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Negligência do Estado agrava devastação em países sujeitos a desastres naturais

Espaços públicos e privados são criados fora de normas de construção e carecem de sinalização e informação sobre medidas de prevenção
Carolina Vásquez Araya
Diálogos do Sul Global
Cidade da Guatemala

Tradução:

Sentada na sarjeta nessa noite gelada, esperei pela seguinte remexida.

Eram 3 da madrugada de 4 de fevereiro de 1976, quando me despertou a primeira sacudida violenta. Algo me indicou que não era um desses tremores que passam sem consequências; essa sensação me acordou de vez.

Minha filha, de 7 anos, dormia no quarto ao lado, com sua cama embaixo de um janelão de vidro, do chão ao teto; meu primeiro pensamento foi correr para tirá-la daí.

Tentei entrar no seu quarto, mas o solo sacudia de tal maneira, que me impediu avançar. Nunca tive tanto medo. Só me lembro de ter saído com ela sem haver rodado pela escada e alcançar a rua em meio à incerteza e ao pânico.

O que será da saúde mental das crianças abaladas pela pandemia?

O muro de adobe que rodeava o jardim vizinho desabou com um segundo tremor, invadindo o ar com uma nuvem de pó amarelento que ficou suspensa por muito tempo, convertendo o espaço em um cenário de pesadelo.

Pouco imaginávamos nesses primeiros momentos o alcance da tragédia que sumiria a Guatemala em um profundo luto durante longo tempo. Foram milhares as vítimas e mais de um milhão de famílias perderam seu lar em uma das piores catástrofes do continente. 

Espaços públicos e privados são criados fora de normas de construção e carecem de sinalização e informação sobre medidas de prevenção

Agencia de Noticias ANDES / Wikimedia Commons
A segurança da cidadania depende de autoridades honestas e transparentes

Disso, já se passaram 46 anos, e cada vez que sucede um evento similar em algum ponto deste continente, que se encontra pousado sobre uma rede ativa de importante falhas geológicas e semeado de vulcões igualmente ativos, custa compreender por que, diante de tal cúmulo de ameaças naturais, ainda se produzem tragédias evitáveis.

É quando temos a obrigação de duvidar da capacidade dos governantes para dirigir as políticas públicas em países tão vulneráveis aos eventos naturais e aos eventos da mudança climática, dada a criminosa ausência de controles e medidas de prevenção, das quais cada ano se retiram recursos.

Esta é uma realidade crua e pontual e demonstra a escassa atenção geral sobre a importância da vida e o estabelecimento de normas para protegê-la. 

Mesmo quando a ameaça de uma catástrofe se encontra latente na maioria de nossos países, do mesmo modo se pode apreciar a escassa informação sobre medidas de prevenção em escolas, colégios, instituições, empresas; a falta de sinalização em edifícios públicos e privados e a razoável dúvida de se foram construídos respeitando cabalmente os códigos e normas de construção.

Quantos cinemas, restaurantes, discotecas e shoppings possuem sistema de alerta ou saídas de emergência acessíveis e bem identificadas? Existe algum mapa de risco de nível nacional, utilizado como ferramenta de planejamento urbano ou viário? As autoridades estão conscientes da necessidade de fortalecer as instituições de socorro?

Recordo o terremoto devastador da Guatemala como se tivesse sido ontem. Me vejo sentada na sarjeta em frente à casa onde vivia, combatendo o frio da madrugada com uma garrafa de rum e o medo constante de uma devastação que, dadas as condições precárias da maioria da população, seria dantesca.

A natureza dinâmica de nosso continente não perdoa. Conscientes de viver sobre um território instável, é imperativo e urgente estabelecer a institucionalização de modernos sistemas de prevenção, educar a população sobre condutas e procedimentos de segurança e, acima de tudo, fiscalizar o procedimento das autoridades quanto ao respeito de normas de construção e ordenamento urbano. A vida está em primeiro lugar.

A segurança da cidadania depende de autoridades honestas e transparentes.

Carolina Vásquez Araya, Colaboradora de Diálogos do Sul da Cidade da Guatemala
Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Carolina Vásquez Araya Jornalista e editora com mais de 30 anos de experiência. Tem como temas centrais de suas reflexões cultura e educação, direitos humanos, justiça, meio ambiente, mulheres e infância

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