Pesquisar
Pesquisar
Foto: Jewish Voice for Peace / X

No 76° aniversário da Nakba, juventude internacional se levanta pela Palestina

Em diferentes países, universitários se mobilizam contra o genocídio em Gaza e exigem que universidades cortem laços com empresas que comercializam com Israel
Mirta Pacheco
Esquerda Diário
Buenos Aires

Tradução:

Ana Corbisier

Neste 15 de maio, Nakba completou 76 anos – um processo de desaparecimento de aldeias, expulsão de mais de um milhão de pessoas e assassinatos – que o povo palestino relembra um dia depois da criação do Estado de Israel. Não é mais um aniversário; este ano o mundo assiste a um genocídio perpetrado ao vivo e a cores contra a Faixa de Gaza, mas também a um enorme movimento de jovens que sobretudo na Europa e nos Estados Unidos se levanta, denunciando e exigindo que os governos e as universidades de seus próprios países rompam com o financiamento da máquina de guerra de Israel.

No momento de escrever esta nota, jovens das principais universidades dos Estados Unidos e na Europa, da França, Alemanha, Espanha, Reino Unido, Finlândia, Dinamarca, Itália, Países Baixos, ocuparam os campi de suas universidades (em muitos casos apoiados por trabalhadores e professores destas casas de altos estudos), mobilizando-se contra o genocídio em Gaza e exigindo que estas universidades cortem laços com empresas que comercializam com Israel; em muitos casos trata-se de capitais com investimentos no negócio de armas. Ao mesmo tempo, como nos Estados Unidos sobretudo, exigem dos governos que deixem de ser cúmplices deste genocídio, apoiando política e financeiramente o Estado de Israel.

Leia também | Da Nakba ao genocídio palestino em curso: 76 anos entre duas catástrofes

Estes jovens vêm sendo reprimidos brutalmente e sofrendo detenções pelas Polícias de seus países para que desocupem os campi; ainda assim se reorganizam e voltam a manifestar-se. Estas manifestações, em países imperialistas como os Estados Unidos, são tão profundas que os acampamentos do movimento estudantil passaram a ser o centro da política nacional estadunidense. Em um ano eleitoral vem provocando uma crise no governo de Joe Biden por seu apoio incondicional a Israel – que o obriga inclusive a tratar de pôr algum limite na política criminosa de Netanyahu. Mas vai além, porque ataca um ponto central do regime bipartidário ianque: sua aliança estratégica com o Estado de Israel; por isso muitos analistas o comparam ao movimento contra a guerra do Vietnã.

Este grande movimento pela Palestina, que percorre os principais centros nevrálgicos do mundo, é atacado pelos defensores do sionismo que realiza campanhas cheias de fakes, chamando-os de antissemitas, ocultando deliberadamente que milhares de judeus se levantam em seu apoio ou fazem parte dele. Se algo caracteriza esta juventude mobilizada em todos os países, é seu antirracismo.

As origens

A criação do Estado de Israel ocorreu de maneira artificial, pois era uma minoria judia que habitava essas terras, inclusive desde a ocupação britânica, que dominou o território desde antes do início da 1° Guerra Mundial, e que ao longo destes anos foi “implantando” população de origem judaica.

Inglaterra como potência ocupante, foi “avalizada” pela Liga das Nações (instituição imperialista antecessora das Nações Unidas – ONU), que conferiu um status de “protetorado” a essa colônia, outorgando-lhe administração “legal” em 1922. Tratava-se naquele momento, no fim da I Guerra, da repartição das colônias e das “esferas de influência” dos mercados e nessa divisão do botim, a Inglaterra ficou com o território que já dominava desde 1915, a Palestina.

Dominio británico de Palestina
Domínio britânico da Palestina

Mas foi em 1917, para neutralizar os movimentos nacionalistas árabes que tinham surgido contra a opressão do Império Otomano, que a Inglaterra estimulou a declaração de Lord Balfour (Secretário de Relações Exteriores britânico) na qual se declarava favorável à “criação de um lar nacional judeu” no “mandato britânico palestino”. Esta declaração era dirigida a Lionel Rothschild, membro sionista da pujante burguesia financeira britânica, para que a desse a conhecer à Federação Sionista.

