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Não é crise, é projeto: Estudo mostra redução de quase 40% no orçamento para educação

Medidas de austeridade e das reformas trabalhista, tributária e administrativa restringem o direito à educação no Brasil
Oscar Valporto
Projeto Colabora
Rio de Janeiro (RJ)

Tradução:

O estudo “Não é uma crise, é um projeto: os efeitos das Reformas do Estado entre 2016 e 2021 na educação” mostra que o orçamento para a educação no Brasil teve uma redução de quase 40% em cinco anos, a partir do impeachment da presidente Dilma Rousseff e a imposição de uma agenda pautada pela “austeridade de gastos”, como chamam seus defensores, no país.

“De um orçamento de R$ 114,9 bilhões para 2015, a educação contava com uma previsão orçamentária para 2021 de apenas R$ 70,6 bilhões, o que significa uma redução de 38,6%, causando grave retrocesso social no direito à educação da população brasileira”, afirma o documento, divulgado nesta quarta (13/10).

O estudo foi produzido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, com apoio da organização internacional ActionAid, e com colaboração técnica da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), da Plataforma DHESCA (Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais_, e da coalizão Direitos Valem Mais.

“O acesso à educação é uma condição fundamental para superar a pobreza. Por isso, é mais que urgente denunciar todo o projeto de desconstrução das políticas públicas educacionais que está em curso no Brasil, especialmente nesse momento de crises econômica, climática e humanitária.

A pesquisa confirma essa urgência de revisitar o papel redistributivo fundamental dos estados e de reimaginar o setor público, numa discussão realmente comprometida com o futuro do país”, afirma Ana Paula Brandão, diretora programática da ActionAid.

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Ao apresentar um mapeamento das medidas de reforma de estado no período de 2016 a 2021, “quando políticas sociais essenciais para o enfrentamento das desigualdades e das crises socioeconômicas foram interrompidas”, o estudo busca demonstrar a lógica da limitação dos serviços sociais e seus efeitos sobre os direitos da população.

“A oferta de serviços públicos de qualidade é imprescindível para superar o abismo social criado pelas políticas de austeridade implementadas no país a partir de 2016 e agravadas pela pandemia”, destaca o documento.

O estudo “Não é uma crise, é um projeto: os efeitos das Reformas do Estado entre 2016 e 2021 na educação” analisa os impactos na educação da Emenda Constitucional 95/2016 (“Teto de Gastos”), que congela os gastos públicos por 20 anos. “é a única medida fiscal de tão longa duração no mundo e inviabiliza, entre outras políticas públicas, o Plano Nacional de Educação”; a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), que alterou e flexibilizou direitos e permite que professoras/es sejam remuneradas/os apenas pelas aulas ministradas, “precarizando a docência e impactando diretamente na qualidade do ensino”; e a EC 109/2019, com objetivo a reduzir os gastos públicos através de medidas como congelamento de salários, suspensão de concursos e a limitação de investimentos. Essas três legislações já estão em vigor.

O trabalho avalia ainda os possíveis efeitos e consequências da PEC 13/2021, que desobriga o cumprimento dos gastos mínimos constitucionais com MDE (manutenção e desenvolvimento da educação), “colocando em risco mais uma vez o financiamento da educação”; a PEC 32/2020 (reforma administrativa) com alterações que podem levar a uma maior rotatividade no serviço público, implicando em aumento de despesas com treinamentos de novos servidores, e numa possível descontinuidade e/ou fragilização na execução dos serviços prestados à população; e as PECs 45/2019 e 110/2019 (Reforma Tributária). Essas quatro propostas de emenda constitucional estão em tramitação no Congresso Nacional.

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“Faz anos que estamos denunciando e atuando sistematicamente contra uma série de reformas propostas no Executivo e Legislativo federais, que têm minado os direitos sociais, notadamente o direito à educação”, afirmou Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e uma das coordenadoras do trabalho no Brasil.

“Esse estudo vem coadunar com esse trabalho, mostrando em detalhe como se trata de uma agenda ampla, combinada e complementar, de reformas que se chocam com os preceitos constitucionais de direitos e pretende deformar o Estado; e está em curso”, acrescentou.

