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Narcotráfico não funciona sem o governo, diz testemunha em julgamento de García Luna

Ainda segundo narcotraficantes, carteis no México têm relação próxima com veículos de comunicação
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

O contador e El Conejo ofereceram mais detalhes sobre o suposto sequestro expresso ordenado por um líder do cartel de Sinaloa do então secretário de Segurança Pública do México, e afirmaram que a corrupção oficial é vital para que funcionem o narco. Referiram-se ao pagamento de mídias para difundir o que eles desejavam, narraram mais detalhes de seus luxos e torturas, de seus leões, tigres, hipopótamos e também de suas traições, na sexta audiência do julgamento de Genaro García Luna em um tribunal federal no Brooklyn.

El Conejo se chama Harold Mauricio Poveda Ortega, o qual disse que seu papel era “enlaçar os grandes narcos da Colômbia com os grandes narcos do México” com o propósito de transportar entre Colômbia – México – Estados Unidos, o que ele disse – e pelo qual foi formalmente acusado pela justiça dos Estados Unidos – que foi um total de milhão de quilos de cocaína ao longo de sua breve carreira entre 2000 e 2009. 

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Contou que durante uma festa em sua casa que chamava “a mansão da fantasia”, no Desierto de los Leones, a Polícia Federal chegou para detê-lo, mas ele fugiu correndo por “onde estavam os tigres brancos” e outro de seus animais e logrou evadir a captura. 

Mas ao recordar sua “casa muito bonita”, a testemunha pareceu quase chorar, ao descrever os detalhes que incluíam uma “discoteca de água” chamada A Gruta, onde aparentemente se dançava em roupa interior, e tinha uma porta de madeira lavrada à mão que trouxe do Índia, entre outras coisas. 

García Luna foi chave no crescimento do cartel de Sinaloa, aponta testemunha em julgamento

Depois de fugir, conseguiu se comunicar com Arturo Beltrán Leyva, declarou, o qual lhe disse que tudo isto era obra de “esse filho de sua puta mãe Rey”, ao referir-se a Jesús Rey Zambada. Depois de escapar, Beltrán Leyva expressou sua fúria contra a Polícia Federal por essas agressões, e dias depois lançam, como represália, um operativo em que gente do Beltrán Leyva, incluindo El Grande, junto com outros policiais, mas não da Polícia Federal, capturam el Rey e o entregam às autoridades. 

El Conejo contou que Arturo Beltrán Leyva lhe faz um pedido urgente de fazer chegar a ele 300 mil dólares e entregar esse dinheiro “rápido aos meios” para que reportem sobre a “prisão” do Rey, e anular assim o uso de dinheiro e de suas relações para sair livre. 

É a segunda vez esta semana que testemunhas narcotraficantes mencionam pagamentos aos meios, embora ninguém ainda revele nomes. Na terça-feira (31), Óscar El Lobo Nava Valencia declarou que Mario Pineda Villa, subordinado dos Beltrán Leyva, falou a “um jornalista que trabalhava para o cartel” para que difundisse a notícia sobre o Rey Zambada a outros para evitar a libertação do narco – não especificou mais.

Ainda segundo narcotraficantes, carteis no México têm relação próxima com veículos de comunicação

Agência Brasil
O sexto dia de audiência com testemunhas neste julgamento iniciou com o contra interrogatório da testemunha Israel Ávila

Perguntado pelo promotor assistente Philip Pilmar se conhecia pessoalmente a García Luna, El Conejo respondeu que não, mas que estava com Arturo Beltrán Leyva na casa do capo em Cuernavaca quando lhe anunciou que “havia levantado o filho de sua puta mãe García Luna”, que estava contemplando matá-lo e “enviar sua cabeça para mandar a mensagem de que com ele não se brinca” e que o responsabilizava por trabalhar com o Rey Zambada para atacar aos Beltrán Leyva. El Conejo afirmou que essa foi a primeira vez que ficou sabendo quem era o acusado, e que nesse momento lhe aconselhou a seu chefe que não o matasse. 

Poveda Ortega começou a trabalhar com El Mayo Zambada, e depois cada vez mais com quem primeiro queria matá-lo, mas que acabaria chamando de seu “tio”, Arturo Beltrán Leyva.

Mansões, torturas e hipopótamo: segue julgamento de García Luna nos EUA

Contou de seu trabalho inicial com o cartel de Sinaloa, transportando primeiro cocaína desde a Colômbia em barcos pesqueiros, movendo cada vez mais toneladas, e depois usando submarinos (5.500 a 7 mil quilos de cada vez), lanchas rápidas (1.220 a 2.500 quilos), aviões, e containers, afirmando que “trabalhamos muito” já que “não deixamos de produzir”. 

Informou que ele ganhava uma porcentagem e como exemplo, aceitou que por 10 mil quilos ganhava entre 3 e 4 milhões de dólares, mas que um capo como Arturo Beltrán Leyva tinha ganhos de 60-70 milhões.


Resposta

Em resposta ao interrogatório do promotor, indicou que gastava seus milhões em um avião particular, iates, “casas bonitas” – disse haver tido entre 20 e 30 propriedades – mulheres, joias e “muitíssimos animais, incluindo mais de 100 cavalos, girafas, tigres brancos, panteras, pumas, cangurus, um chimpanzé, um hipopótamo, um bulldog inglês chamado Bufón e um gato persa todo branco – “como a cocaína” – com olhos azuis chamado Perico.

Contou de sua prisão em novembro de 2010 pela Polícia Federal em um restaurante pelo Ajusco, onde ele e sua namorada comiam morangos com creme. Mas durante um dia o torturaram – ele narrou os detalhes de maneira serena, mas arrepiante – e finalmente o obrigaram a ser filmado sob o lema de “Polícia Federal”, onde se identifica por nome, como narcotraficante e que trabalhava para El Chapo Guzmán, uma mentira elaborada para que fosse assassinado por esse capo. Também foi apresentado diante dos meios com um quilo de cocaína, uma arma longa, balas e um carregador.

Quase imediatamente se tornou “testemunha protegida” no México e depois aceitou ser extraditado aos Estados Unidos em 2012, onde está livre sob fiança desde 2019 em espera de sua condenação de entre 20 anos e prisão perpétua. Está cooperando neste caso na espera de um benefício quando o juiz definir sua sentença. Vale recordar que estes acordos de colaboração com promotores sempre estão condicionados a que a testemunha “diga a verdade”, já que se comprovada a mentira o acordo pode ser anulado. 

O sexto dia de audiência com testemunhas neste julgamento iniciou com o contra interrogatório da testemunha Israel Àvila, ex-contador e operador do cartel de Sinaloa em seu segundo dia no banco das testemunhas. A equipe da defesa, como está fazendo desde o início, buscou diminuir a credibilidade da testemunha, indicando que este – agora vestido em uniforme amarelo de réu – nunca conheceu nem jamais teve contato com o acusado e “tudo o que declarou de García Luna foi sobre o que escutou de outros”.

Uma e outra vez acusaram que a única razão pela qual estava se apresentando como testemunha cooperante neste julgamento era poque o viu como oportunidade para reduzir ainda mais sua condenação à prisão. 

Ávila, respondendo à última pergunta dos promotores após a defesa questionar seus motivos, declarou que decidiu depor neste julgamento “para que também fossem conhecidas as relações que o homem tem [em óbvia referência ao acusado]”, concluindo que “já que o cartel não funciona sem o governo”.

David Brooks | Correspondente do La Jornada em Nova York.
Tradução: Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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