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ToggleNeste 15 de maio, Nakba completou 76 anos – um processo de desaparecimento de aldeias, expulsão de mais de um milhão de pessoas e assassinatos – que o povo palestino relembra um dia depois da criação do Estado de Israel. Não é mais um aniversário; este ano o mundo assiste a um genocídio perpetrado ao vivo e a cores contra a Faixa de Gaza, mas também a um enorme movimento de jovens que sobretudo na Europa e nos Estados Unidos se levanta, denunciando e exigindo que os governos e as universidades de seus próprios países rompam com o financiamento da máquina de guerra de Israel.
No momento de escrever esta nota, jovens das principais universidades dos Estados Unidos e na Europa, da França, Alemanha, Espanha, Reino Unido, Finlândia, Dinamarca, Itália, Países Baixos, ocuparam os campi de suas universidades (em muitos casos apoiados por trabalhadores e professores destas casas de altos estudos), mobilizando-se contra o genocídio em Gaza e exigindo que estas universidades cortem laços com empresas que comercializam com Israel; em muitos casos trata-se de capitais com investimentos no negócio de armas. Ao mesmo tempo, como nos Estados Unidos sobretudo, exigem dos governos que deixem de ser cúmplices deste genocídio, apoiando política e financeiramente o Estado de Israel.
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Estes jovens vêm sendo reprimidos brutalmente e sofrendo detenções pelas Polícias de seus países para que desocupem os campi; ainda assim se reorganizam e voltam a manifestar-se. Estas manifestações, em países imperialistas como os Estados Unidos, são tão profundas que os acampamentos do movimento estudantil passaram a ser o centro da política nacional estadunidense. Em um ano eleitoral vem provocando uma crise no governo de Joe Biden por seu apoio incondicional a Israel – que o obriga inclusive a tratar de pôr algum limite na política criminosa de Netanyahu. Mas vai além, porque ataca um ponto central do regime bipartidário ianque: sua aliança estratégica com o Estado de Israel; por isso muitos analistas o comparam ao movimento contra a guerra do Vietnã.
Este grande movimento pela Palestina, que percorre os principais centros nevrálgicos do mundo, é atacado pelos defensores do sionismo que realiza campanhas cheias de fakes, chamando-os de antissemitas, ocultando deliberadamente que milhares de judeus se levantam em seu apoio ou fazem parte dele. Se algo caracteriza esta juventude mobilizada em todos os países, é seu antirracismo.
As origens
A criação do Estado de Israel ocorreu de maneira artificial, pois era uma minoria judia que habitava essas terras, inclusive desde a ocupação britânica, que dominou o território desde antes do início da 1° Guerra Mundial, e que ao longo destes anos foi “implantando” população de origem judaica.
Inglaterra como potência ocupante, foi “avalizada” pela Liga das Nações (instituição imperialista antecessora das Nações Unidas – ONU), que conferiu um status de “protetorado” a essa colônia, outorgando-lhe administração “legal” em 1922. Tratava-se naquele momento, no fim da I Guerra, da repartição das colônias e das “esferas de influência” dos mercados e nessa divisão do botim, a Inglaterra ficou com o território que já dominava desde 1915, a Palestina.
Mas foi em 1917, para neutralizar os movimentos nacionalistas árabes que tinham surgido contra a opressão do Império Otomano, que a Inglaterra estimulou a declaração de Lord Balfour (Secretário de Relações Exteriores britânico) na qual se declarava favorável à “criação de um lar nacional judeu” no “mandato britânico palestino”. Esta declaração era dirigida a Lionel Rothschild, membro sionista da pujante burguesia financeira britânica, para que a desse a conhecer à Federação Sionista.
Isto teve como consequência imediata a entrada na Palestina de milhares de colonos judeus. Os sionistas compravam terras dos camponeses palestinos por poucas moedas e se estes opunham resistência, não hesitavam em recorrer à violência.
Os líderes árabes cedem a Palestina
Mas esta política de começar a ocupar terras que não lhes pertenciam originalmente, constituía o grande acordo entre o sionismo e as potências imperialistas, concretamente neste caso a Inglaterra, e contou com a cumplicidade de membros de famílias “reais” árabes, como é o caso de Faisal Husain, membro da família dos hachemitas. Husain foi um líder nacionalista da rebelião árabe (1916/1920) contra o Império Otomano e cujo projeto era um Estado árabe, fundado na base de uma monarquia constitucional nos territórios denominados naquela época Síria, que compreendiam os atuais Síria, Líbano, Jordânia, o Estado de Israel e os territórios ocupados.
