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O drama da Palestina, teorias públicas e realidades ocultas

Roberto Sávio

Tradução:

 

Foto: Flickr/percursodacultura

 
Roberto Savio*
Nas últimas semanas assistimos a uma leitura homogênea dos últimos atos do drama palestino por parte dos meios de comunicação. O Hamas começou a lançar mísseis contra Israel. A represália israelense deu-se mediante violentas incursões aéreas e, como os palestinos não pararam de responder, Israel decidiu invadir e eliminar as estruturas do Hamas.
A essa altura, o presidente norte-americano Barack Obama ficou muito preocupado e enviou Hillary Clinton ao local. Clinton persuadiu o presidente egípcio Mohamed Morsi a intervir, o que ele fez com eficiência, havendo agora uma trégua entre Hamas e Israel. Isto foi mais ou menos o que lemos.
Caso fosse necessário demonstrar o alcance da homogeneização dos meios de comunicação e a falta de interesse na análise, este seria um ótimo exemplo.
Os meios de comunicação estão em uma séria crise de sobrevivência, com una contração de circulação e da renda oriunda da publicidade. De modo que têm forçosamente que vender e, para isso, têm que baixar o nível de sofisticação para chegar ao maior número possível de pessoas. Cada vez mais cobrem eventos e cada vez menos, processos – e o declínio do nível do debate político é evidente. Como observou Ronald Reagan (um grande comunicador), o segredo para chegar a um grande número de pessoas é dar explicações básicas para problemas complexos. Basta ver que na imprensa internacional, o tamanho aceitável para uma coluna são 850 palavras.
Mas voltemos ao drama palestino, fazendo uma leitura mais clara deste último episódio, em que morreram 100 palestinos e três israelenses – normalmente a proporção é de 10 palestinos para cada israelense, ou seja que, agora, a relação subiu para 33 a um. Vamos repassar brevemente os atores da tragédia: Hamas, Israel, Obama, Egito.
Hamas. É um fato que o Hamas, sem nenhum motivo particularmente dramático, começou a disparar mísseis diariamente sobre o território israelense. Por trás disso existem dois fatos visíveis.
Primeiro, dentro de algumas semanas vão haver eleições em Israel, com um não muito brilhante Primeiro Ministro, Benjamin Netanyahu, que cometeu um grave erro de cálculo ao apoiar abertamente Mitt Romney, explicitando sua clara aversão por Obama. Segundo, o chefe da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahamoud Abbas, pediu (e obteve) que las as Nações Unidas reconheçam o Estado Palestino como observador, dando de esa maneira uma clara legitimidade ao status do estado palestino.
Isso foi recebido com grande resistência por Israel e, em consequência, por parte de Washington, dirigindo todas as atenções para Abbas, que aparece como um muito razoável, moderado e digno de crédito interlocutor para a comunidade internacional, ao contrário do Hamas que oficialmente se nega a aceitar Israel como uma entidade legal. Mas, com sua iniciativa dos mísseis, o Hamas transformou-se no novo centro de atenção da comunidade internacional. Lembrou a todos que a ANP não tem nenhum direito sobre Gaza e, portanto, Abbas não é o verdadeiro líder dos palestinos, mas tão somente  de metade deles. Desta maneira, deu a Netanyahu uma ocasião única para sua reeleição. O voto de plebiscito da  Assembleia Geral da ONU a favor do reconhecimento da Palestina, ainda que com status de observador, obrigou o Hamas a apoiar o pedido da ANP. E agora Hamas começou a mover-se em direção ao Qatar, Arábia Saudita e Egito, onde estão o dinheiro e a geopolítica e a distanciar-se do Hezbollah, da Síria e do Irã.
Israel. Não podemos nos esquecer que o Hamas é em grande parte uma criação de Israel, que apoiou seu crescimento como maneira de dividir os palestinos e reduzir a onipotência de Yasser Arafat. E as partes, ao mesmo tempo em que se odeiam apaixonadamente, necessitam-se mutuamente. Para Netanyahu, o inimigo ideal é o Hamas que, ao contrário de Abbas, não está interessado em compromissos. Hamas é o inimigo forte que quer que Israel desapareça. Desta maneira, fazendo do Hamas o legitimador da política agressiva de Israel, cunha a ideia de que não há diálogo possível para a paz e, consequentemente, a expansão dos colonatos, a falta de negociações reais, com a alegação de que não há ninguém com quem negociar. Não quer dar nenhum tipo de plataforma a Abbas e o prejudica com a maior frequência possível.
Seria ideal para Netanyahu e para seu extremista Ministro de Relações Exteriores, Avigdor Lieberman ter todos os israelenses voltados para o governo diante dos ataques do Hamas, mostrando os músculos ao concentrar tropas na fronteira com Gaza, prontos para intervir. A Cúpula de Ferro, o sistema israelense para interceptar mísseis, provou sua eficiência, provou que pode ser melhorado e utilizado adequadamente caso Israel seja atacado pelo Irã, agora que já se sabe que seus mísseis não são tão destrutivos como se pensava. Netanyahu também foi capaz de eliminar o chefe militar de Abbas, que era muito bom comandante, mostrando assim a seus eleitores sua capacidade de proteção com grande eficiência. O voto das Nações Unidas pelo reconhecimento de um Estado Palestino foi uma grande derrota para Netanyahu, que decidiu voltar a acender os fogos da discórdia, ao autorizar 3.000 novos assentamentos judeus.
