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O coronavírus pegou meu pai, talvez ele tenha se descuidado, mas a culpa é do Doria

Durante o período em que a restrição estava estrita, meus pais não saíram um centímetro sequer de casa, mas o governo decidiu abrir tudo irresponsavelmente
Vanessa Martina-Silva
Diálogos do Sul Global
Jundiaí

Tradução:

Atualizada em 28.12.2020, às 15h11, com o resultado do exame

 

Em um país no qual a pandemia está descontrolada, os mortos diários por causa da síndrome aguda respiratória se contam quase ao milhar, receber a notícia de que meu pai está com suspeita de coronavírus é o que de pior poderia me acontecer.

Ele está bem. Os sintomas até o momento são: muita tosse nos últimos dias, dor no peito e febre na madrugada de hoje. Foi por ela que minha mãe o levou ao médico.

Meu pai é hipertenso e teve um AVC há alguns anos. Minha mãe é diabética: ambos estão no grupo de alto risco para a Covid-19. Até o governador do Estado de São Paulo, João Doria (PSDB), determinar a abertura geral do estado eles estavam isoladinhos em uma redoma, com minha irmã e cunhado fazendo todos os cuidados com mercado, farmácia, etc.


A situação, no entanto, ficou insustentável com tudo aberto novamente. Meu pai tem um pequeno comércio e eu não consegui — nem ameaçando com a carrocinha coletora de velhinhos teimosos — fazê-lo não trabalhar nos últimos meses. A realidade se impôs.

Não é possível saber como nem quando nem por meio de quem ele pegou o coronavírus. Na medida do possível, tentei alertar a rede de pessoas que tiveram proximidade com ele, mas minha irmã estava, até hoje, trabalhando em um escritório com outras pessoas, então o mapeamento fica difícil. Quem se responsabiliza? Qual é o programa para rastrear a rede de contatos? NENHUM.

O famoso teste

Minha preocupação maior agora é tentar impedir a exposição da minha mãe ao vírus. Comecei, assim, uma peregrinação atrás de testes de Covid para descobrir se ela foi contaminada e está assintomática ou se não foi. Aí, meus amigos, é que a porca torce o rabo.

Veja: meu pai mora com outras três pessoas. Além dele e da minha mãe, como eu já mencionei, minha irmã também está na faixa de risco. Logo, fazer o teste em todas as pessoas da casa é o mínimo que eu, uma pessoa razoavelmente bem informada, poderia esperar. Mas não.

Durante o período em que a restrição estava estrita, meus pais não saíram um centímetro sequer de casa, mas o governo decidiu abrir tudo irresponsavelmente

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O médico particular prescreveu que meu pai fizesse o teste, mas estando com a guia em mãos, ainda era necessário aguardar a aprovação do convênio para liberar a realização do mesmo sabe-se lá para daqui a quantos dias… Depois, para o resultado, mais três dias ÚTEIS. 

Comecei então um périplo de mapear e ligar para todos os laboratórios e farmácias possíveis para tentar agendar um exame PCR principalmente para minha mãe (o preço é proibitivo). Consegui marcar em uma grande rede para amanhã à tarde no centro de São Paulo. Aqui, para os lados do interior, é praticamente impossível conseguir algo com a urgência que eu procurava.  

O motivo? Para viagens internacionais, principalmente, é preciso apresentar um exame PCR negativo. Logo, a corrida para realizar o tal teste está frenética. Os agendamentos estão por volta do dia 30. Pasmem!

Que o Brasil salve o SUS

E o seu pai, Vanessa? Eu insisti muito para que o levassem no SUS. Foi ao Sistema Único de Saúde que eu recorri quando tive suspeita de Covid lá no longínquo mês de maio e fui muito bem atendida. No fim, era ansiedade e descobri isso também no SUS.

Na tal tendinha (a tenda grande foi desmontada) não havia quase ninguém. Rapidamente ele foi atendido. Após a pré e a consulta efetivamente, o encaminharam para realizar o teste. 

Fácil, sem burocracia. O resultado? Só daqui a três dias, mas tudo isso de graça, ou melhor, pago com o imposto que nós pagamos ao governo.

Minha mãe, irmã e cunhado montaram uma pequena operação em casa para garantir o isolamento do nosso velho. Ele está bem cuidado, com conforto e em segurança. 

Neste Natal, se eu acreditasse em Papai Noel eu pediria para que todos os brasileiros com Covid pudessem ter as mesmas condições e que o sr. Governador — no auge do seu mau exemplo, foi viajar no meio do ápice da segunda onda — e o inominável presidente da República tratassem essa pandemia com a seriedade e os cuidados que ela merece. As vidas são impagáveis, irrecuperáveis e inestimáveis. Preservemo-las.   

E que o milagre de Natal o poupe de qualquer complicação em decorrência da possível doença. 

Por ora está tudo cancelado: véspera, Natal e, em caso de teste efetivamente positivo, réveillon e ceia de Ano-Bom também. Vamos sacrificar o fim de 2020 e o começo de 2021 para garantir que possamos passar todos juntos muitas outras festas.

Atualização:

Minha mãe e meu pai testaram negativo para a Covid-19 O resultado do teste dele só foi divulgado nesta segunda-feira (28). Durante estes cinco dias — incluindo o Natal — ele passou isolado, no quarto.

Após o resultado ele já voltou a trabalhar. A situação ainda inspira cuidados, afinal, ele está com pneumonia, mas é um alívio saber que não ficará com as sequelas do coronavírus.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Vanessa Martina-Silva Trabalha há mais de dez anos com produção diária de conteúdo, sendo sete para portais na internet e um em comunicação corporativa, além de frilas para revistas. Vem construindo carreira em veículos independentes, por acreditar na função social do jornalismo e no seu papel transformador, em contraposição à notícia-mercadoria. Fez coberturas internacionais, incluindo: Primárias na Argentina (2011), pós-golpe no Paraguai (2012), Eleições na Venezuela (com Hugo Chávez (2012) e Nicolás Maduro (2013)); implementação da Lei de Meios na Argentina (2012); eleições argentinas no primeiro e segundo turnos (2015).

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