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Cannabrava | Movimento tectônico modifica o planeta terra

Mundo configurado no pós guerra se depara com dois terços do planeta em rebelião, provocando um verdadeiro terremoto
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

O planeta Terra é conformado por grandes placas tectônicas, resultante do movimento que separou os cinco continentes. Essas placas continuam em movimento, se afastam ou se aproximam uma das outras provocando os fenômenos sísmicos conhecidos como terremotos.

O que está a ocorrer no mundo hoje no marco da geopolítica se caracteriza como um movimento tectônico, pois grandes massas de terra estão se movimentando provocando verdadeiros terremotos na geopolítica. Em suma, o mundo configurado no pós guerra, que culminou com a formação de um bloco nas nações sob hegemonia dos Estados Unidos, pretendeu voltar à Pangea, de um único continente, mas se depara com dois terços desse mundo em rebelião provocando um verdadeiro terremoto. 

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Após a Segunda Grande Guerra, os Estados Unidos se aproveitaram para realizar uma verdadeira ocupação – econômica, política e cultural – sobre os países da Europa Ocidental e estabeleceu um regime de confronto no intuito de barrar o desenvolvimento da União Soviética, a verdadeira vencedora sobre o nazifascismo.

O desmantelamento da União Soviética foi um movimento tectônico de grande magnitude, uma tragédia para a humanidade que deu lugar à expansão dos Estados Unidos, e após os anos 1970, de um modelo de pensamento único para a gestão da economia desses países sob a hegemonia do dólar.

Tal Fenix ressurgida das cinzas, a Federação Russa, arrasada pelo terremoto, se reconstrói e se transforma na grande potência militar que é hoje. Paralelamente, a China, transformada em fábrica do mundo como sequela da globalização, se transforma na maior potência econômica e também militar do planeta, e dá um chega pra lá à expansão do neoliberalismo sob a hegemonia da City de Londres e Wall Street

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Recuperada, a Rússia trata de ocupar seu lugar no mundo. Importância geopolítica da Rússia que se projeta economicamente e como potência militar. Rússia é Europa e é Ásia. A Europa só tem futuro se integrando como Eurásia. Caso contrário,  está fadada a ser colônia dos interesses dos Estados Unidos e da Inglaterra. Eurásia não é um conceito, é um continente. A Europa está esgotada enquanto a Rússia está florescendo.

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O desmantelamento da União Soviética foi a maior tragédia do século. Após o colapso, a Rússia quase sucumbiu sob o neoliberalismo e o poder das máfias. A Federação se reergueu  e está se reposicionando no sistema mundo.

Antigos aliados caíram nos braços da Otan. A intenção de todas as administrações dos Estados Unidos era sufocar a Rússia, apoderar-se do território para poder enfrentar a China, declarada o grande inimigo porque deu um basta ao avanço da hegemonia. A expansão da Otan em direção ao leste tem esse objetivo. Concretamente já estabeleceu um cerco ao território.

Não satisfeita, a Otan se expande para o Pacífico com o Aukus, pacto de segurança entre Estados Unidos, Inglaterra e Austrália. Parceria de Segurança Trilateral firmada em setembro de 2021 com a ideia de conter a China, fortalecendo a Austrália com tecnologia militar. Em março de 2023 complementou com o fornecimento de submarinos movidos à energia nuclear.

Mundo configurado no pós guerra se depara com dois terços do planeta em rebelião, provocando um verdadeiro terremoto

Foto: Kremlin
Em 20 de março, emblemático encontro entre Vladimir Putin e Xi Jinping definiu uma aliança sem limites entre os dois países

União Econômica Eurasiana, ou Euroasiática, criada em 2014 por Bielorrússia, Cazaquistão e Rússia, funciona desde 2015, aos quais se agregaram Armênia e Quirguistão, prevê a livre circulação de bens e pessoas.

Comunidade dos Estados Independentes, integra 11 nações que antes faziam parte da União Soviética: Armênia, Azerbaijão, Bielorrússia, Cazaquistão, Federação Russa, República Quirguiz, República Moldova, Tajiquistão, Turquemenistão e Uzbequistão.

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Cooperação Econômica Ásia Pacífico, fundada em 1989, reúne 21 países para livre comércio e cooperação econômica. Entre os membros, Estados Unidos, China, Canadá, México, Chile, Rússia, entre outros.

Organização para Cooperação de Xangai, fundada em 2001, é uma organização política e militar de países cujo objetivo é a cooperação para segurança, que reúne a China e a Rússia, mais Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão.

Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, se reuniu em junho sob o lema Desenvolvimento Soberano, base de um mundo justo. Juntemos forças para o bem das gerações futuras. Mais que um título, é um manifesto.