Obama. O Médio Oriente não é a prioridade de Obama. Sua prioridade é a Ásia, para onde vai transferir o grosso dos esforços norte-americanos para fazer frente à China, fomentando o comércio e criando alianças com tantos países quantos seja possível. Os Estados Unidos serão autossuficientes em energia em 2020, graças às novas tecnologias de extração de areias betuminosas e fraturamento de rochas, transformando-se em exportador líquido de energia em 2030. Desembaraçando-se do Iraque e do Afeganistão, o Médio Oriente é cada vez menos uma prioridade. Enquanto o conflito com Gaza estava no auge, de todo modo decidiu ir à Ásia, e dali enviou Hillary Clinton para a região, para encontrar uma maneira de negociar algum tipo de trégua. Obama sabe que não há maneira de levar Netanyahu a nenhuma negociação real, já que ele nunca aceitou o conceito de dois Estados lado a lado. Mas Obama não se pode permitir o perigoso risco de parecer em desacordo com Israel, porque a defesa deste país é um dos grandes (se não o maior) dos estereótipos estabelecidos na mente dos estadunidenses. De modo que está tentando intervir o menos possível, e só o faz quando um conflito chegou a tal ponto que já não é possível ignorá-lo. Assim, depois de ter dito as frases que sempre se ouvem, sobre  o direito de Israel de viver em paz, teve que resolver um problema de grande importância. Washington nunca teve nenhum anal direto com o Hamas, que é considerada uma organização terrorista (ainda que eleitos democraticamente), razão pela qual necessita encontrar um mediador.  Mas Obama não pressionou realmente os europeus para que votassem contra um Estado Palestino na ONU, o que permitiu que países como a Itália ignorassem as pressões israelenses.
Egito. O presidente Morsi vem da Irmandade Muçulmana, outra organização intensamente repudiada por Israel e, portanto, por Washington. Pero Morsi foi democraticamente eleito, a Irmandade Muçulmana também está em Túnis e o Egito continua sendo um líder que não se pode desconsiderar, no mundo árabe.  Desta forma, Clinton pediu ajuda a Morsi e Israel está interessado em estabelecer boas relações com Morsi, como as que tinha com o ex-presidente Hosni Mubarak. O Hamas tem fronteira com o Egito, como única saída para o mundo e Israel tem que ter as melhores relações possíveis com o Egito. Por outro lado, Morsi foi testemunha, com grande prudência, da visita do Emir do Qatar a Gaza, e do fato de que os países do Golfo estão cada vez mais ativos na Palestina e agora na Síria, onde Qatar e Arábia Saudita estão financiando abertamente os mais radicais. Desempenhar o papel de mediador deu a Morsi a oportunidade de recolocar o Egito como um país decisivo na região.
Da mesma maneira, foi uma ocasião de obrigar os Estados Unidos a oferecerem esse mesmo reconhecimento. Uma vez que esta nova legitimidade foi alcançada, Morsi utilizou-a para eliminar um sistema judicial independente (ligado ao regime anterior), e para emitir um decreto segundo o qual suas ações não podem ser julgadas, pondo Egito de novo na velha autocracia dos tempos de Sadat e Mubarak. O que foi algo que os Estados Unidos certamente viram como um desenvolvimento embaraçoso.
Resumindo: De tudo isso, o Hamas saiu reforçado em Gaza porque foi capaz de olhar Israel nos olhos, e Israel não invadiu. Netanyahu vai para as eleições como o tipo duro que consegue proteger Israel, usando diplomacia e paz em vez de invadir Gaza, o que teria afastado ainda mais a comunidade internacional, que não entende as dificuldades existenciais de Israel. Obama conseguiu alcançar a paz e sai deste assunto como aquele que conseguiu obter a mediação e a trégua, podendo assim dedicar-se a seus jogos políticos onde realmente se situa o interesse e a prioridade para os Estados Unidos. Em uma situação com tantos vencedores, há um perdedor: Abbas. O presidente da ANP, que foi deixado de lado em todo este assunto, claramente não pôde fazer nada em Gaza e consequentemente levou os israelenses a sua já conhecida posição: gostaríamos muito de negociar, mas não existe uma representação do povo palestino e obviamente não podemos negociar com o Hamas. Desta maneira, um Estado Palestino, na ótica de Israel, não é viável e continuamos caminhando em um círculo, enquanto os assentamentos israelenses continuam se expandindo, com alguns protestos da comunidade internacional. E quando Netanyahu perdeu muito mais do que o esperado nas Nações Unidas sobre o reconhecimento de um Estado Palestino, de imediato anunciou 3.000 novos assentamentos judeus, para voltar ao estado de enfrentamento.
*Fundador e presidente emérito da agência de notícias Inter Press Service (IPS). Publisher de Other News


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Roberto Sávio

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