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ToggleA relação bilateral entre os Estados Unidos e Brasil se aproxima do seu bicentenário no próximo ano. O estabelecimento das relações diplomáticas entre as duas nações data do século XIX, mais precisamente do ano de 1824.
Um período politicamente importante para o Brasil, marcado pelos dois anos de sua independência do Reino de Portugal e pelo estabelecimento do Quarto Poder no cenário político brasileiro recém-criado: o Poder Moderador, que surgiu com a promulgação da Constituição brasileira de 1824.
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Os Estados Unidos reconheceram a independência do Brasil rapidamente. Como justificativa para esse acontecimento, pode-se considerar, em especial, o guarda-chuva dos Estados Unidos com a América existente à época: a Doutrina Monroe. Essa política externa norte-americana foi inaugurada no discurso anual do presidente ao Congresso (Estado da União, ou SOTU, na sigla em inglês), sob o lema “América para os Americanos”.
A Doutrina foi instituída durante o governo do presidente James Monroe (1817-1825) e tinha como objetivo a inibição da influência dos colonizadores europeus sobre os países da região, já considerada área de influência norte-americana.
O ano de 1905 é relevante para ambos os países, dado que ocorreu a instalação das Embaixadas diplomáticas em seus respectivos territórios. O primeiro embaixador norte-americano no Brasil foi David E. Thompson, e o primeiro embaixador brasileiro em Washington, Joaquim Nabuco.
Por conseguinte, a partir de 1936, instaurou-se a convenção das visitas presidenciais, tendo como estreante, em visita ao Brasil, o presidente Franklin Delano Roosevelt (1933-1945). O primeiro presidente da República brasileiro a cumprir esse protocolo foi Eurico Gaspar Dutra (1946-1941), em 1949.
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O atual presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, visitou os Estados Unidos em 2006, durante seu primeiro mandato presidencial (2003-2006). Na época, o presidente estadunidense era George W. Bush (2001-2009).
Já o atual presidente norte-americano, Joe Biden, esteve no Brasil quando exercia a função de vice-presidente durante o governo Barack Obama (2009-2017). Portanto, observa-se que a relação entre os atuais chefes de Estado não teve início em 10 de fevereiro passado, com a visita oficial do governo brasileiro. Ela foi sendo construída ao longo dos últimos anos.
Apesar da relação diplomática histórica entre os dois países, nos quatro anos em que o Brasil esteve sob o governo de Jair Bolsonaro (2018-2022), a relação foi conduzida de maneira diferente do habitual.
Foto: Erin Scott/Casa Branca
Joe Biden e Lula durante encontro na Casa Branca em 10 de fevereiro de 2023
(Des)governo bolsonarista na política externa brasileira
No decorrer das décadas, as relações bilaterais entre Estados Unidos e Brasil se construíram de forma robusta e sólida, sobretudo no que tange às questões econômicas. Esse relacionamento iniciou, no entanto, um processo de modificação durante o governo Bolsonaro, quando foi feita a opção pelo alinhamento total e acrítico aos Estados Unidos, demonstrando esse apoio em órgãos multilaterais. A título de exemplo, alguns temas tiveram um apoio mais restrito, em especial pela retórica, como no caso da crise na Venezuela.
Em contraponto aos governos anteriores, o alinhamento aos Estados Unidos, por vezes, mostrava-se como uma subserviência brasileira em temas de interesse norte-americano. Historicamente, a política externa brasileira procurou manter a autonomia nas suas decisões, por meio do Itamaraty. Com o esvaziamento da instituição, em especial durante a gestão do então chanceler Ernesto Araújo, a política que deveria ser de Estado se mostrou, no âmbito internacional, como uma política de governo.
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Desse modo, espera-se, com a mudança de governo no Brasil, e um pouco anteriormente nos Estados Unidos, que a relação bilateral tenha conseguido retornar à “normalidade” que a construção histórica evidencia.
Assim, o encontro entre os dois chefes de Estado, em 10 de fevereiro, mostrou estar mais para um engajamento na retomada de uma política externa ativa e autônoma e, sobretudo, pela retomada da exemplificação da democracia no continente. Todavia, a relação não está totalmente “pacificada”.
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A Cúpula de Brasília, reunião entre os países da América do Sul, ocasionou um certo estranhamento aos Estados Unidos, com a justificativa de que a Venezuela não tem sido um país democrático nos últimos anos. Com efeito, a (re)construção da bilateralidade vai demorar mais que o pretendido pelo governo brasileiro.
Aperto de mão das democracias e suas simbologias
O emblemático evento do 6 de janeiro nos Estados Unidos repercutiu pelo mundo, especialmente no Brasil de Bolsonaro. Com a vitória do presidente Lula nas urnas, o temor de possíveis atentados cresceu significativamente, formando uma rede de segurança para sua posse, um evento marcado por sua simbologia e importância para a democracia brasileira. Esta última foi, mais uma vez, menosprezada pelo antecessor que preferiu, às vésperas da virada do ano, viajar para os Estados Unidos.
Em seu discurso de posse, Lula advertiu que buscará em seu novo mandato “reconstruir o diálogo ativo e altivo com os Estados Unidos”, procurando romper com o isolamento internacional que pairou sobre a política externa brasileira nos últimos quatro anos. A visita de 10 de fevereiro era a mais esperada desde a vitória na eleição, pois mostraria como se daria a reconstrução da relação com o governo norte-americano.
O encontro foi marcado mais pelo viés político do que econômico, sendo este último o setor que se estreitou na relação bilateral por décadas. A discussão política é essencial no momento, antes da retomada e do aprofundamento da discussão nos outros setores, e se mostrou alcançada com êxito. Entre os temas abordados, três ganharam maior destaque: democracia e respeito aos direitos humanos; meio ambiente; e instabilidade internacional ocasionada pela Guerra na Ucrânia.
