NULL
NULL
“Todo homem tem seu limite, e Dorival resolve enfrentar a tudo e a todos para conseguir o que quer. A história da luta desigual de um homem contra um sistema sem lógica e sem humanidade”.
João Baptista Pimentel Neto*
O Dia em que Dorival Encarou a Guarda é um clássico do cinema de curta-metragem brasileiro. Dirigido pelos gaúchos Jorge Furtado e José Pedro Goulart, a obra é uma adaptação do oitavo episódio do livro O Amor de Pedro por João, de Tabajara Ruas. Lançado em 1986 o filme alcançou várias premiações e foi de exibição obrigatória pelos cineclubes brasileiros.
Crítica:
Em uma prisão militar, o detento Dorival tenta convencer os militares que compõe a guarda do quartel a permitir que ele tome um banho. Mas o preso esbarra na negativa dos militares, embora estes não consigam justificar para Dorival a razão que o impede de tomar o banho. Até que Dorival decide enfrenta-los e acaba apanhando muito, o general ordena então que o levassem para o banheiro e dessem um bom banho nele, e foi assim que ele tomou seu primeiro banho.
O filme é uma mera narrativa sem a presença de qualquer discurso crítico explícito. Todavia, as cenas são suficientes para se intuir a essência real de instituições do nosso cotidiano, as quais, num primeiro momento, julgamos necessárias e benéficas, mas cuja natureza é bem mais sombria do que faz crer sua aparência. A burocracia é caracterizada pela sua estrutura hierarquizada e pela rigidez das normas. Tanta inflexibilidade decorre da suposta “racionalidade burocrática”: sendo racional, não há que se contestar qualquer procedimento, qualquer regra, pois a razão fatalmente conduz ao bem de todos.
Mas será de fato assim? Nosso personagem principal, Dorival, sofre com o calor na sua cela e com a falta de direito a um banho há muitos dias. Sem tolerar o incômodo, chama a sentinela e pede, educadamente, uma ducha rápida. “Não pode” foi a resposta. “Não pode por quê? Tô derretendo aqui dentro” apelou o preso. E eis que o guarda faz uma resposta reveladora do caráter alienante e autocrático da burocracia: “São ordens”. Calmo, Dorival insiste no seu pedido mas, diante de nova negativa, perde a paciência, disparando palavrões contra o guarda. Pressionado pelo prisioneiro, que reclama a presença da autoridade que proíbe o banho, o soldado apela ao seu superior hierárquico, isto é, ao cabo.
E a dinâmica se repete. O cabo nega a ducha refrescante e Dorival protesta tanto que outro superior hierárquico é chamado: o sargento. O sargento também sai derrotado e só resta o tenente. Este último, após muita confusão, é alvo de uma cusparada de Dorival. Estava irremediavelmente armada a confusão. As sutis faces do poder estão expostas. Em tese, cada um dos requeridos pelo preso possuía suficiente competência para solução do imbróglio. Todavia, não o fizeram por estarem acuados e por ignorarem a origem e os motivos da proibição.
É desconcertante notar que basta a autoridade para que se acate passivamente a uma ordem ou crie-se um direito. No filme, obedece-se a uma ordem sem se saber sua fonte e fundamentos. A “ideologia burocrática” não consegue ir além de si mesma, esgotando-se e mostrando sua verdadeira natureza: ofendido, o chefe dos guardas ordena a abertura da cela e, com a chegada de reforços, espanca o prisioneiro. Bastante machucado, Dorival acaba sob o chuveiro, a fim de limpar o sangue. Triste ironia: o prisioneiro tem seu pedido tragicamente atendido! Vemos, quando encurralada, a “ideologia burocrática” mostrar seu autoritarismo e violência. A truculência, no filme, é escancarada.
No entanto, quantas vezes a violência burocrática não se faz dissimulada? Quantas vezes um simples requerimento numa repartição pública é submetido a tramitações intermináveis e obscuras? Bem certo que não se trata de uma violência tão brutal quanto a que ocorre no filme, mas não deixa de ser uma forma de violência. A negativa do Estado na prestação da dignidade humana (seja uma simples ducha refrescante, como no curta metragem) é uma violência travestida de “racionalidade burocrática”
Assista ao Curta:
Gênero: Ficção
Subgênero: Adaptação Literária
Diretor: Jorge Furtado, José Pedro Goulart
Elenco: João Acaiabe, Pedro Santos, Zé Adão Barbosa
Duração: 14 min Ano: 1986 Formato: 35mm
País: Brasil Local de Produção: RS
Cor: Colorido
Ficha Técnica
Produção: Gisele Hilt, Henrique F. Lima
Fotografia: Christian Lessage
Roteiro: Ana Luiza Azevedo, Giba Assis Brasil, Jorge Furtado, José P. Goulart
Edição: Giba Assis Brasil
Direção de Arte: Fiapo Barth, Lordsir Peninha
Trilha original: Augusto Licks