Da apologia ao estupro à desqualificação de famílias chefiadas por mulheres (mães e avós); dos ataques à lei Maria da Penha, passando por discursos explicitamente racistas e homofóbicos que renderam denúncias no Supremo Tribunal Federal (STF), das quais surpreendentemente foi absolvido em 11 de setembro, a candidatura do líder das pesquisas na corrida eleitoral 2018 para presidente da República, o ex-deputado Jair Bolsonaro (PSL), representa o que há de mais autoritário e excludente da realidade brasileira.
Representa grupos ultraconservadores – como o movimento Escola Sem Partido articulado com grupos religiosos fundamentalistas – que têm priorizado a educação como grande arena de disputa, muitas vezes em aliança política com grupos ultraliberais que atacam as políticas públicas e defendem a educação como mercadoria e não como direito humano.
Com base em um discurso hipócrita em defesa dos costumes, da família tradicional e de uma ordem hierárquica, discriminadora e violenta, esses grupos têm como uma de suas principais agendas o ataque aos marcos normativos e às políticas educacionais comprometidas com a promoção da igualdade de gênero e raça, com o reconhecimento da diversidade sexual e com a defesa da laicidade na escola pública.
Enquanto Bolsonaro representa explicitamente o polo contrário a essas agendas, defendendo inclusive “expurgar a ideologia de Paulo Freire, sem doutrinação e sexualização precoce”, assim como o candidato Eymael (PSDC) que defende ressuscitar a disciplina Educação Moral e Cívica, um absurdo dos tempos da ditadura militar, outros candidatos se omitem com relação a gênero, raça e diversidade sexual de olho no eleitorado conservador. É o caso de Henrique Meirelles (MDB), de Álvaro Dias (Podemos) e de João Amoedo (Novo), com candidaturas caracterizadas pela defesa de uma maior atuação de grupos privados na educação. Vale destacar que, em seu programa de governo, Meirelles reforça o movimento Escola sem Partido, quando adota a defesa de uma escola contrária à “ideologização do ensino”, compreendida por esse movimento como uma educação crítica às desigualdades brasileiras.
NULL
3ª Marcha das Mulheres Negras no Rio de Janeiro | Foto? Wikipedia
As candidaturas que abordam gênero, raça e sexualidade combinam com maior ou menor intensidade, com maior ou menor timidez, duas perspectivas: a dimensão do enfrentamento de preconceitos, discriminações e violências sofridas por mulheres, negras/os, população LGBT entre outros sujeitos diversos e a dimensão mais desafiante da promoção e afirmação de direitos dessas populações por meio de políticas e programas de educação e da rediscussão das bases que estruturam a educação escolar. São candidaturas que defendem a implementação do Plano Nacional de Educação.
Mais explicitamente restrita à primeira dimensão, está a candidatura de Marina Silva (Rede Sustentabilidade). Marina defende genericamente o combate ao bullying, à violência e à discriminação sem nomear as causas sociais desses fenômenos na sociedade brasileira. Ciro Gomes (PDT) propõe eliminar o uso de material de ensino estereotipado que reforça “o papel tradicional da mulher” (sem falar em outros estereótipos); incluir o combate a toda forma de preconceito, seja ele por raça, etnia, sexo, orientação sexual e ou identidade de gênero, no Plano Nacional de Educação; e defender da implementação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) alterada pelas leis 10.639/2003 e 11.645/2008. Essas leis tornaram obrigatório o ensino da história e da cultura africanas, afro-brasileiras e indígenas em toda a educação básica e enfrentam diversas resistências por parte dos sistemas de ensino.
O programa da candidatura de Fernando Haddad (PT) propõe massificar as políticas de educação e cultura em direitos humanos a partir de uma perspectiva não sexista, não racista e não LGBTfóbica. Assume um caráter menos genérico ao propor a expansão do programa Transcidadania para todo o território nacional, programa inovador implementado na gestão de Haddad na prefeitura de São Paulo (2013-2016), destinado a garantir educação e outros direitos à população trans, em um país recordista mundial em assassinatos de travestis e transgêneros.
Com baixa viabilidade política segundo as pesquisas eleitorais, a candidatura de Guilherme Boulous (PSOL) é mais explícita em seu programa em relação às ações de enfrentamento a discriminações e de promoção do direito à igualdade de gênero, raça e sexualidade na educação. Entre os destaques, constam: a defesa das cotas raciais e da permanência de estudantes cotistas nas universidades; a implementação da LDB alterada pela lei 10.639/2003 e 11.645/2008; o desenvolvimento de política nacional de prevenção à discriminação e ao preconceito e a produção de material didático com perspectiva de diversidade de gênero e sexualidade para a formação de educadores, educadoras e estudantes.
Por fim, é importante registrar o silenciamento de todas as candidaturas em relação à defesa da laicidade na educação pública, cada vez mais atacada por grupos ultraconservadores, que promovem o proselitismo, a intolerância religiosa, a “demonização” das religiões de matriz africana e questionam os direitos das mulheres, da população LGBT e das mulheres e homens negros. Silenciamento que diz muito sobre o momento dramático da democracia brasileira.