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O clamor dos indígenas

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

A causa indígena nunca foi resolvida no Brasil. A toda hora se ouvem invasões de terras indígenas para dar lugar ao agrone­gócio. Homologação de suas terras são proteladas. E há assassi­natos e suicídios misteriosos entre os Guarani.

Leonardo Boff*

americaNão obstante, deram-se alguns avanços que cabe reconhecer como a demarcação e homologação em área contínua da terra Yanomami contra a pressão de meia dúzia de arrozeiros, apoia­dos pelo latifúndio pelo agronegócio; a devolução da terra in­dígena Xavante Marãiwatsédé na Prelazia de São Félix do Ara­guaia, de onde haviam sido arrancados à força há 40 anos atrás.

A mesma coisa não ocorreu com a terra dos Guarani Kaiowá, Guyraroka, que o STF com os votos dos ministros Celso Mello e Cármen Lúcia rejeitaram o voto de relator do processo o minis­tro Ricardo Lewandoski. Em nenhum momento a comunidade indígena foi consultada e o latifundiário que as ocupou ganhou o direito sobre os 12 mil hectares das terras tradicionais.

Casos como estes são frequentes, por mais que a Funai e o CI­MI (Centro Indigenista Missionário da Igreja Católica) se em­penhem em sua defesa. Neste contexto vale recordar O Mani­festo da Comissão Indígena 500 anos (1999) expressando o clamor de 98 diferentes povos originários. Eles denunciaram com veemência:

”Os conquistadores chegaram com fome de ouro e de sangue, empunhando em uma das mãos armas e na outra a cruz, para abençoar e recomendar as almas de nossos antepassados, o que daria lugar ao desenvolvimento, ao cristianismo, à civilização e à exploração das riquezas naturais. Estes fatores foram deter­minantes para o extermínio de nossos antepassados….”

“O dia 22 de abril de 1500 representa a origem de uma longa e dolorosa história… Afirmamos nossa divergência clara e trans­parente com relação às comemorações festivas do 5º centená­rio, por atentar e desrespeitar nossos antepassados, mortos em defesa de seus filhos, netos e gerações futuras. E por negarem nosso direito à vida como povos culturalmente diferenciados…”

“Pretendemos, sim, celebrar as conquistas ao longo dos sé­culos, plenas de heróis anônimos, que a história se nega a re­conhecer. Celebramos, sim, as vitórias que nos custaram tantas vidas e sofrimentos, porém trouxeram a determinação e a espe­rança de um mundo mais humano, de solidariedade”.

“Celebraremos também o futuro, herdeiros que somos de um passado de valorização da vida, de ideais, de sonhos deixados por nossos antepassados. Apesar das desigualdades e injusti­ças, estamos cientes da importância de contribuir para a conso­lidação de uma humanidade livre e justa, aonde índios, negros e brancos vivam com dignidade”(Jornal do Brasil de 31 de maio de 1999). Na campanha presidencial nunca se abordou com se­riedade esta demanda histórica dos indígenas.

O que poderíamos esperar dos portugueses que durante 15 séculos passaram pela educação cristã? Que ao verem aqueles belos corpos na praia, espreitando curiosamente a chegada das caravelas, exclamassem: “Que bom! Descobrimos mais irmãos e irmãs. Vamos abraçá-los e beijá-los como membros da grande família de Deus, representantes diferentes do corpo místico de Cristo”. Nada disso ocorreu.

Depois do primeiro encontro pacífico, cheio de lirismo des­crito pela carta de Pero Vaz de Caminha, tudo mudou. Vieram com a cobiça pelas riquezas da terra. Moveram-lhes guerras, chegaram a negar-lhes a humanidade e, apesar de sua inocên­cia e bondade natural, atestadas por todos os primeiros missio­nários, consideraram-nos faltos de salvação. E os subjugaram e os batizaram sob medo.

Alguma coisa falhou no processo de educação e de evangeli­zação dos europeus, notadamente dos espanhóis e dos portugueses que impediu que ocorresse verdadeiramente um encon­tro de pessoas e de culturas. O que houve foi uma negação pura e simples da alteridade.

O assim chamado “descobrimento” equivaleu a um encobri­mento e a um apagamento do outro, da história dos povos ori­ginários do Brasil e de África. Também não significou um “en­contro” de culturas, mas uma invasão. O que de fato ocorreu foi um imenso desencontro, um verdadeiro choque de civiliza­ções com o submentimento completo dos negros e dos indíge­nas mais fracos. Até hoje, fica a marca deste ato fundacional nas formas como discriminamos os indígenas, não respeitando suas terras sagradas e mantendo preconceitos contra os afrodescen­tens, aqueles que construíram quase tudo do Brasil.

 

*Original da Agencia Brasil de Fato


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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