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Nem Alba, Mercosul, Unasul ou Grupo de Lima: por uma verdadeira integração regional

López Obrador propõe aos países da região formar um bloco econômico e político que integre toda a América Latina
Roberto Pizarro Hofer
Cidade do México

Tradução:

O presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador (AMLO) pronunciou um discurso impactante, de importância ineludível para nossos países na região. No marco da recente 21ª reunião da Comunidade de Estados Latino-americanos e do Caribe (CELAC) e, ao mesmo tempo, natalício de Simón Bolívar, propôs formar um bloco econômico e político que integre toda a região.

A pandemia atroz multiplicou as debilidades econômicas, sociais e de saúde na região. Ficou evidente, ao mesmo tempo, a escassa solidariedade entre nossos países para enfrentar a crise que vivemos. Os governos autoritários da Nicarágua, El Salvador e Venezuela aproveitam-se desta dolorosa conjuntura para intensificar a repressão contra seus cidadãos. 

O atual presidente norte-americano, diferentemente de Obama, e longe de toda compaixão, intensifica o bloqueio contra Cuba e recebe o beneplácito dos governos reacionários do Brasil e da Colômbia.

É neste contexto que López Obrador propõe à região que o caminho para sair da crise é a integração econômica regional e a independência política dos poderes internacionais. AMLO sabe que é um caminho difícil, que fracassou muitas vezes, mas no qual vale a pena insistir. E nos diz:

“Estou consciente de que se trata de um assunto complexo, que requer uma nova visão política e econômica. A proposta é construir algo semelhante à União Europeia, mas algo apegado a nossa história, a nossa realidade e às nossas identidades”.

E, com coragem, acrescenta “…seria conveniente a substituição da OEA por um organismo verdadeiramente autônomo, não lacaio de ninguém, e sim mediador da petição e aceitação das partes em conflito em assuntos de direitos humanos e democracia”.

Neste momento, em que a esquerda no Chile elabora suas propostas programáticas, é uma boa oportunidade para apoiar a iniciativa de AMLO, sobretudo porque o país, durante longos anos, colocou-se à margem da América Latina.

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A Concertación reduziu a política exterior a tratados de livre comércio, privilegiando os negócios das empresas globalizadas em lugar dos interesses nacionais. O Chile comprometeu-se com os países do norte industrializado e se deslumbrou com o emergente mundo asiático, colocando-se em um lugar subalterno a integração econômica regional. 

Em vez de cooperar com seus vizinhos, ou pelo menos respeitar suas realidades econômicas e políticas, afastou-se deles. A Concertación primeiro e Piñera depois isolaram nosso país de seus vizinhos.

No entanto, é preciso reconhecer que não só o Chile agiu mal, mas também os governos progressistas, que se estenderam por toda a América do Sul na década de 2000. Estes tampouco foram capazes de favorecer a integração regional.

O principal erro dos governos progressistas foi manter o modelo de crescimento baseado na exploração de recursos naturais, que é precisamente o fundamento material do neoliberalismo. A expansão econômica baseou-se na exportação de soja, petróleo, ferro, cobre e alimentos para a industrialização da China e de outros países do norte. Nesse estado de coisas, os vínculos econômicos entre países da região continuaram em segundo plano.

López Obrador propõe aos países da região formar um bloco econômico e político que integre toda a América Latina

Presidência do México
O presidente mexicano López Obrador propõe à América Latina que o caminho para sair da crise é a integração econômica regional.

Lula e o governo brasileiro lideraram, com êxito, o repúdio à ALCA que tanto interessava aos EUA. Mas, seu governo não se interessou em exercer liderança para favorecer o processo de integração regional. 

Por sua vez, o governo dos Kirchner, na Argentina, concentrou seus esforços em resolver os problemas internos herdados do período Menem

De modo que as disputas comerciais entre Brasil e Argentina e o conflito entre Argentina e Uruguai colocaram o MERCOSUL em situação difícil. Agora, com Bolsonaro no governo do Brasil e Fernández na Argentina, as diferenças ideológicas exacerbaram a crise desse projeto de integração subregional.

Por outro lado, a retirada da Venezuela da Comunidade Andina de Nações (CAN), em consequência de disputas políticas do presidente Chávez com a Colômbia e o Peru, debilitou seriamente este outro bloco subregional. Paralelamente, a Venezuela embarcou em uma nova iniciativa de integração que, como a ALBA, em vez de visar a formação de um mercado comum regional, favoreceu a dispersão.

Assim, enquanto as exportações dos países da região para o mundo crescem vigorosamente, ao calor da demanda por minerais, combustíveis e alimentos provenientes da China e da Índia, o comércio intrarregional diminuiu.

Ao mesmo tempo, a institucionalidade para avançar na integração econômica regional mostra-se frágil e dispersa. Da Comunidade Sul-Americana de Nações passou-se à UNASUL, o que terminou em um estancamento. 