Medidas de austeridade e das reformas trabalhista, tributária e administrativa restringem o direito à educação no Brasil

ADUnB
“O acesso à educação é uma condição fundamental para superar a pobreza"

Impacto na educação das reformas aprovadas

A emenda dos teto dos gastos, aprovada no fim de 2016, estabelece que “o gasto primário do governo federal fica limitado por um teto definido pelo montante máximo do ano anterior reajustados pela inflação acumulada, em 12 meses medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)”, congelando a despesa no patamar de 2016 por 20 anos.

Pelo novo regime fiscal, só é possível aumentar os investimentos em determinada área com cortes em outras. “A limitação de investimentos tem afetado negativamente os investimentos públicos nas mais diversas áreas, inclusive infraestrutura, em especial na oferta e qualidade do serviço público e no atendimento básico da população”, alerta o estudo.

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Para os autores do trabalho, a “EC 95/2016 propõe retroceder, nos seus 20 anos de duração, tudo o que o país avançou nos 20 anos anteriores em termos de consolidação dos direitos sociais”. E mostra os seus efeitos do teste de gastos em apenas três anos: os investimentos federais, que entre 2010 e 2016 tiveram queda de 5% ao ano, com a EC 95 passaram a ter queda de 12% ao ano.

“A educação, por exemplo, contou com uma queda de 17% e a da saúde 12% no período de vigência da emenda; a tendência é que o espaço de execução dessas despesas possa acabar nos próximos anos”, aponta o estudo, ressaltando que a queda do investimento federal tem reflexo direto nas transferências a municípios e estados para educação e saúde.

Sobre a área de educação, o estudo revela ainda que, entre 2014 e 2019 houve uma queda de R$ 20 bilhões de investimento na função educação e de R$ 24 bilhões com a manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), no período de 2012 a 2019.

“Somente entre 2017 e 2019, ou seja, num curto intervalo de dois anos, após a promulgação da EC 95 a perda foi de R$15 bilhões nas despesas na função educação e R$5 bilhões em MDE”, alerta o documento.

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Com relação à reforma trabalhista aprovada em 2017, o “Não é uma crise, é um projeto: os efeitos das Reformas do Estado entre 2016 e 2021 na educação” aponta que ela atingiu professoras e professores temporários, os docentes que atuam na educação privada e também que trabalham em organizações sociais (OS).

“Os contratos de trabalho por tempo determinado precarizam o trabalho docente. A remuneração docente nos contratos por tempo determinado é quase a metade da remuneração das e dos funcionários efetivos. As e os professores contratados nesta categoria não são vinculados a jornadas de trabalho específicas, sendo remunerados apenas pelas aulas ministradas”, destacam os autores do estudo.

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A pesquisadora Vanessa Pipinis, doutoranda e Mestre em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e uma das coordenadoras do estudo, alerta para a ameaça das medidas já aprovadas e as em tramitação para a educação e outras áreas. “Todas as medidas estudadas têm múltiplas camadas, como a redução do papel do Estado, a precarização dos vínculos trabalhistas e o desmonte dos serviços públicos.

O estudo revela que os impactos dessas medidas na educação são significativos e apresentam riscos tanto para o financiamento das políticas educacionais como para a carreira e condições de trabalho do professorado brasileiro”, afirmou.

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Ameaças em tramitação

O estudo produzido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação também analisa quatro propostas de emenda constitucional (PECs) em tramitação no Congresso, com foco principal na chamada reforma administrativa (PEC 32/2021). Para os autores, a proposta representa uma ameaça aos direitos sociais estabelecidos na Constituição de 1988 com a “desfiguração do Regime Jurídico Único, que cria diversos tipos de cargo, altera a progressão na carreira do serviço público e cria o cargo típico de Estado” e a ampliação da contratação de trabalhadores temporários.

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O documento alerta que a PEC 32 abre caminho para a perda da estabilidade, que passa a ser relativizada com impactos diretos na educação. “Sem estabilidade, os princípios constitucionais da liberdade de cátedra (art 206, da CF) e a liberdade do alunado em aprender e debater amplamente ideias correm significativo risco. Sem a garantia do pluralismo pedagógico, o processo de ensino aprendizagem fica na berlinda, fragilizando práticas pedagógicas críticas e emancipadoras”, apontam os autores.

O estudo destaca ainda que a PEC prevê que o Presidente da República possa a partir de um decreto, entre outras ações, extinguir, transformar e fundir entidades da administração pública autárquica e fundacional. “Assim, poderiam ser extintas, transformadas ou fundidas, por exemplo, as Universidades e Institutos Federais de educação, institutos como IBAMA e INCRA, e órgãos de fiscalização e controle, como as agências reguladoras”, alerta.