Lord Balfour
Lord Balfour

Isto teve como consequência imediata a entrada na Palestina de milhares de colonos judeus. Os sionistas compravam terras dos camponeses palestinos por poucas moedas e se estes opunham resistência, não hesitavam em recorrer à violência.

Os líderes árabes cedem a Palestina

Mas esta política de começar a ocupar terras que não lhes pertenciam originalmente, constituía o grande acordo entre o sionismo e as potências imperialistas, concretamente neste caso a Inglaterra, e contou com a cumplicidade de membros de famílias “reais” árabes, como é o caso de Faisal Husain, membro da família dos hachemitas. Husain foi um líder nacionalista da rebelião árabe (1916/1920) contra o Império Otomano e cujo projeto era um Estado árabe, fundado na base de uma monarquia constitucional nos territórios denominados naquela época Síria, que compreendiam os atuais Síria, Líbano, Jordânia, o Estado de Israel e os territórios ocupados.

Como esse projeto se chocava com as aspirações das potências imperialistas de repartição dos mercados, Faisal se vê enfrentando a França que, por essa divisão imperialista possuía a Síria do Norte (Líbano e Síria), e é expulso da Síria pelos franceses que desencadearam nessa zona um banho de sangue. Isso o faz voltar-se para acordos com a Inglaterra e com o sionismo, já que era a cara visível da monarquia árabe que também reclamava para si as terras da Palestina.

Leia também | Nakba marca início da limpeza étnica sionista contra os palestinos, explica presidente da FEPAL

Em 1919, Faisal assina um acordo com o sionismo representado por seu líder Chaim Weizmann (que depois foi o primeiro presidente do Estado de Israel), onde reconhece seu direito à imigração massiva para terras palestinas, simplesmente em troca de igualdade religiosa e controle muçulmano sobre os santos lugares do Islã e de que promovam a constituição de um Estado árabe excluindo a Palestina.

Poucos meses depois de assinado o acordo, o sionismo aproveita a Conferência de Paris (a reunião onde os aliados discutiram as condições a impor aos países derrotados na I Guerra mundial), para reclamar uma Palestina inteiramente judaica.

Jaim Weizmann con el presidente de EEUU Harry Truman
Jaim Weizmann com o presidente dos EUA, Harry Truman

A situação dos judeus na Europa que dá origem ao sionismo

Esta política de ocupação do território continuou; já na primeira metade da década de 30, a Inglaterra emite um decreto que ordena ceder terras a todo aquele que possua uma torre e uma cerca. Foi assim que em poucos meses os sionistas montaram torres e construíram cercas, o que os transformava em “proprietários” de vastas extensões de terras. Ao mesmo tempo, os chamados sionistas de “esquerda” estabeleciam-se em colônias “socialistas” (os chamados kibuts), que na prática funcionavam como acampamentos militares que interferiam nas comunicações entre as aldeias palestinas.

Ou seja: as potências imperialistas, naquela época com a Inglaterra à frente, e o sionismo usaram um povo perseguido como o judeu, que já no final do século XIX se via obrigado a fugir dos pogroms que os assassinavam aos milhares sobretudo na Europa Central e Oriental, onde o desenvolvimento burguês foi mais atrasado, diferentemente da Europa ocidental, cujas revoluções burguesas na Inglaterra, França e nos Países Baixos tinham permitido certa integração e a assimilação progressiva dos judeus.

Leia também | NakbaDay: A limpeza étnica da Palestina e os livros didáticos de Israel

Esse atraso da burguesia da Europa Oriental como força social, empurrava os judeus para a proletarização e a miséria e os confinava em guetos. Tinham sido transformados praticamente no último patamar de suas sociedades e isso servia a essa burguesia para torná-los os bodes expiatórios dos padecimentos das massas.