Emergiu a ALBA, também fracassada. À Comunidade Andina de Fomento (CAF) foi agregado o Banco do Sul. A ALADI, vitoriosa no passado, perdeu todo seu vigor. Finalmente, a América do Sul se esqueceu do México e da América Central enquanto que, por outro lado, surgiram diferenças de estratégia comercial entre os países da Bacia do Pacífico da América do Sul e da Bacia do Atlântico. 

No fim das contas, predominou a retórica política e as disputas ideológicas entre nossos governos em lugar de uma decidida vontade integracionista.

A isso se soma o fato que, a partir dos anos noventa, os países da região privilegiaram os tratados de livre comércio com os países desenvolvidos e, nos últimos anos, com o mundo asiático. Em vez de construir uma força regional própria, comercial, empresarial, educacional e tecnológica, competiram entre si, privilegiando uma abertura indiscriminada com os países desenvolvidos e favorecendo, sem restrições, a presença investidora de suas corporações transnacionais.

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A irrenunciável integração regional

Apesar das dificuldades da região para integrar-se, não só atualmente como em suas distintas fases de desenvolvimento, a união econômica de nossos países continua sendo um projeto irrenunciável. Hoje, mais do que no passado, porque os desafios são maiores. Em primeiro lugar, as particularidades da atual fase da globalização tornam mais vulneráveis nossas economias frente ao vai e vem da economia mundial.

Em segundo lugar, a emergência da China e da Índia como potências em pleno crescimento, produtoras a baixo custo de manufaturas e serviços, com avanços tecnológicos significativos, dificultam o posicionamento competitivo da região, o que se transformou em pressão para continuar exportando recursos naturais. As novas cadeias produtivas transnacionais e seu reordenamento ao nível mundial levam nossos países a explorar exclusivamente suas vantagens comparativas geográficas, freando a diversificação do padrão produtivo exportador.

Para sair do subdesenvolvimento nossos países não podem continuar presos à produção de bens primários e devem diversificar-se. É a única forma sustentável para atacar radicalmente a pobreza e terminar com o emprego precário, o que exige ao mesmo tempo potencializar as pequenas empresas. Por outro lado, melhorar a produtividade, e competir com os países asiáticos exige multiplicar o investimento em ciência e tecnologia e requer maiores recursos em educação pública. Para cumprir estas tarefas a integração é essencial.

Com efeito, com a força conjunta dos talentos de cada um dos países da região é que se pode enfrentar os desafios da globalização. Mas também isso exige alguns requisitos. Em primeiro lugar, nossos países devem reconhecer e aceitar a diversidade econômica e política existente na região. Em segundo lugar, as economias mais potentes têm a responsabilidade de assumir a liderança integracionista, como fizeram a Alemanha e a França na Europa. Em terceiro lugar, para fazer integração de verdade é preciso ceder soberania, como sucedeu na União Europeia, porque só assim é possível implantar políticas comuns de benefício mútuo.  

A incapacidade de construir uma força própria, como conseguiu a União Europeia, tem a ver com a fragilidade do empresariado e, também, da classe política de nossos países. Ambos subordinaram-se ao capital transnacional e foram complacentes frente à política norte-americana na região. E, em muitos casos, cederam à corrupção, como sucedeu, de forma vergonhosa, com a ODEBRECHT.

Nos tempos que correm, quando a indústria manufatureira transferiu-se para os países asiáticos, nem a direita, nem os socialdemocratas, nem tampouco os “socialistas do século 21” foram capazes de promover a indústria nacional. Aceitaram, inclusive mais intensamente do que no passado, que nossas economias dediquem-se a produzir e exportar combustíveis, minerais e alimentos. E, em vez de estimular a diversificação produtiva, aceitaram, servilmente, que as corporações transnacionais super explorem nossos recursos naturais, em benefício do crescimento dos países desenvolvidos e do mundo asiático.

O que também explica porque a institucionalidade integracionista mostrou-se frágil e dispersa, e se caracterize por uma insuportável retórica. Nem governos de direita, nem os progressistas avaliaram a importância de agir em bloco frente ao poder das empresas transnacionais, dos Estados Unidos e da emergente economia chinesa.

A proposta do presidente do México é uma janela de esperança para nossos países. A formação efetiva, e não retórica, de um bloco econômico regional, junto à reivindicação de independência política frente às potências internacionais, é um instrumento essencial para avançar no caminho do desenvolvimento econômico.

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* Roberto Pizarro Hofer é economista, com pós-graduação na Universidade de Sussex (Reino Unido). Pesquisador do Grupo Nova Economia. Foi decano da Faculdade de Economia da Universidade do Chile, ministro de Planejamento durante o governo de Eduardo Frei Ruiz-Tagle (1994-2000), embaixador no Equador e reitor da Universidade Academia de Humanismo Cristão.  Colunista de diversos meios de comunicação. Artigo enviado a Other News pelo autor e publicado em La Mirada, em 29 de julho de 2021.

** Tradução de Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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