Alguns episódios, marcados pela presença de funcionários destacados, permitiram que abandonasse o lastro da dependência e assomasse pelos prédios da soberania. Mas isso deve ser atribuído mais ao desempenho de certas personalidades que brilharam na pasta, do que uma conduta do Estado Peruano, quase sempre submetido às pressões do Império.
Homens notáveis têm ocupado o palácio de Torre Tagle, e conseguiram um certo nível de respeito e consideração no cenário exterior, assim como determinado prestígio no aspecto interno. A figura mais alta da pasta foi, sem dúvida, o historiador e docente universitário Raúl Porras Barrenechea, que desempenhou suas funções entre 4 de abril de 1958 e 15 de outubro de 1960. Este prestigioso homem da Academia, viu-se forçado a abandonar seu posto depois que, na Conferência de Chanceleres celebrada em São José da Costa Rica, desacatou a ordem de seu governo – presidido por Manuel Prado, o Banqueiro – e se negou a sancionar Cuba, respeitando escrupulosamente os princípios do Direito Internacional baseado na Não Intervenção nos Assuntos Internos dos Estados e na Livre Determinação dos Povos.
Nessa Conferência os Estados Unidos havia proposto expulsar Cuba da Organização dos Estados Americanos – OEA – e para esse efeito, havia coordenado com todos os governos da região para que acatassem a ideia; e os participantes começaram a agir em consonância com o pedido da Casa Branca. Em um gesto que surpreendeu a muitos, a Chanceler Porras pronunciou um discurso em sentido contrário, que depois foi considerado histórico. Fundamentou seu voto, oposto à expulsão de Cuba, e rechaçou as “instruções” que seu governo lhe havia ditado. Porras voltou ao país, renunciou ao seu cargo e faleceu poucas semanas depois, passando à memória de muita gente como “O Chanceler da Dignidade”.
Outros titulares do Torre Tagle seguiram no fundamental o que se passou a chamar de “Doutrina Porras”, ou seja um conjunto de critérios ligados ao senso comum e à convivência universal, ao respeito à dignidade dos povos e à admissão de valores éticos fundamentais. Nessa linha esteve Edgardo Seoane Corrales mas, sobretudo, Edgardo Mercado e Miguel Ángel de la Flor, os chanceleres de Velasco Alvarado; Carlos García Bedoya e até Javier Arias Stella que agiram com as mesmas idéias básicas.
Andina
o servilismo como “prática diplomática” chegou agora ao seu ponto máximo com Néstor Popolizio Bardales
Não foi certamente essa a linha de todos.
Houve titulares desse ministério que acataram servilmente outros ditames. De la Puente Radbill, por exemplo, semeou uma postura capituladora que derivou na gestão de Luis García y García, que estimulou a crise de Mariel acolhendo delinquentes na embaixada do Peru em Havana. Luis Percovich –um boticário que também fora ministro do Interior – seguiu esse mesmo roteiro em seu tempo; e foi essa a conduta de Luis González Posada apontado como agente da CIA e conselheiro de Alan García e Augusto Blacker Miller, à direita de Fujimori; e também Francisco Tudela. Eles macularam a política exterior peruana e nos apresentaram ante o mundo como expressão da covardia, do servilismo e da traição. Desrespeitaram a unidade continental para aplicar obedientemente os ditados de Washington.
Mas o servilismo como “prática diplomática” chegou agora ao seu ponto máximo com Néstor Popolizio Bardales..
Originalmente Bacharel em Direito, terminou como graduado em Relações Internacionais. Teve a sorte de fazer um curso em Paris, de modo que passou pela cultura europeia, embora ela nunca tenha passado por ele. O que ficou – provavelmente em seus ossos – foi sua função como Conselheiro da embaixada peruana em Washington. Ali ficou marcado para sempre. Por isso cumpre sem reclamar os encargos do Império.
Néstor Popolizio, sem ter nem arte nem parte, declarou uma espécie de guerra ao Governo da Venezuela. O que o levou a isso? Nada especial, salvo a orientação que impulsionara PPK através de seu Chanceler Luna. Talvez por fazer a “honra a ela”, foi que atropelou cegamente o país vizinho e se converteu em “artífice” do bem denominado “Cartel de Lima”. Passo a passo, Popolizio foi construindo uma teia com a qual foi envolvendo outros chanceleres da região. Foi, perante eles, um tipo de “porta-voz oficioso da Casa Branca”. E estimulou posturas sem mais propósito do que “ficar bem” ante o amo do Norte. Mas seu servilismo extremo não o ajudou. O levou não só à derrota, mas também ao ridículo.
Convocou todos os países a “romper relações com a Venezuela”. Mas o único que o fez foi o Paraguai, cujo Primeiro Mandatário é filho daquele que foi secretário pessoal do ditador Stroessner. Depois acudiu à OEA, mas ali tampouco conseguiu os votos que esperava. E então acudiu às Nações Unidos, mas o Conselho Geral da ONU reconheceu Nicolás Maduro Moros. Popolizio, à beira de um ataque de raiva, conseguiu arrancar do Tesouro Peruano um “aporte” de 5 milhões de dólares para o títere Juan Guaidó. Agora, ao compasso do senhor Trump, “retrocede” -parece um passo de dança – e assegura – da mesma forma que Vizcarra – que condena “qualquer agressão externa contra a Venezuela”; que é a única coisa que ele tem promovido. Sem dúvida, entre Popolizio e Raúl Porras, há um abismo em vários sentidos. Mas o mais importante é o que se refere à dignidade de Porras, e que Popolizio, absolutamente não conhece.
(*) Colaborador de Diálogos do Sul desde Lima, Peru
Tradução: Beatriz Cannabrava