Os pogroms tiveram como marca de nascimento esta política pérfida e assassina das burguesias. E o sionismo que naquela época também começava a desenvolver-se (1897) como movimento político de um pequeno setor da burguesia judia, para levar adiante seu projeto de um Estado judeu, teve o descaramento de reunir-se e fazer acordos, por exemplo, com a autocracia czarista, que levava adiante esses pogroms e campanhas antissemitas.

Refugiados judíos llegan a Palestina
Refugiados judeus chegam à Palestina

O czarismo queria que os líderes sionistas convencessem muitos judeus a abandonarem sua militância em partidos operários. Lembremos que foram essas condições terríveis de vida, em que se encontravam milhares e milhares de judeus, que deram origem à militância revolucionária, destacando-se dirigentes marxistas como Leon Trotsky, Rosa Luxemburgo, Riazanov, Lev Kamenev e um longo etcétera.

Depois, com o correr das décadas veio o nazismo e o extermínio de 6 milhões de judeus em campos de concentração já na II Guerra mundial. E isso foi usado pelas potências vencedoras como a Inglaterra e sobretudo os Estados Unidos, que saiu da Guerra como potência hegemônica, para estabelecer as bases de uma política reacionária encarnada na criação do Estado de Israel. E estamos falando das mesmas potências que fecharam suas fronteiras para os milhares e milhares de judeus que fugiam do nazismo.

Ben Gurión declara la fundación del Estado de Israel
Ben Gurion declara a fundação do Estado de Israel

1948: ano da NAKBA

O sionismo e o imperialismo inglês tiveram então que derrotar a sangue e fogo a rebelião árabe palestina que se deu entre 1936 e 1939, para finalmente poder, 9 anos depois, proclamar seu Estado racista. Um Estado que sempre foi absolutamente adequado aos interesses do imperialismo, com o fim de submeter os povos árabes oprimidos do Oriente Médio e que ainda hoje com as mudanças geopolíticas dos últimos anos, continua cumprindo o mesmo objetivo estratégico.

Um ano antes, em 1947, nas Nações Unidas se estabelece a repartição da Palestina, cedendo-se aos sionistas 52% de seu território. As milícias sionistas intervêm levando adiante um massacre. Desta vez apagaram do mapa 500 aldeias e obrigaram ao exílio mais de um milhão de pessoas. Exílio que ao longo dos anos chegaria a mais de 7 milhões de refugiados que não têm o mínimo direito de retornar a suas terras.

Leia também | A Nakba que não tem fim, 1948 é todo dia

É sabido que as mulheres palestinas levam consigo uma chave que passam de geração em geração e que representa a chave das portas de suas casas de onde foram expulsas com suas famílias em 1948.

Campamentos de los exiliados palestinos
Acampamentos dos exilados palestinos

Esta é a base da fundação do Estado Judeu, que contou com a aprovação de Stalin de acordo com o imperialismo norte-americano (os EUA todos os anos votam em seu orçamento nacional a porcentagem que será destinada a Israel).

Este Estado de Israel que até poucos anos tinha em suas leis um artigo que permitia que se torturasse prisioneiros, a fim de “garantir a segurança nacional”.

Tanques israelíes en Palestina
Tanques israelenses na Palestina

A grande maioria dos habitantes ancestrais da terra onde hoje está este Estado foi obrigada a viver em cárceres a céu aberto como Gaza, que há sete meses sofre a eliminação de dezenas de milhares de palestinas e palestinos, inclusive meninas e meninos (um informe do comissariado geral da Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina no Oriente Próximo – UNRWA (na sigla em inglês. NdE.) em fevereiro informou que o número de crianças mortas em Gaza desde 7 de outubro, 12.300, superava a quantidade de meninas e meninos mortos em todas as guerras no mundo, nos últimos 4 anos). Os palestinos vivem também na Cisjordânia, território ocupado, onde Israel estabeleceu uma política muito similar aos bantustões da África do Sul do apartheid.

