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O drama de Higui por se defender de estupradores

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Psiquiatra e psicólogo clínico, Enrique Stola prefere definir-se como “feminista, ativista político e de direitos humanos”. É perito psiquiatra na causa de Higui. Em entrevista, Stola denuncia a violência sofrida por Higui que esteve presa durante sete meses por se defender de uma patota de dez homens que tentou violá-la por sua orientação sexual. Como se não bastasse, a violência prosseguiu tanto na polícia como depois no poder judicial, instituições repletas de machismo e ignorância, incapazes de entender os dramas humanos e menos ainda as diferenças de gênero.
Rosa D´Alesio*
enrique stola“Quando conheci a Higui ela me pareceu uma belíssima pessoa. Emocionei-me cada vez que a entrevistei e lamento essa violência que ela vem sofrendo há tantos anos. Violência que sofreu no bairro, depois na Instituição policial e depois no Poder judicial”, assim a descreve Stola que é no seu papel de perito uma das pessoas que a defende.
“Lamento que haja um promotor machista, como tantos outros, sem nenhuma formação em perspectiva de gênero, o que não lhe permite entender como são gerados os mecanismos de dominação que se produzem na sociedade. Creio que são ignorantes deliberados. Podemos desculpar as pessoas por não conhecer certas coisas, mas alguém que é promotor tem a obrigação de estar a par de toda a produção social, de como são os mecanismos de dominação e exclusão. Essas pessoas decidem não estudar e não conhecer porque convém à sua classe e à sua ideologia”, diz Stola, que desde os anos 80 se tornou feminista e luta junto aos movimentos de mulheres por sua emancipação.
higui1Fala da primeira vez que conheceu a Higui: “fiquei emocionado por ver as estratégias de vida e de sobrevivência dela, e de tantas pessoas como ela, que vivem em uma grande pobreza como consequência desta sociedade capitalista, e pelo lugar em que as põe o patriarcado.”.
Prossegue o relato analisando de que forma se expressa a homofobia e a lesbofobia em nossa sociedade. “Os talibãs têm sua polícia moral que diz como devem se vestir as mulheres, mas no ocidente também temos essas polícias morais em todas as classes sociais. Esses grupos estão aí para disciplinar os corpos e dizer o que devem fazer e o que não devem e têm, além do mais, uma forma de castigar esses corpos quando não respondem ao que exige a ideologia dominante. A violação é um desses modos”.
Como se conseguiu a soltura da Higui?

Stola: Pela mobilização das mulheres e os movimentos de lesbianas, junto com uma boa estratégia legal. Creio que sem o movimento de mulheres não se teria conseguido que fosse libertada, mas tampouco sem uma boa estratégia jurídica.

Cada vez mais se conhece o que significa a violação corretiva, uma prática sexual masculina para dominar. Não é uma exceção que acontece de vez em quando e na rua: ontem, hoje, uma mulher está sendo violada por seu marido, por seu parceiro. Isso acontece cada vez que uma mulher é submetida a uma relação sexual por medo ou pelo “dever” que tem de servir aos seus maridos. A violação sempre é corretiva, está ensinando o corpo da mulher que tem que ter determinada posição de subordinação ao homem.

O que você pensa sobre o movimento Nem uma menos?

Stola: Os feminismos na Argentina e em todo o mundo estão produzindo uma mudança cultural fortíssima que ao mesmo tempo produz reações de tudo o que é a ideologia machista e do patriarcado. Diante disso há uma manobra muito forte por parte do machismo para limitar o conceito de violência de gênero afirmando que violência é só a extrema. Escutamos na televisão uma quantidade de machistas que nos dizem a todos, “não as queremos mortas, não as queremos assassinadas, mas, por favor, que continuem subordinadas”.

O que também me parece muito interessante é que uma quantidade de homens tenha que dar explicações, quando antes circulavam impunemente, e agora não sabem como se posicionar ante os questionamentos das organizações de mulheres. Creio que os homens que estamos apoiando a luta das mulheres e estamos lutando pelas mudanças culturais, estamos mais livres, sentimo-nos contentes que isso aconteça.

Enrique Stola conta que ante o avanço dos movimentos de mulheres, há uma reação: “recebemos questionamentos por parte de colegas, mulheres e homens, que desqualificam nossas luta com diferentes argumentos: dizem que somos feminazi, nos tratam como gays, dizemos que estamos nisto por uma questão econômica ou que isto que fazemos é algo que nos beneficia. Obtemos maior liberdade e o prazer de ter vínculos igualitários”. E agrega que tanto o “campo da psicologia e da psiquiatria, como do resto das ciências, está dominado pela ideologia patriarcal”.

Outro dia escutei uma jornalista dizer que cada vez mais pessoas tomavam os problemas de gênero, e mesmo que leve muitos anos, com esses passos à frente se conseguiria a igualdade. Você crê que através de mudanças evolutivas seja possível terminar com as práticas e olhares machistas?

Stola: Não há nada de evolutivo. Nós, os homens, permitimos que as mulheres tivessem acesso à leitura e à escrita duzentos anos depois de nós. No ocidente deixamos as mulheres entrarem na universidade oito séculos depois. Se nós, homens, vamos mudando, não é por evolução, mas porque o movimento de mulheres diz: não! São os limites que as mulheres colocam com sua luta e não os cursos de novas masculinidades os que produzem as mudanças. É como se tivéssemos que agradecer aos capitalistas as conquistas obtidas pelos operários com suas lutas.

A derrocada do patriarcado não vai ser evolutiva, é uma frase que usam alguns para justificar-se. Dizem: ‘bem faz dez anos, cinquenta anos, não se sabiam essas coisas’. Mentira. Há 50 anos havia mulheres que pensavam igual que agora, e há duzentos anos havia mulheres que lutavam por seus direitos. Não é uma questão evolutiva, mas sim uma luta que enfrenta a dominação para conseguir a libertação das mulheres e corpos feminizados pelo patriarcado.

Stola volta a falar sobre o movimento de mulheres que se apoderou das ruas reclamando Nem Uma Menos, e a forma como isso impacta os homens que não exercem violência extrema. “Vejo muito interesse dos homens diante dessa realidade, mas também observo a reação machista em homens que se sentem ameaçados por esses movimentos”; e agrega “há muitas mulheres que têm claro o lugar de subordinação que ocupam na sociedade, enquanto que os que as dominam, os homens, têm muito mais dificuldade em perceber. Nós, os homens que temos empatia com as mulheres, podemos nos aproximar, mas não sentir o mesmo que sofre uma mulher em seu corpo por ser subordinada.”.

Como psiquiatra e psicólogo clínico, opina sobre os violadores: “creio que são delinquentes, não doentes, e mesmo que não sejam, creio que devem receber assistência psicoeducativa. Na comunidade científica não há acordo sobre a recuperação ou não desses tipos. Há um setor de forenses que diz que sim, que há uma baixa reincidência nesses casos, mas a reincidência só é medida caso tornem a entrar no circuito legal e o certo é que eles, os violadores, aprendem para não tornar a ser capturados. Nesses temas não há posição única. Mas também creio que maiores penas para os violadores não resolve nada”.

*Original de La Izquierda Diario


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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