Aí se discute um novo sistema de pagamento para o comércio internacional livre do dólar. Não é fácil, é bastante complicado largar de vez o dólar nas transações comerciais, mas a ideia está empolgando meio mundo. Participaram no Fórum 20 delegações da América Latina e Caribe, entre os quais Brasil, Argentina, Bolívia e México. É de destacar-se a presença de países que estão sob sanções decretadas pelos Estados Unidos e aceitas e aplicadas por quase toda a União Europeia, como Cuba, Venezuela, Nicarágua, Irã, Sudão, Eritreia, Zimbábue.

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Esse fórum funciona desde 1997 como uma alternativa ao Fórum Econômico Mundial que se reúne em Davos, na Suíça, um clube de ricos. A próxima reunião, que será em junho de 2024, pretende ser o principal espaço de comunicação entre os países emergentes. “É a comunicação direta baseada na confiança”, diz Vladimir Putin. 

De fato, é um mundo livre da hegemonia dos Estados Unidos. O 26º em junho de 2023 reuniu mais de 100 países.

Esse foro é a prova inconteste de que fracassaram os intentos dos Estados Unidos de isolar a Rússia. Lembrando que é impossível isolar uma sexta parte do território do mundo, política, econômica, diplomática ou informativamente.

As sanções à Rússia têm gerado desindustrialização, denunciou a deputada alemã Sahra Wagenknecht.

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A UE, por exemplo, se comprometeu a cortar o suprimento de gás GNL da Rússia. Um absurdo, pois passa a comprar gás engarrafado dos Estados Unidos, o que além de ser mais caro exige terminais portuários adequados. Também esse tiro saiu pela culatra. Segundo a ONG Global Witness, a compra de gás russo aumentou em 40%.

Por outro lado, Irã e Rússia firmaram importante acordo para uma rota comercial Norte-Sul que contorne as rotas marítimas tradicionais e as sanções internacionais.

Reunião de cúpula recente entre Rússia e países da África, em São Petersburgo, culmina com a firma de acordo de cooperação militar com 40 países, e também garante o fornecimento de grãos, prejudicado o comércio com a guerra que a Otan move contra a Rússia na Ucrânia.

A África, em uma nova onda de descolonização, vários países se livrando do colonialismo, notadamente na área das neocolônias da França. Movimentos de Libertação Nacional com apoio da Rússia e da China.

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Em 20 de março, emblemático encontro entre Vladimir Putin e Xi Jinping definiu uma aliança sem limites entre os dois países. Os dois líderes se reuniram como “dois queridos amigos”. 

O que une os dois países? Fronteira de 4 mil quilômetros, Interdependência. Petróleo e gás em primeiro lugar, direto para diversas regiões da China por dutos. Em 2022, bateu recorde no comércio bilateral: 190 bilhões de dólares, 30% mais que o período anterior.

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Visão de mundo também une as duas potências e projeto de construir um mundo multipolar sem hegemonias, cooperação no lugar das sanções. Une também projeto comum de segurança, fazendo manobras militares conjuntas, em que se destaca artefatos de alta tecnologia, incomparáveis. É uma força militar dissuasiva, ou seja, que ninguém se atreva a nos atacar.

Brics+ 6 – 15ª Cúpula na África do Sul, aprova ingresso de Argentina, Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. O que esses países têm em comum? Petróleo. São todos países que podem ter o petróleo como moeda e isso é muito importante, pois tem em comum também a determinação de se livrar da hegemonia do dólar.

O Brics ampliado tem 45% da produção mundial de petróleo e significativas jazidas de minerais estratégicos. São países soberanos com moedas lastreadas nas riquezas naturais.

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O Novo Banco de Desenvolvimento será também um fator para se livrar do dólar, já que poderá fazer os financiamentos nas moedas locais, ou em rublos e yuans.

O grupo original dos Brics representa 42% da população mundial com um Pib de 27 trilhões de dólares. Ampliado, representa 46,5% da população em um Pib de 30 trilhões, em um Pib mundial de 100 trilhões.

Finalmente, temos que mencionar o projeto conhecido como Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative), Iniciativa de Cinturão e Rota, que liderada por China integra uma centena de países em projeto de rotas e infraestrutura para intercâmbio comercial. Já é possível pegar um trem em Pequim e desembarcar em Madri. 

É o maior programa de infraestrutura da história com o claro e declarado objetivo de vencer o subdesenvolvimento. Iniciado em 2013, é composto por rotas de ferrovias, rodovias integradas com modais marítimos que integram já boa parte dos países da Eurásia, se estende pelo Oriente Médio e está já se conectando com a África. Na Nossa América, a Argentina, em fevereiro de 2022, foi o primeiro país latino-americano a aderir ao projeto e hoje já são 21 países.

O planeta deve aprender a viver em paz e harmonia em vez de destruir-nos uns aos outros, disse o presidente Lula em coletiva à imprensa após a cúpula do G-20, que já é 21 com a entrada da União Africana.

Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.
É autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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