Leia também | Crônica de uma Nakba anunciada: como Israel força “êxodo massivo” dos palestinos de Gaza

Os dois territórios abrangem pouco mais de 6.120 km², onde vivem aproximadamente 5 milhões de palestinos (aos que é preciso somar 1,6 milhão de árabes israelenses – cidadãos de segunda, sem todos os direitos com que contam os cidadãos israelenses). Mas estes são territórios separados entre si e no meio há um dos exércitos mais poderosos da região, o exército israelense (Tzáhal), além das colônias israelenses na Cisjordânia, onde agora mesmo muitos colonos atacam constantemente casas e cultivos palestinos.

Esta distribuição e separação geográfica é o que faz também com que seja uma utopia reacionária a política de constituir um Estado Palestino, ao lado do Estado de Israel. Que tipo de Estado se pode construir sem conexão entre seus territórios e sem controle dos recursos naturais?

Como conseguir um verdadeiro Estado que abrigue árabes e judeus

A Igreja católica, que dito seja de passagem não levantou a voz para defender os judeus perseguidos pelos pogroms, nem tampouco quando foram vítimas do nazismo, há anos vem discutindo com o Estado hebreu por meio de suas congregações católicas, que muitas vezes são vítimas de ataques de colonos extremistas. Isto aumentou a partir do governo de ultradireita de Benjamín Netanyahu e de seus aliados ultranacionalistas, que fala de um Estado teocrático que marginaliza os que não professam a religião judaica.

Um Estado que inclusive cada vez “encurrala” mais seus cidadãos laicos, pois cada semana, por exemplo, emitem-se resoluções nos ministérios, como o da Educação, ordenando que os jardins da infância e as escolas primárias abandonem o ensino do árabe e só se fale hebreu ou que as obras de teatro tenham a obrigação de apresentar-se em territórios ocupados, apesar da negativa de muitos artistas israelenses que não concordam com a ocupação.

Leia também | Amyra El Khalili: atual agressão do Estado Sionista à Palestina é ainda pior que a Nakba, de 1948

Por isso a verdadeira paz e um verdadeiro Estado onde possam conviver árabes, judeus e todas as etnias que habitam essa região, em plena igualdade, não será possível enquanto existir uma entidade sionista que oprime, discrimina, assassina, rouba territórios e agora leva adiante um genocídio; que é uma potência armamentista – e nuclear – no Oriente Médio.

Um Estado que abrigue o povo trabalhador, independentemente de que professem a religião muçulmana, judia, cristã ou nenhuma, poderá concretizar-se mediante uma Palestina operária e socialista que abranja todo o seu território histórico, defendendo a necessidade de uma Federação de Repúblicas operárias do Oriente Médio. Tarefa que deverá ser empreendida pela classe trabalhadora, o povo pobre e os camponeses de toda a região.

Fontes:

  • A grande revolta árabe (1936-1939): Estruturas, identidades e lógicas de conflito no interior do território palestino. Ariel Hernán Farias. Universidade de Buenos Aires. Nómadas. Revista crítica de Ciencias Sociales y jurídicas. 2010.
  • A fundação do Estado de Israel. 60 anos de ocupação e genocídio. Miguel Raider. La Verdad Obrera, 15 de maio 2008.
  • Revista de América N°12. Dezembro de 1973.
  • História da Palestina moderna (Um território, dois povos). Illan Pappe. Edições Akal S. A., 2007.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Mirta Pacheco

LEIA tAMBÉM

Lavender o uso de IA por Israel para automatizar o extermínio na Palestina
Lavender: a inteligência artificial de Israel e a automação do extermínio palestino
Programas de deportação não resolvem crise migratória nos EUA, afirma especialista
Programas de deportação não resolvem crise migratória nos EUA, afirma especialista
Palestinos desaparecem nas prisões de Israel e familiares sequer sabem se estão vivos ou mortos
Palestinos desaparecem nas prisões de Israel e familiares sequer sabem se estão vivos ou mortos
Haiti denúncias por violência sexual contra menores aumentam 1000% em 2024
Haiti: denúncias de violência sexual contra menores aumentam 1000% em 2024