Como esse projeto se chocava com as aspirações das potências imperialistas de repartição dos mercados, Faisal se vê enfrentando a França que, por essa divisão imperialista possuía a Síria do Norte (Líbano e Síria), e é expulso da Síria pelos franceses que desencadearam nessa zona um banho de sangue. Isso o faz voltar-se para acordos com a Inglaterra e com o sionismo, já que era a cara visível da monarquia árabe que também reclamava para si as terras da Palestina.
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Em 1919, Faisal assina um acordo com o sionismo representado por seu líder Chaim Weizmann (que depois foi o primeiro presidente do Estado de Israel), onde reconhece seu direito à imigração massiva para terras palestinas, simplesmente em troca de igualdade religiosa e controle muçulmano sobre os santos lugares do Islã e de que promovam a constituição de um Estado árabe excluindo a Palestina.
Poucos meses depois de assinado o acordo, o sionismo aproveita a Conferência de Paris (a reunião onde os aliados discutiram as condições a impor aos países derrotados na I Guerra mundial), para reclamar uma Palestina inteiramente judaica.
A situação dos judeus na Europa que dá origem ao sionismo
Esta política de ocupação do território continuou; já na primeira metade da década de 30, a Inglaterra emite um decreto que ordena ceder terras a todo aquele que possua uma torre e uma cerca. Foi assim que em poucos meses os sionistas montaram torres e construíram cercas, o que os transformava em “proprietários” de vastas extensões de terras. Ao mesmo tempo, os chamados sionistas de “esquerda” estabeleciam-se em colônias “socialistas” (os chamados kibuts), que na prática funcionavam como acampamentos militares que interferiam nas comunicações entre as aldeias palestinas.
Ou seja: as potências imperialistas, naquela época com a Inglaterra à frente, e o sionismo usaram um povo perseguido como o judeu, que já no final do século XIX se via obrigado a fugir dos pogroms que os assassinavam aos milhares sobretudo na Europa Central e Oriental, onde o desenvolvimento burguês foi mais atrasado, diferentemente da Europa ocidental, cujas revoluções burguesas na Inglaterra, França e nos Países Baixos tinham permitido certa integração e a assimilação progressiva dos judeus.
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Esse atraso da burguesia da Europa Oriental como força social, empurrava os judeus para a proletarização e a miséria e os confinava em guetos. Tinham sido transformados praticamente no último patamar de suas sociedades e isso servia a essa burguesia para torná-los os bodes expiatórios dos padecimentos das massas.
Os pogroms tiveram como marca de nascimento esta política pérfida e assassina das burguesias. E o sionismo que naquela época também começava a desenvolver-se (1897) como movimento político de um pequeno setor da burguesia judia, para levar adiante seu projeto de um Estado judeu, teve o descaramento de reunir-se e fazer acordos, por exemplo, com a autocracia czarista, que levava adiante esses pogroms e campanhas antissemitas.
O czarismo queria que os líderes sionistas convencessem muitos judeus a abandonarem sua militância em partidos operários. Lembremos que foram essas condições terríveis de vida, em que se encontravam milhares e milhares de judeus, que deram origem à militância revolucionária, destacando-se dirigentes marxistas como Leon Trotsky, Rosa Luxemburgo, Riazanov, Lev Kamenev e um longo etcétera.
Depois, com o correr das décadas veio o nazismo e o extermínio de 6 milhões de judeus em campos de concentração já na II Guerra mundial. E isso foi usado pelas potências vencedoras como a Inglaterra e sobretudo os Estados Unidos, que saiu da Guerra como potência hegemônica, para estabelecer as bases de uma política reacionária encarnada na criação do Estado de Israel. E estamos falando das mesmas potências que fecharam suas fronteiras para os milhares e milhares de judeus que fugiam do nazismo.
1948: ano da NAKBA
O sionismo e o imperialismo inglês tiveram então que derrotar a sangue e fogo a rebelião árabe palestina que se deu entre 1936 e 1939, para finalmente poder, 9 anos depois, proclamar seu Estado racista. Um Estado que sempre foi absolutamente adequado aos interesses do imperialismo, com o fim de submeter os povos árabes oprimidos do Oriente Médio e que ainda hoje com as mudanças geopolíticas dos últimos anos, continua cumprindo o mesmo objetivo estratégico.
Um ano antes, em 1947, nas Nações Unidas se estabelece a repartição da Palestina, cedendo-se aos sionistas 52% de seu território. As milícias sionistas intervêm levando adiante um massacre. Desta vez apagaram do mapa 500 aldeias e obrigaram ao exílio mais de um milhão de pessoas. Exílio que ao longo dos anos chegaria a mais de 7 milhões de refugiados que não têm o mínimo direito de retornar a suas terras.
