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Imagem: freepik

Nazifascismo, deificação do irracional e necropolítica

Os homens de ação, quando não têm nenhum tipo de fé, só creem no movimento da ação
Carlos Russo Jr
Diálogos do Sul Global
Florianópolis (SC)

Tradução:

Todas as revoluções modernas resultaram em um fortalecimento do Estado. A Revolução Francesa libertária de 1789, ao caminhar para o terror da guilhotina, já trazia em seu ventre um ditador, que ao inaugurar o século 21, se fez Imperador, Napoleão Bonaparte.

As barricadas de 1848, que instituíram a Segunda República Francesa, três anos após sua resistência libertária, produziram um aborto: Luís Napoleão, eleito presidente por quatro anos, deu um golpe de Estado e se fez coroar Napolão III, permanecendo trinta anos no poder.

A Grande Revolução Soviética de 1917, após a morte de seu líder, Lênin, pariu um Stalin, um autocrata que se apropriou do poder em nome do proletariado e de um Partido Comunista, desgarrado de suas origens, por quase 30 anos, até sua morte.

O sonho humanístico profético de Marx e as poderosas antecipações de Nietzsche e de Hegel acabaram suscitando, depois que “a cidade de Deus foi arrasada”, e “sua morte” anunciada por “Zaratrusta”, um Estado racional ou irracional, mas sempre terrorista.

Deificação do irracional

Mussolini e Hitler resolveram deificar o irracional, em vez de divinizarem a razão. Nietzsche, por um lado e Hegel, por outro, já haviam profetizado um Estado em que nada tinha sentido e que a história nada mais era do que o acaso da força. Em 1914, Mussolini anunciava a “santa revolução da anarquia”, declarando-se inimigo de todos os cristianismos.

O deus de Hitler, por outro lado, era um deus de comício, mistura de Walhala e Deus cristão. Os homens de ação, quando não têm nenhum tipo de fé, só creem no movimento da ação. O paradoxo insustentável de Hitler foi querer fundar uma ordem estável baseada em movimento perpétuo de negação. A revolução hitlerista era dinamismo puro.

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A Alemanha de 1933 aceitou os valores degradados de alguns homens, que lograram impô-los a uma nação. Privada da moral de Goethe, ela escolheu e sofreu a moral da gangue. E a moral da gangue é triunfo e vingança, derrota e ressentimento, inesgotavelmente. Ao exaltarem as forças elementares do indivíduo, na verdade, exaltavam as forças obscuras do instinto e do sangue, naquilo que o instinto de dominação produz de pior.

Hitler jamais poderia prescindir de inimigos; seus companheiros de gangue eram dândis ferrenhos, só poderiam ser definidos em relação a inimigos, que só poderiam assumir suas formas no combate alucinado que os iria também obter, no decorrer e no final de uma hecatombe mundial que ceifou oitenta milhões de vítimas. Isto porque a verdadeira lógica desse dinamismo era a derrota total ou, de conquista em conquista, de inimigo em inimigo vencido, o estabelecimento do Império do sangue e da ação em todo o mundo.

Rosemberg e um império anticristão

Rosemberg, o maior filósofo nazista, teve a visão de um Império anticristão, cujos fiéis e soldados fossem os próprios operários, e o contrato social seria substituído pela voz de comando. O Estado totalitário, na realidade, perpetua seus inimigos e eterniza o terror. A conquista para o interior baseia-se em propaganda ou repressão, e, para o exterior, na guerra.

Os intermediários políticos, que em todas as sociedades são a salvaguarda da liberdade, desapareceram, dando lugar a um Jeová de botas, que reinou sobre multidões que cantavam e gritavam palavras de ordem. Não se interpõe entre o chefe e o povo um organismo de intermediação, mas justamente o aparelho, um Partido Nazista, que é opressor. O fascismo e o nazismo são o desprezo, a morte da liberdade, o domínio da violência e a escravização do espírito.

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Voltando a Rosemberg, ele tirava de si próprio “que é melhor ser um assassino que um burguês”! Hitler sabia que não fazia diferença ser um ou outro, assassino ou burguês, desde que se acreditasse só no sucesso. “Quando a raça corre o risco de ser oprimida, a questão da legalidade tem um papel secundário. Se a raça tem que ser sempre ameaçada para existir, nunca há legalidade.”

Hitler, no passado, Bush Filho, ainda ontem, dizia antes da guerra que aos vencedores não se pergunta se tinham ou não falado a verdade. Goering diz de seu banco dos réus em Nuremberg que “o vencedor será sempre o juiz e o vencido, o réu”. A lei militar, em tempos de guerra, pune com a morte a desobediência, e sua honra é a da servidão. Quando todos são militares, o crime é não matar se a ordem assim o exigir. A ordem militar jamais exige que se pratique o bem.

Doutrina e a eficiência através da propaganda ou tortura

A doutrina somente busca a eficácia. Se o homem for membro do Partido, não passa de um elemento a serviço do Chefe; se for inimigo, é produto de consumo. A propaganda e a tortura são os meios diretos de desintegração; para os “convertidos” ainda há a degradação sistemática, o amálgama com o criminoso cinismo, a cumplicidade forçada. O poder de matar e de aviltar salva a alma servil do nada. A liberdade alemã era então cantada ao som da orquestra de prisioneiros nos campos de morte.

Os crimes hitleristas não tinham equivalência na história porque até então, meados do século 20, nenhuma doutrina de destruição total jamais tinha sido capaz de apoderar-se das alavancas de comando de uma nação civilizada. Mas muitas outras nações civilizadas apreenderiam com os carrascos alemães e reproduziriam de forma parcial a destruição em massa em guerras de dominação neocoloniais, como as do Vietnã, da África e do Oriente Médio.

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Os Estados Unidos imporiam ditaduras militares nos países da América Latina que, por algum tempo, adotariam os deuses da tortura e do aniquilamento de opositores revoltados e, mesmo, de simples resistentes.

Nos dias de hoje, a extrema-direita mundial, capitaneada por um criminoso bilionário e acafagestado, Donald Trump, encontra no “America First”, um extenso movimento nazifascista dos anos 1930/40, incorporadora da Ku-Klux-Kan, que queria impedir os USA de entrar em guerra contra Hitler, seu mito de “tornar a America Grande novamente”.

Ao que exatamente ele se refere? O retorno ao escravagismo? Toda a gangue americana e internacional, ele já a possui a seu lado. Quais os próximos capítulos do Império Decadente?


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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