Sobre as propostas de reforma tributária (PECs 45/2019 e 110/2019, o documento da Campanha Nacional pelo Direito à Educação alerta para seu impacto sobre as instituições particulares de ensino superior. “O imposto sobre a educação privada sairia dos atuais 3,65% para 12%.

De acordo com entidades representativas, isso geraria um processo de elitização do ensino superior privado no Brasil, uma vez que encareceria as mensalidades e tornaria o acesso inviável a praticamente 90% do público atendido, oriundos de famílias com renda per capita de até 3 salários-mínimos. No Brasil, as instituições superiores privadas são responsáveis por 75% das matrículas e a medida pode impactar o Prouni”.

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O estudo também alerta para o impacto da aprovação PEC 13/2021, que possibilita o descumprimento dos gastos mínimos constitucionais com a manutenção e o desenvolvimento da educação, usando a pandemia e seus reflexos como pretexto. Os autores citam nota técnica da consultoria legislativa do Senado apontando que o descumprimento do piso de gastos em educação não se trata de um problema generalizado, mas reflete uma situação específica de apenas 6,5% dos municípios brasileiros.

“A aprovação dessa proposta pode criar um gravíssimo precedente que porá em descrédito o instituto do piso de investimento na educação”, afirmam os consultores legislativos. “a aprovação de uma PEC dando perdão retroativo é um estímulo para que, futuramente, os gestores municipais deixem de se preocupar com as exigências constitucionais e passem a despender menos esforços para cumprir o mínimo constitucional com educação”, acrescentam.

Contestação do discurso pelas reformas

O estudo “Não é uma crise, é um projeto: os efeitos das Reformas do Estado entre 2016 e 2021 na educação” também reúne argumentos para desbancar parte do discurso pelo corte de gastos públicos. “O principal deles, de que o Estado brasileiro é inchado, não se sustenta. No setor público, o percentual de vínculos se mantém estável em torno de 5,8% desde 2012. Portanto, é incorreto afirmar que houve uma explosão do serviço público brasileiro nos últimos anos, pois a grande maioria dos empregos gerados no Brasil está no setor privado”, aponta o documento.

Outros pontos destacados são que a expansão da capacidade de atendimento do Estado brasileiro se deu através de vínculos públicos com ensino superior completo que, entre 1986 e 2017, cresceu de pouco mais de 9 mil para 5,3 milhões e que, apesar do aumento da escolarização entre 1986 e 2017, a média real salarial no serviço público municipal teve aumento médio real de 1,1% ao ano no mesmo período, passando de R$ 2.000 para R$ 2.800. Cerca de 60% do funcionalismo público do Brasil está em âmbito municipal.

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O estudo lembra ainda que, em 2017, de acordo com dados do Censo da Educação Básica, a remuneração média bruta mensal de docentes da rede municipal de ensino era de apenas R$ 3.111,10, muito aquém ao valor conferido a outras ocupações. “Educadoras/es e profissionais da saúde correspondem a 40% dos servidores municipais, com remunerações muito inferiores aos demais níveis federativos e poderes da União”, destacam os pesquisadores.

“O maior aumento salarial no período analisado ocorreu de fato no Poder Judiciário com crescimento acumulado de 82%. Portanto, o discurso de que servidores públicos recebam muito mais que trabalhadores no setor privado apresenta uma falácia”, acrescentam.

A título de comparação, o documento lembra que os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) gastam 2,2 vezes mais que o Brasil com servidores. Em relação ao gasto per capita em saúde e educação, o investimento brasileiro também é muito inferior, inclusive em relação aos demais países emergentes.

Com relação à educação, por exemplo, em 2018, o gasto público brasileiro por aluno de instituições públicas do ensino fundamental e médio era, em média, em torno de US$ 3,800.00, por ano, menos da metade da média dos países da OCDE (US$ 9,300.00).

Edição de 2021 do relatório Education at Glance mostra que professores dos anos finais do ensino fundamental têm o menor salário inicial (US$ 13,9 mil anuais) entre os 40 países analisados. A média nos países membros e parceiros da OCDE analisados é de US$ 35,6 mil.

Oscar Valporto é carioca e jornalista 


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