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É sabido que as mulheres palestinas levam consigo uma chave que passam de geração em geração e que representa a chave das portas de suas casas de onde foram expulsas com suas famílias em 1948.
Esta é a base da fundação do Estado Judeu, que contou com a aprovação de Stalin de acordo com o imperialismo norte-americano (os EUA todos os anos votam em seu orçamento nacional a porcentagem que será destinada a Israel).
Este Estado de Israel que até poucos anos tinha em suas leis um artigo que permitia que se torturasse prisioneiros, a fim de “garantir a segurança nacional”.
A grande maioria dos habitantes ancestrais da terra onde hoje está este Estado foi obrigada a viver em cárceres a céu aberto como Gaza, que há sete meses sofre a eliminação de dezenas de milhares de palestinas e palestinos, inclusive meninas e meninos (um informe do comissariado geral da Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina no Oriente Próximo – UNRWA (na sigla em inglês. NdE.) em fevereiro informou que o número de crianças mortas em Gaza desde 7 de outubro, 12.300, superava a quantidade de meninas e meninos mortos em todas as guerras no mundo, nos últimos 4 anos). Os palestinos vivem também na Cisjordânia, território ocupado, onde Israel estabeleceu uma política muito similar aos bantustões da África do Sul do apartheid.
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Os dois territórios abrangem pouco mais de 6.120 km², onde vivem aproximadamente 5 milhões de palestinos (aos que é preciso somar 1,6 milhão de árabes israelenses – cidadãos de segunda, sem todos os direitos com que contam os cidadãos israelenses). Mas estes são territórios separados entre si e no meio há um dos exércitos mais poderosos da região, o exército israelense (Tzáhal), além das colônias israelenses na Cisjordânia, onde agora mesmo muitos colonos atacam constantemente casas e cultivos palestinos.
Esta distribuição e separação geográfica é o que faz também com que seja uma utopia reacionária a política de constituir um Estado Palestino, ao lado do Estado de Israel. Que tipo de Estado se pode construir sem conexão entre seus territórios e sem controle dos recursos naturais?
Como conseguir um verdadeiro Estado que abrigue árabes e judeus
A Igreja católica, que dito seja de passagem não levantou a voz para defender os judeus perseguidos pelos pogroms, nem tampouco quando foram vítimas do nazismo, há anos vem discutindo com o Estado hebreu por meio de suas congregações católicas, que muitas vezes são vítimas de ataques de colonos extremistas. Isto aumentou a partir do governo de ultradireita de Benjamín Netanyahu e de seus aliados ultranacionalistas, que fala de um Estado teocrático que marginaliza os que não professam a religião judaica.
Um Estado que inclusive cada vez “encurrala” mais seus cidadãos laicos, pois cada semana, por exemplo, emitem-se resoluções nos ministérios, como o da Educação, ordenando que os jardins da infância e as escolas primárias abandonem o ensino do árabe e só se fale hebreu ou que as obras de teatro tenham a obrigação de apresentar-se em territórios ocupados, apesar da negativa de muitos artistas israelenses que não concordam com a ocupação.
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Por isso a verdadeira paz e um verdadeiro Estado onde possam conviver árabes, judeus e todas as etnias que habitam essa região, em plena igualdade, não será possível enquanto existir uma entidade sionista que oprime, discrimina, assassina, rouba territórios e agora leva adiante um genocídio; que é uma potência armamentista – e nuclear – no Oriente Médio.
Um Estado que abrigue o povo trabalhador, independentemente de que professem a religião muçulmana, judia, cristã ou nenhuma, poderá concretizar-se mediante uma Palestina operária e socialista que abranja todo o seu território histórico, defendendo a necessidade de uma Federação de Repúblicas operárias do Oriente Médio. Tarefa que deverá ser empreendida pela classe trabalhadora, o povo pobre e os camponeses de toda a região.
Fontes:
- A grande revolta árabe (1936-1939): Estruturas, identidades e lógicas de conflito no interior do território palestino. Ariel Hernán Farias. Universidade de Buenos Aires. Nómadas. Revista crítica de Ciencias Sociales y jurídicas. 2010.
- A fundação do Estado de Israel. 60 anos de ocupação e genocídio. Miguel Raider. La Verdad Obrera, 15 de maio 2008.
- Revista de América N°12. Dezembro de 1973.
- História da Palestina moderna (Um território, dois povos). Illan Pappe. Edições Akal S. A., 2007.