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Após o encontro, um comunicado conjunto foi publicado, no qual ambos os chefes de Estado “reafirmaram a natureza vital e duradoura da relação Brasil-EUA”. Apesar da declaração, nos dois primeiros temas (democracia, Direitos Humanos e meio ambiente), os presidentes convergiram em sua visão, mas isso não aconteceu em relação ao cenário internacional, notadamente, sobre a Guerra na Ucrânia.
A simbologia da visita entre as partes não acaba após esse encontro, dado que, em 2024, serão celebrados os 200 anos da relação bilateral. Será um ano importante para o democrata, já que ocorrerá a corrida presidencial no país.
Assim, diplomatas envolvidos nesse processo protocolar vislumbram, no bicentenário, reconstruir o que ocorreu em 26 de maio de 1824: o reconhecimento da independência do Império do Brasil. Não por acaso, 2024 será de grande simbologia: o resgate da defesa da democracia no encontro entre Biden e Lula, assim como representou à época o de James Monroe e José Silvestre Rebello.
Antes do encontro formal em Washington, em 7 de fevereiro Biden fez seu discurso anual ao Congresso norte-americano (State of The Union, versão em português). Na ocasião, seu foco consistiu na política doméstica. Apesar de ter tocado brevemente em política externa, o Brasil não foi citado. O que não difere dos seus documentos de Defesa, nos quais, claramente, o centro da política externa norte-americana se volta para a região do Indo-Pacífico, não tendo um projeto claro direcionado para a América, sua histórica área de influência
O governo Lula não direciona, por sua vez, um alinhamento estrito aos Estados Unidos, apesar de citá-lo e enfatizar a necessidade da reconstrução dos laços. Visto isso, três temas devem ser acompanhados com atenção nos próximos anos para compreender como se darão as relações Brasil-Estados Unidos:
Democracia
O tema central do encontro convergiu nas visões dos dois chefes de Estado. Ambos condenaram o discurso de ódio que ainda percorre os dois países, assim como reafirmaram a intenção de trabalharem juntos no combate à desinformação. Para mais, firmaram compromissos no fortalecimento das instituições entre os dois países, a longo prazo. No que tange aos direitos humanos, debateram a ampliação, por meio da cooperação, dos direitos sociais, trabalhistas, de gênero, equidade e justiça racial, assim como das pessoas LGBTQIA+.
Para isso, comprometeram-se a revitalizar a “Ação Conjunta Brasil-EUA para a eliminação da discriminação étnico-racial”. Esse é um tema de suma relevância para ambas as nações, já que o racismo estrutural persiste na sociedade e se acentuou ao longo dos últimos anos com os (des)governos bolsonaristas e trumpistas, em que o índice de ações violentas cresceu, como mostram os casos, entre outros, de George Floyd, nos Estados Unidos, e do menino Jonathan Duran, de apenas 8 anos, no Brasil.
Meio ambiente
A crise climática é a prioridade urgente para ambos os lados, que preconizam o favorecimento de um desenvolvimento sustentável e a transição energética. Como resposta à discussão, tanto Biden quanto Lula defenderam a retomada do Grupo de Trabalho de Alto Nível Brasil-EUA sobre Mudança do Clima (GTMC), criado em 2015.
Outro ponto sensível é o Fundo Amazônia. Tratativas foram apontadas para que os Estados Unidos contribuam para o fundo, mas respeitando a soberania brasileira sobre seu território. Vale recordar que, em décadas passadas, os Estados Unidos propuseram uma governança global sobre a Amazônia. No entanto, o governo brasileiro manteve seu posicionamento contrário, em respeito à sua soberania.
Por fim, Lula defendeu a ideia de uma governança global do clima. Esta, visa à criação de mecanismos que viabilizem a aprovação e a fiscalização de medidas que tendem a reduzir os impactos sobre as mudanças climáticas. Além disso, Lula defendeu uma agenda antiga do seu governo, que, infelizmente, voltou ao centro do debate: a fome, a pobreza e a segurança alimentar. Nesse ponto, ambos os presidentes concordaram em promover a cooperação econômica para o combate a esses problemas.
Cenário internacional
O assunto é considerado “espinhoso” na discussão. Apesar de várias temáticas convergentes, nesta os países divergem em sua visão. Os Estados Unidos criticam o governo brasileiro por sua “neutralidade” no conflito na Ucrânia. Apesar da crítica, o Brasil mantém sua tradição na condução da política externa em relação ao conflito no Leste Europeu, não surpreendendo a comunidade internacional.
O presidente Lula reforçou a necessidade da condução de um grupo para mediação do fim do conflito, bem como a retomada da discussão sobre a crise nuclear de 2010, envolvendo o Irã. Em síntese, com respeito à instabilidade internacional, o Brasil deu seu recado de que está de volta ao tabuleiro geopolítico e buscará seu protagonismo, ao mesmo tempo que o governo norte-americano também deixou evidente que não há um projeto concreto entre Brasil-EUA sobre esse tema.
Yasmim Reis | Pesquisadora colaboradora do OPEU, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Segurança Internacional e Defesa da Escola Superior de Guerra (PPGSID/ESG), bolsista CAPES e assistente de pesquisa voluntária no Laboratório de Simulações e Cenários (LSC/EGN). Contato: reisabril@gmail.com.
** Primeira revisão: Simone Gondim, jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com mais de 20 anos de experiência profissional, entre redações, assessoria de imprensa e produção de conteúdo para Internet e redes sociais.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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