusive da saúde, para os imigrantes. Wilson triunfou.

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Três décadas depois, o concílio de Los Angeles aprovou neste mês uma medida proclamando que esta é uma “cidade santuário” e que ordena não usar fundos para apoiar leis de anti-migração, enquanto que o governo estadual está outorgando assistência financeira para pessoas indocumentadas. De fato, os republicanos hoje só contam com 24% do eleitorado do estado e o único republicano a ganhar um posto estadual nos últimos 20 anos foi um imigrante liberal, Arnold Schwarzenegger. Como isto aconteceu? 

A chave para entender esta transformação é um nexo entre o movimento de trabalhadores e líderes latinos e o sindicalismo. Parte de sua origem pode ser percebida em uma nova geração de líderes sindicais latinos que começaram a mudar o movimento laboral nos anos 1970 e 1980. “As primeiras lutas foram para democratizar o movimento sindical”, explica Rivera Salgado. Recorda que nos anos 1970 líderes de sindicatos na Califórnia recusavam oferecer tradução ao espanhol em suas reuniões apesar de a maioria de seus membros serem hispano falantes. Mas, com o tempo, novos militantes de comunidades imigrantes começaram a fixar mudanças internas dentro dos grêmios e com isso começaram a transformar os sindicatos. 

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Republicanos hoje só contam com 24% do eleitorado do estado, enquanto Los Angeles é considerada “cidade santuário” para migrantes

SEIU Local 99/Flickr
Protesto exige café da manhã em escola de Los Angeles – 30/04/2023

Novos dirigentes eleitos como María Elena Durazo, do grêmio de trabalhadores de hotéis, e Miguel Contreras, que chegou a ser presidente da central operária da cidade, e líderes de campanhas dinâmicas para organizar trabalhadores migrantes como o Justice for Janitors e os que atendem necessidades de enfermos ou de terceira idade em seus lares, colocaram como sua primeira prioridade a organização laboral. O sindicato nacional de serviços SEIU, onde Wong foi advogado, estava na vanguarda destes esforços. “Conseguimos sindicalizar 74 mil trabalhadores de atendimento domiciliar, a maioria mulheres de cor, em 1999; agora há mais de 500 mil trabalhadores de atendimento domiciliar sob contrato coletivo no estado da Califórnia”, explica Wong.

No centro laboral da UCLA, em frente ao Parque MacArthur, Wong comenta que “Los Angeles foi a vanguarda da organização de trabalhadores latinos migrantes, como também da construção de poder político, em fixar alianças entre grêmios e comunidades, em desenvolver campanhas de organização estratégica, em buscar alianças com comunidades de cor e com comunidades religiosas. Todas essas coisas foram tratadas de fazer em outras partes do país, aqui e lá, mas em termos de uma agenda integral não há outro lugar no país que se pareça com Los Angeles neste sentido”.

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A organização social durante estas três últimas décadas se traduziu também em poder político. Os sindicatos, explicou Wong, estiveram “organizando trabalhadores migrantes para listar votantes latinos, para que aqueles com papéis de residência se convertessem em cidadãos, e para que os já cidadãos se inscrevessem e participassem em eleições em números sem precedentes. Com tudo isso mudaram completamente a balança política da Califórnia. 

Frutos destes esforços foram demonstrados no ano passado quando a afro-estadunidense progressista Karen Bass ganhou a eleição para ser prefeita de Los Angeles (a primeira mulher em ocupar o posto para governar a segunda maior cidade do país). Seu primeiro ato como prefeita eleita foi visitar a federação sindical do condado. “Parte do seu êxito foi entender que não era só uma política de cor, mas que era uma política progressista, a candidata que entende os pobres, entende as pessoas de cor, entende as mulheres, os sindicatos e que é necessário pensar em coalisões”, diz Rivera Salgado. “Não se pode ganhar a cidade de Los Angeles sem construir uma coalisão”. Esse triunfo foi só pela mobilização dessa coalizão contra um adversário multimilionário que investiu mais de 100 milhões de dólares de sua fortuna para tentar comprar a eleição. 

Não é que tudo dentro dessa coalizão e do movimento laboral esteja resolvido. “Há sempre um debate, há sempre uma luta. Nem todos os sindicalistas estão abertos a uma política pró internacionalista”, aponta Rivera Salgado. Mas essa coalizão, cujo eixo são os migrantes latinos e os sindicatos, explica a diferença com o que se vive em outros lugares, como Texas ou Florida. Ele aponta que nesses estados, apesar de terem uma ampla população latina, não existe uma densidade sindical.

David Brooks e Jim Cason | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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